Cristianismo está em permanente tensão com as suas fontes

Ao contrário do imobilismo frequentemente veiculado, Igreja Católica trabalha constantemente o dinamismo entre as suas raízes e a contemporaneidade

Dinamismo, abertura e tensão criativa com as fontes: foi esta a imagem do cristianismo proposta pelo padre Domingos Terra durante a 2.ª Jornada de Teologia Prática, que decorre hoje na Universidade Católica (UCP), em Lisboa.

“O fundo da identidade cristã não fica incólume” às interacções com a diversidade cultural, nem é “uma coisa cristalizada, que se repete mil vezes sem um mínimo de alteração”, pelo que os fiéis “devem manter uma atitude de aprendizagem”, afirmou o sacerdote.

Na conferência intitulada “O cristianismo como ‘estilo’ – uma leitura de Christoph Theobald”, o professor da Faculdade de Teologia defendeu que a identidade cristã “tem a liberdade e os recursos para assumir dentro de si novas formas”, pelo que “não pode ser gerida de maneira defensiva”.

Este conceito não é novo, já que “a Igreja das origens deu espaço para que surgissem diversos estilos de cristianismo”, o que implicou a consciência de exercer “um discernimento para averiguar da verdade dessas formas”.

Se é verdade que a Igreja está sempre “em processo de génese permanente”, os fiéis nunca podem “perder a noção de que há um fundamento” e que a renovação “não se dá a partir do zero”.

As fontes da fé – Bíblia e Tradição – interagem permanentemente com o “hoje” da Igreja, isto é, o Magistério, a investigação teológica e o sentido da fé dos fiéis, num “jogo combinatório” que “permite a diversidade”, explicou o sacerdote jesuíta, acrescentando que na Europa se dá mais destaque às primeiras, enquanto que no contexto americano se privilegiam as segundas.

A intervenção do padre Domingos Terra centrou-se igualmente na “diferenciação interna do cristianismo”, que oscila entre o criativo e o normativo.

Para muitos católicos do mundo, o modo como os europeus tratam as questões normativas pertence a um estilo especificamente europeu, que pode restringir outros estilos e expressões legítimas do cristianismo, assinalou o sacerdote.

O docente considera que “a figura cristã de Deus é múltipla”, tendo apelado para que a Igreja se liberte de uma maneira de conceber o cristianismo dogmática ou ‘adogmática’.

No pensamento de Christoph Theobald, o cristianismo pode sintetizar-se na expressão “um fundo, múltiplas formas”: “A forma deve ser fruto do conteúdo, mas este deve reenviar para a forma”, referiu o padre Domingos Terra, que sugeriu “uma espécie de cumplicidade” entre os dois elementos.

Para o sacerdote, o pendor normativo das grandes elaborações doutrinais deve manter abertas as potencialidades que o Evangelho tem de se “desdobrar fielmente em múltiplas formas”, evitando o perigo de “abafar” a sua criatividade.

A universalidade dos textos atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João passa pela singularidade de quem os ouve e pela pluralidade de mundos e épocas em que são lidos, escutados e aplicados, já que “a Escritura é capaz de gerar cristãos de um mundo diferente do seu”, assinalou o docente.

Apesar da influência da Bíblia nas concepções políticas, sociais e morais ao longo dos séculos, o padre Domingos Terra considera que o Evangelho “não é uma cultura que rivalize contra outras” nem “uma potência que esmaga as particularidades”.

Depois de reflectir sobre o dinamismo e a tensão suscitadas no cristianismo devido à sua interacção com filosofias e perspectivas diferentes, o investigador do Centro de Estudos de Religiões e Culturas da UCP lançou às mais de cem pessoas presentes o desafio de pensarem no modo como a Igreja tem encarado o “reconhecimento mútuo” dos seus espaços.

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