Covid-19: Direito à liberdade religiosa «não foi totalmente salvaguardado» durante confinamentos, diz Alfredo Teixeira

Antropólogo e membro da Comissão da Liberdade Religiosa aborda impacto da pandemia sobre as comunidades crentes

Foto: Agência ECCLESIA

Lisboa, 14 mar 2021 (Ecclesia) – O antropólogo Alfredo Teixeira afirmou que, nas medidas de combate à pandemia, existiu falta de compreensão do “impacto” das limitações impostas à população no exercício da liberdade religiosa.

“Nalguns momentos da gestão desta crise, o problema da liberdade religiosa não foi totalmente salvaguardado”, referiu o convidado da entrevista semanal conjunta Renascença/ECCLESIA.

O docente e investigador da Universidade Católica Portuguesa (UCP) é um dos membros designados pela Conferência Episcopal na Comissão da Liberdade Religiosa (CLR), presidida por Vera Jardim.

Alfredo Teixeira considera que o impacto das restrições à mobilidade e ao exercício de reunião afetaram, particularmente, pessoas pertencentes a confissões minoritárias, dado que “todos os católicos têm, de alguma maneira, uma comunidade, uma igreja perto de si”.

“Todas estas medidas, desde o primeiro confinamento, nunca tiveram por parte do governo português qualquer estratégia de consulta da Comissão da Liberdade Religiosa”, lamentou.

O professor recorda que em 2020, “ao contrário do que está a acontecer agora”, as práticas cultuais só abriram na última fase do desconfinamento, “sem evidência nenhuma de que elas pudessem, de facto, acrescentar um risco assinalável em relação às mobilidades que já estavam a ocorrer nas práticas sociais”.

Questionado sobre o impacto das sucessivas limitações e suspensões das celebrações comunitárias, o especialista sustenta que “há um rasto que vai ficar”.

“Talvez o campo religioso seja até um dos lugares em que, de alguma maneira, os efeitos desta pandemia poderão durar no tempo”, indica, sublinhando a “dimensão fortemente comunitária” da experiência religiosa.

“Há também alguma coisa que aconteceu que eu diria ser uma espécie de proliferação da comunicação sem comunidade, algo que terá de ser ultrapassado”, acrescenta Alfredo Teixeira.

O antropólogo entende que, ao longo dos últimos meses, houve tentativas de “pura reprodução do que existia em termos presenciais nos meios digitais” que acabaram por ser pouco eficazes.

O investigador sublinha que o recurso à tecnologia pode acelerar o “distanciamento” de católicos numa situação “mais periférica” em relação às vivências comunitárias, mas também reforçou os grupos “com uma forte vinculação comunitária”, que reinventaram as suas relações.

Não me parece que possamos ter um juízo único sobre as consequências do que vivemos, mas teremos certamente, nalguns setores do universo católico, um certo aprofundamento dessa gestão hiperindividualizada da sua relação com a memória cristã”.

 Sobre as possíveis consequências das suspensões ainda em vigor para as procissões, Alfredo Teixeira entende que essas práticas têm capacidade de “resistência”, porque se “enraízam numa memória”.

O investigador diz também que a experiência da pandemia foi “criativa”, sob o ponto de vista espiritual.

“De uma maneira mais clara no primeiro confinamento do que neste, foi muito interessante observar o que eu designaria como uma certa procura de ‘empalavrar’ esta situação que vivemos”, observou.

Para o futuro, o antropólogo coloca a tarefa de transformar a experiência da Covid-19 numa “memória que possa ser contada”.

O docente da UCP falou ainda do encontro inter-religioso que o presidente da República promoveu no início do seu novo mandato, considerando que Marcelo Rebelo de Sousa ofereceu ao país “um gesto simbólico muito eficaz”.

Octávio Carmo (Ecclesia) e Ângela Roque (Renascença)

 

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