Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Os combustíveis fósseis têm um fim à vista, mas até chegarmos ao objectivo será preciso continuarmos a investir na evolução das consciências. Existe uma grande mudança cultural a fazer. Os acordos são o princípio, mas a passagem à acção terá de ser o ponto de fuga para onde deve convergir tudo aquilo que se faz, se quisermos realmente travar ou adaptar à irreversibilidade do Antropoceno. Com a sua mensagem para o COP28, o Papa Francisco procurou se eco da voz daqueles que estão nas periferias e ofereceu um olhar que podia ser melhor acolhido na vida concreta de todos os católicos do mundo. A diversidade de opiniões será sempre uma riqueza, mas neste momento, já passou o tempo da opinião. É tempo da acção.
Embora o acordo tenha sido considerado um avanço histórico em alguns aspectos, como a criação do fundo de perdas e danos e o compromisso de mais de 700 milhões de dólares (Elon Musk injectou 1000 milhões de dólares na sua empresa de IA…), as reacções foram mistas quanto ao seu impacte e ambição. Alguns representantes de países e activistas ambientais expressaram decepção com o progresso incremental em relação ao “negócio do costume”, argumentando serem necessárias mudanças mais radicais para enfrentar a crise climática. O facto de se ter incluído o tema dos combustíveis fósseis foi um marco relevante, mas ainda há preocupações com as lacunas e meias medidas incluídas no acordo final. Os próximos passos delineados pela conferência incluem o estabelecimento de um novo objetivo colectivo de financiamento para suportar os custos de mudar aquilo que na sociedade e cultura afecta o clima, bem como preparar novas contribuições determinadas nacionalmente (NDCs) até 2025 com o objetivo de alinhar todas as acções tendo em vista o limite de aquecimento de 1.5°C. É suficiente? À mente ressoa a impressão que fiquei depois de ter lido da Laudate Deum: mais acção, menos opinião.
Afirmar que se vai fazer e assinar um documento no âmbito da COP já se demonstrou não ser um sinal de compromisso. Tomemos o caso dos Acordos de Paris. Foram assinados e depois revogou-se o compromisso como aconteceu com os Estados Unidos no período da presidência de Donald Trump. A impressão que tenho é a de que nas culturas ocidentais, a sensibilidade para a seriedade da questão climática não está tão apurada como deveria. No documentário A Carta dedicado à Laudato Si’ protagonizado por pessoas que fazem o que podem no terreno, a um dado momento, um deles recebe a notícia de que uma chuva de grande intensidade teria destruído uma parte importante das infra-estruturas da sua terra. Chora. Choram. Abraçam-se na dor. Não falam. Sentem-se impotentes diante da situação. É para superar este efeito destrutivo que serve o financiamento, mas que efeito tem ajudar a reconstruir sobre o comportamento daqueles que financiam?
Na estrada continuamos a acelerar e a emitir partículas para a atmosfera porque aquele é o carro que temos. Em casa continuamos a aquecer a água com o gás que produz o dióxido de carbono que contribui para o aquecimento também do planeta porque é o sistema que temos. O financiamento dos países não contempla o financiamento de cada família, de modo a ajudá-la a fazer uma transição para um carro elétrico ou um termoacumulador. Só mesmo se a família planear e poupar para concretizar, poderá fazer a sua parte, havendo ainda muito a fazer nesse campo.
A eliminação gradual dos combustíveis fósseis começa na mente da cada pessoa ao trabalhar a suficiência no seu consumo, em vez de contar que os engenheiros trabalhem a eficiência que lhe justifica consumir o que quiser, sem ter de mudar o seu comportamento.
A eliminação gradual dos combustíveis fósseis começa no coração de cada pessoa ao trabalhar a consciência de que os actos mais pequenos possuem um impacto global na vida dos outros.
A eliminação gradual dos combustíveis fósseis está nas mãos de cada pessoa (e pés por causa do acelerador) porque todos somos artesãos do futuro quando das opinião passamos à acção.
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