Carta Pastoral aos ucranianos em Portugal

Mensagem dos Bispos de Kiev e Halytch Amados em Cristo, filhos e filhas da Ucrânia, Preparamo-nos para vos visitar, vós que viveis e trabalhais em terras portuguesas. Desejaríamos muito encontrarmo-nos com todos e cada um de vós. Temos a sincera esperança de que não faltarão oportunidades. Como preparação para esse encontro, queremos partilhar convosco os seguintes pensamentos. 1. O êxodo para fora das fronteiras da pátria, que leva o nome de “emigração”, não é um fenómeno novo na vida da humanidade, particularmente, na do povo ucraniano. Muitos da nossa gente, na viragem do século XX e após a Primeira e Segunda Guerras Mundiais foram forçados a deixar a sua pátria em busca da liberdade ou prosperidade económica. Surgiram assim as nossas comunidades na Europa Ocidental, na América do Norde e do Sul, e até na longínqua Austrália. Os ucranianos que vivem nesses países, ainda que geograficamente distantes de nós, representam uma parcela viva da nossa Igreja que, de maneira nenhuma, esqueceram a sua pátria, cultura e língua. 2. Em terras portuguesas jamais houve um número tão grande de emigrantes ucranianos como agora. O êxodo da nossa gente para Portugal é um fenómeno novo. Há cerca de dez anos, partiram preponderantemente homens, os quais, a convite do governo português, ajudaram na edificação urbana e na construção de estádios e estradas. Com o decorrer do tempo, chegaram muitos mais e, entre esses, também muitas mulheres, as quais, em grande parte, começaram a trabalhar como empregadas domésticas ou na assistência a idosos, doentes e crianças. Não pretendemos descrever em detalhe as circunstâncias da vossa vida e a especificidade do vosso trabalho, porque as conheceis melhor que nós. Mas, a partir da larga experiência de outras colónias ucranianas no Exterior, desejamos chamar a atenção para certos valores e meios, de forma a que a vossa permanência em Portugal resulte muito proveitosa para cada um de vós e vossas famílias. Não é muito bom viver no estrangeiro, mas, por outro lado, não há que considerar isso como um mal, tanto mais que fostes para Portugal – Continente e Regiões Autónomas – de livre vontade. É necessário, antes de tudo, ser grato àqueles que vos acolheram com forte sentido de hospitalidade e vos proporcionam a possibilidade de melhorar a vossa vida. Trabalhando em Portugal, é preciso apreciar outro estilo de vida diferente, aprender uma outra cultura e língua, para assimilar as coisas da melhor forma e, posteriormente, ao retornar à pátria, tirar proveito de tudo para o bem do seu próprio país. Avaliai a vossa estadia em Portugal não somente como uma oportunidade para prosperar materialmente, mas também como uma possibilidade de enriquecimento espiritual, visto ser um país que possui uma cultura muito antiga e de matriz cristã. 3. A experiência das nossas comunidades noutros países demonstra como é importante conservar a própria identidade e jamais deixar de ser igual a si próprio. Se bem que seja fácil, será, porém, sempre possível se não perderdes o vínculo com Deus, com a Igreja e com a vossa comunidade. Quem se afasta de Deus e se preocupa somente com a acumulação de bens materiais, pode até consegui-lo, mas corre o risco de perder a sua alma e, com o passar do tempo, perder a consciência da própria identidade. É igualmente importante manter vínculos com a sua comunidade, procurando comunicar com os seus conterrâneos, e isso refere-se particularmente àqueles que pretendem permanecer em Portugal por um tempo mais longo. Um exemplo disso vêm-nos dos ucranianos emigrados na América do Norte e do Sul, os quais, tendo deixado a pátria, procuraram primeiramente construir igrejas e centros culturais, e só então se decidiram pela construção das suas próprias moradias. Apesar de pertencerem à quarta e quinta gerações, não deixaram de ser filhos da sua Igreja, de conservar a memória das suas raízes e dos valores que lhes foram legados pelos seus avós e bisavós. Pertencer à comunidade significa respeitar uns e outros, desejar o bem ao próximo e ajudar os necessitados e mais vulneráveis das migrações. São factores de ruína para