Covid-19: «Há que aprender a estar só para não se sentir sozinho» – Sandra Chaves Costa, Gabinete de Escuta

Coordenadora explica que ser humano precisa de relações mas que a solidão é um caminho de crescimento espiritual

Lisboa, 21 mar 2020 (Ecclesia) – A coordenadora do Gabinete de Escuta, um serviço de acompanhamento apoiado pelo Patriarcado de Lisboa, afirma que o tempo de isolamento social pode ser duplamente “profilático” e descarta a inutilidade de que os dias se podem revestir.

“Para além da prevenção de contaminação pode ajudar-nos a prevenir o sentimento de solidão. Há que aprender a estar só para não se sentir sozinho. Tenho a profunda convicção de que a solidão é necessária, enquanto meio e jamais enquanto fim em si mesma, entenda-se, mas é necessária. A solidão tem a virtude de devolver o homem a si mesmo. É nela que nos encontramos com o nosso eu, que ficamos de frente com o que realmente somos, com os nossos medos, as nossas prioridades e preocupações. Enfrentar a solidão, implica enfrentar-me a mim mesmo, em luzes e sombras”, sublinha à Agência ECCLESIA Sandra Chaves Costa.

O Gabinete de Escuta é um serviço, apoiado pelo Patriarcado de Lisboa, que visa acompanhar qualquer pessoa em situação de crise ou sofrimento perante qualquer experiência, seja ela de doença, solidão, luto, desemprego, falta de rendimento escolar ou profissional, mau relacionamento com os outros ou consigo mesmo, ausência de sentido para a vida, e assenta na “desburocratização e na proximidade”.

Perante medidas de contenção social que pedem um “compasso de espera, um isolamento forçado, uma abstinência de contacto e de relações sociais”, para conter a propagação do vírus Covid-19, quando “uma das maiores necessidades de todo o ser humano é estar em relação”, a ausência de relacionamento pode ter “um impacto bastante relevante”.

Sandra Chaves Costa sublinha que este não é um tempo inútil e terá mais significado se cada um conseguir “requalificar o tempo cronológico, mecanizado e linear”.

Inovação e criatividade são caminhos para manter as relações sociais, usando a tecnologia, “das mais antigas, como o telefone, às mais recentes, o «facetime», as redes sociais, o que for”.

A manutenção das rotinas é também um caminho importante, valoriza.

“Investir em manter um horário de despertar, de refeições, de trabalho, de contactos, de jogos de tabuleiro, de leitura, de escuta, do alimento da Palavra de Deus através da eucaristia, ainda que à distância, de oração em família, de tudo o que para cada um tiver significado”, indica.

O isolamento, refere, é “propício para o crescimento espiritual e está no íntimo da experiência religiosa”, sendo uma prática “das grandes religiões”.

“O isolamento é o requisito para a comunhão e o esclarecimento espirituais. O isolamento e a solidão dele decorrente é indispensável para a exploração espiritual que está subjacente à experiência mística, pois é o único caminho para a introspeção e comunhão com o divino”, indica.

Recordando a experiência de Jesus, que passou 40 dias o deserto, ou a sua procura de “locais isolados para rezar”, a coordenadora do Gabinete de Escuta fala em dias propícios para a escuta de Deus e de cada pessoa, “porque exige um permanecer, um habitar o tempo em silêncio”.

“Para quem está habituado a um frenesim quotidiano, este isolamento forçado pode significar um sacrifício de si mesmo que pode, no entanto, também significar uma oportunidade. Uma oportunidade de alteridade, da possibilidade de se auto-transcender, que é fonte de realização para qualquer homem”, indica.

“Aproveitemos este «tempo oportuno» para regressarmos à nossa interioridade, no silêncio das nossas casas. Sintamo-nos como corpo místico de Cristo, que atravessas as fronteiras do tempo e do espaço. Sejamos Igreja à escuta e em caminho”, finaliza.

LS

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