Bela Vista: Ser sacerdote entre os pobres

Os bairros onde vivo a maior parte do meu tempo são na sua maioria habitados por gente pobre. São os chamados “bairros sociais” na área de Setúbal, entre eles, a Bela Vista com os seus quase sete mil habitantes, feio e degradado, o 2 de Abril, a Terroa e o 25 de Abril. A paróquia de Nª Sr.ª da Conceição situa-se neles.

Habitados por famílias trabalhadoras em que o índice de pobreza e exclusão social é muito elevado. Cerca de 50% são pobres. O desemprego, o trabalho precário, os baixos salários e reformas pequenas são as causas directas da pobreza. A elas se associam o forte nível de quase analfabetismo ou a reduzida percentagem de jovens que acedem ao ensino superior, uns 5% apenas.

Também o tecido social é marcado por significativa interculturalidade, muitos emigrantes ou já seus descendentes da segunda e terceira geração e a existência de etnias, em especial a cigana, diminuem a qualidade de vida no bairro. Há dificuldades de convivência e entrelaçamento.

Há habitações sobrelotadas, por vezes coabitam duas e três famílias e os magros orçamentos não possibilitam o aluguer duma casa.

Os jovens são a face visível mais preocupante pela ausência de perspectivas de emprego garante dum futuro e duma inserção social. A vulnerabilidade atravessa este povo.

Dou comigo a pensar que sou rico entre os pobres. Mesmo privilegiado.

Vivo sozinho numa casa. Tenho uma formação académica superior e com um nível de inteligência e sociabilidade apreciáveis. Salário garantido e a dispensa com os bens essenciais. Não me deito com fome. Conheço gente influente. Sou relativamente saudável. Sou escutado todos os domingos por largas centenas de pessoas nas celebrações da eucaristia. Sou conhecido por muita gente que me saúda. Tenho vários poderes e capacidade de intervir. Tenho família que gosta de mim e um bom número de amigos. Estou ao corrente do sentido de certas transformações que perpassam o mundo, económicas, políticas, sociais, religiosas. Muita gente confia em mim. Tenho um projecto de vida e condições para o realizar.

 

Viver o ministério sacerdotal entre os pobres

Lembro-me de Jesus que “sendo rico se fez pobre” e tenho consciência de que por mais solidário e disponível que eu seja tenho um longo caminho de conversão a percorrer.

Não posso, todavia, deitar fora os talentos que Deus me deu, mas pelo contrário, investi-los ao serviço do Reino. Anima-me e impele-me o projecto libertador de Jesus: “O Espírito do Senhor enviou-me a anunciar a Boa nova aos pobres, a libertação aos oprimidos…”.

Vejo e sinto, então, este povo que carrega angústias, pesos e amarras que o impede de ser feliz e de viver em dignidade.

Uma parte do meu ministério sacerdotal é andar pelos bairros, contactar com as pessoas, escutá-las, anotar necessidades, entrar em casas para ver a sua degradação. Nesses momentos há uma indignação que sobre dentro de mim contra quem a nível do poder poderia fazer mais por este povo e um sentimento de que os lamentos se ouvirão por muito mais tempo. Por vezes, aí mesmo, me disponho a emprestar a minha voz, a minha inteligência, o meu “poder”, a minha esperança e ousadia face às várias solicitações que me são feitas.

 São casas com janelas podres, água a correr das canalizações, fios eléctricos pelo chão, ruas sem segurança, lixo e famílias a dormir nos carros por não terem casa.

São famílias que imploram apoio alimentar, pagamento de receitas médicas, gaz e rendas de casa ou um “pedido” para uma criança numa creche e, assim, poderem ir trabalhar.

Rostos degradados pelo vício da droga e do alcoolismo. Gente que precisa de desabafar seu sofrimento e receber uma palavra de esperança e conforto.

Lembro-me tantas vezes de Jesus a ir ao encontro da “ovelha perdida” e a sentir as entranhas a doer ao ver “estas multidões que são como ovelhas sem pastor.”

Isto me impulsiona a participar ou dinamizar algumas acções colectivas de protesto ou reivindicação com as gentes do bairro. 

Como é linda a nossa assembleia dominical. Várias centenas de pessoas, num entrelaçamento de idades, culturas e cores. Parece um jardim! É gente que cresce na união entre si e na busca comum da Palavra de Deus e do alimento da Eucaristia. Canta-se a esperança que nasce dos gestos criadores que vamos testemunhando, reflecte-se sobre acontecimentos do povo à luz da Palavra de Deus e de Jesus ressuscitado e pede-se perdão pela nossa infidelidade.

Na e da Eucaristia se toma consciência das pobrezas e do compromisso solidário. Cresce-se na descoberta da dimensão social do Evangelho e duma Igreja de pobres ao serviço dos pobres. O culto não é um fim em si mesmo. A igreja tem umas portas muito largas. São para acolher quem chega!

 

Alguns gestos de solidariedade

Mensalmente a comunidade cristã partilha alimentos para distribuir pelos mais pobres numa campanha denominada “Um quilo disto, um litro daquilo”. Pobre ajuda pobre!

Em parceria com outra instituição civil e alguns restaurantes fazemos a entrega duma refeição à noite a famílias necessitadas. Desde Março já foram cerca de 20.000! É o milagre da multiplicação (ou distribuição?) dos pães!

Várias famílias são apoiadas com roupas.

Estes diversos serviços são dinamizados pelo grupo Caritas paroquial.

Temos um CLAII (Centro de Apoio à Integração de Imigrantes), um GIP (gabinete de inserção profissional) e o Programa Escolhas 3ª Geração para crianças, adolescentes e jovens. São meios que disponibilizamos, lembrando-me de Jesus que evangelizava por “gestos e palavras”.

 

Este vaso de barro que Deus escolheu

É como um vaso de barro que Deus escolheu e que leva dentro de si um tesouro que vivo como padre. Frágil e pecador. Com muita sede também. Jesus, a Palavra de Deus, a Eucaristia e a oração que brota da contemplação neste povo da acção de Deus me vão alimentando e guiando. Apenas mais um apóstolo que semeia e acredita no Reino. Na comunhão da Igreja e no acolhimento e cooperação com homens de boa vontade e que amam a paz e a justiça.

Dou graças ao Pai porque me enriqueceu e me levou até junto dos pobres.

Constantino Alves

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top