a comunidade a pretensão de exercer poder sobre os outros, a imposição da própria visão da vida ou intenção de explorar o próximo em vista dos seus próprios fins. 4. Nós, vossos bispos, procuramos garantir-vos a assistência espiritual e religiosa. Queremos expressar gratidão aos nossos irmãos, os bispos latinos locais, que dão o seu apoio para que sacerdotes – diocesanos e religiosos – do nosso rito possam prestar-vos a assistência espiritual e para que haja espaços adequados para os serviços de culto. Isso é decisivamente importante para a vossa vivência religiosa e conservação da própria identidade pessoal, familiar e formação de comunidades de fé e caridade. No entanto, viver no seio de uma comunidade particular não significa esconder-se nela. Conservando e desenvolvendo os valiosos dons que levastes convosco para Portugal, ou seja, a fé em Deus, a pertença à Igreja, a participação na cultura do nosso povo, não vos envergonheis nunca de partilhar esses dons com o país onde actualmente viveis. É possível cumprir isso de diversas maneiras: através das multiformes actividades artísticas, particularmente através do canto, da participação nos eventos da comunidade local e também do próprio exemplo de vida. 5. Não podemos deixar de alertar sobre o perigo que pode afectar uma vida no estrangeiro. Mais. Esse perigo pode ser duplo. O primeiro deles consiste no acto de viver num país que não é o seu, isto é, na possibilidade de cair na rede de pessoas desprovidas de moral, de ser cruelmente explorado e privado violentamente de um salário justo, de morar em condições indignas e sub-humanas, entre outros. Outra face do perigo está relacionada com a ruína das próprias famílias, quando, por exemplo, a esposa fica por longo tempo separada do marido, ou quando as crianças ficam em casa como órfãos virtuais, devido à ausência do pai ou da mãe, sob os cuidados da avó, sem o ambiente formativo e afectivo normal da família. O próprio dinheiro – enviado regularmente pelos trabalhadores aos seus familiares – pode tornar-se o ensejo para vários vícios, para o consumismo, alcoolismo ou narcomania. O primeiro aspecto do perigo é vencido de forma mais eficaz com esforços conjuntos, buscando apoio nas pessoas e estruturas da comunidade. Quanto ao segundo aspecto, todo aquele que se distanciou da sua família deve reflectir seriamente se o dinheiro que ele ganha compensa a perda dos valores familiares. Por isso, é necessário ou reunir a família no Exterior (se se pretende permanecer em Portugal por um longo tempo ou para sempre) ou limitar ao máximo o tempo de permanência longe da família ou, melhor ainda, retornar imediatamente a ela para prevenir males piores. 6. Amados em Cristo! São estes alguns dos pensamentos que desejávamos transmitir a cada um de vós, antes de nos encontrarmos pessoalmente. Esperamos saber mais dos vossos próprios lábios e escutar o vosso coração sobre a sorte e integração nesse país. Desejamos compartilhar da vossa alegria e tristeza e, na medida do possível, ajudar-vos. Estamos muito gratos aos sacerdotes que aceitaram ir trabalhar para Portugal e vos pregam a Palavra de Deus. Estamos gratos a todos os membros conscientes da comunidade ucraniana, que procuram construir e fortalecer as nossas comunidades. Manifestamos, com a mesma gratidão, o nosso agradecimento às autoridades governamentais portuguesas que oferecem aos nossos conterrâneos a oportunidade de melhoria de vida. Como foi dito anteriormente, agradecemos, sobretudo, à Igreja em Portugal pela compreensão solidária e grande carinho demonstrados em relação às nossas necessidades e dificuldades encontradas. Esperamos com toda a convicção, nos próximos dias 12 e 13 de Agosto – momento da grande Peregrinação Internacional do Migrante e Refugiado a Fátima – agradecer juntos a Deus e à Santíssima Mãe de Deus pela protecção sobre o nosso povo – na Ucrânia e em diáspora pelo mundo – assim como todas as graças que dela temos recebido. A bênção do Senhor desça sobre vós! + LIUBOMYR, Arcebispo Maior de Kiev e Halytch + DIONÍSIO, Bispo-auxiliar do Arcebispo Maior de Kiev e Halytch

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