Beleza sem Photoshop

João Aguiar Campos, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

Alguns trabalhos fora do meu ambiente normal levaram-me, recentemente, a sítios mais distantes do país. Ali pude ver lindas igrejas e participar em celebrações festivas de comunidades vivas.

Tanto a arte dos sítios como a beleza das celebrações me fizeram bem, lavando-me olhos e ouvidos de coisas que não são boas de ver ou ouvir. Registo, por isso, de bom grado, que esta edição do semanário Ecclesia chame a atenção para algumas manifestações artísticas da fé. Tal como julgo ser de elementar justiça valorizar o trabalho permanente que os Secretariados da Liturgia, dos Bens Culturais e da Cultura vêm fazendo pela beleza nos seus respectivos campos de acção.

O caminho da beleza é, de facto, um caminho de evangelização e de diálogo – como vivamente salientou o documento conclusivo da Assembleia Plenária de 2006 do Conselho Pontifício da Cultura. Como desafio à leitura, menciono apenas esta passagem, a propósito da beleza da criação como espelho da beleza divina: «A catequese, no seu esforço de formação das crianças e dos jovens, tem vantagens em desenvolver uma pedagogia da observação das belezas naturais e das atitudes humanas fundamentais que se lhe referem: silêncio, escuta, admiração,  interiorização, paciência na espera, descoberta da harmonia, respeito pelo equilíbrio natural, sentido da gratuidade, adoração e contemplação»

Penso que, nestes dias de pressas e pragmatismos, nos faria bem revisitar a “Via pulchritudinis”, reler a Carta de João Paulo II aos Artistas ou o discurso com que Bento XVI assinalou, na Capela Sistina, precisamente os 10 anos do mesmo texto. Aí definiu claramente a beleza que nos importa: a que proporciona uma caminhada artística e estética e um itinerário de fé e de procura teológica. Contrasta, por isso, com a beleza que se propagandeia e que é «ilusória e falaz, superficial e cega até ao aturdimento», não ajudando os homens a sair de si mesmos mediante a abertura de «horizontes de verdadeira liberdade».

De facto, explica-se na Via Pulchritudinis, «para o crente, a beleza transcende a estética». Nomeadamente na Liturgia, «beleza profunda do encontro com o mistério de Deus», que não pode esgotar-se na beleza formal mas, creio eu, também não a pode de todo ignorar. Nos nossos templos ou nas celebrações que eles acolhem não se deve, por isso, castrar a criatividade; mas não pode excluir-se a fidelidade ao que (a Quem) se comunica.

Regresso a Bento XVI e às suas palavras aos artistas: «A fé não elimina nada da vossa criatividade, da vossa arte; mais ainda, ela vos exalta e vos nutre, animando-vos a atravessar o limiar e a contemplar, com olhos fascinados e comovidos, a meta última e definitiva, o sol sem crepúsculo que ilumina e torna belo o presente».

Enfim, fidelidade e beleza devem dar-se as mãos… Contra esta “fraternidade” pecam, por exemplo, tanto os concertos espectaculares como as desgarradas que substituem o canto litúrgico nalgumas assembleias.

É a tentação do photoshop que, nos seus 25 anos recentemente celebrados, fez a compreensível alegria de muitos, mas desiludiu outros tantos, no confronto com a realidade.

João Aguiar Campos

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