Arte da Igreja e cidades do futuro

Reflexão no Dia Internacional dos Monumentos e Sítios de 2008 O lugar do religioso, no processo da secularização que deslocou as referências fundamentais da humanidade para outras dimensões, tem de se conquistar, cada vez mais, em concorrência com outras mediações sedentas de ocupar um lugar de destaque no horizonte da vida humana. Neste contexto, torna-se pertinente perceber qual o espaço das manifestações artísticas e arquitectónicas próprias da igreja, verdadeiros paradoxos na cidade utilitarista. As igrejas, em especial, passaram de monumento central da cidade a ‘equipamentos públicos’ entre tantos outros: renunciaram a certos prestígios exteriores, lado a lado com edifícios e grandes construções industriais, não se impuseram pela imponência do volume, dando-se a entender em relação com os demais equipamentos públicos que se têm por indispensáveis nos tempos que correm. As novas igrejas devem trazer à cidade moderna a sua mensagem particular, incorporando-se de maneira franca, como um espaço de silêncio, de gratuidade, um espaço improdutivo, se olhado com os olhos da técnica e da economia. À Igreja compete, com a sua arquitectura, compreender a psicosociologia da sociedade urbana, o processo de secularização e o entendimento da laicidade, como surgimento de novos protagonismos e entidades portadoras de sentido para a vida do homem da cidade de hoje, onde a Igreja é uma instituição especializada ao lado de outras instituições especializadas que estruturam toda a vida. Não surpreende, por isso, que muitas igrejas estejam inseridas num espaço polifuncional, respondendo a um programas cívico-religiosos muito elaborado, que incluem centros culturais ou sociais, auditórios ou mesmo parques de estacionamento. A expressão artística, ao longo da história da humanidade, tendeu a encarcerar o sacro, fazer dele tabu, afastar dele os que não foram iniciados. A missão da Igreja, hoje e no futuro, passará seguramente por olhar mais de perto a arte religiosa e perceber que tal como um rio, longe de separar, ela está entre duas margens para ser cruzada e unir. Novas igrejas A novidade das igrejas contemporâneas, que choca muitas vezes com definições preconcebidas do que seja uma construção religiosa, explica-se pelas tendências da própria arquitectura dos nossos dias, em particular pela utilização de novos materiais como o cimento ou o vidro, com primazia para o aspecto funcional. É evidente que neste campo é muito difícil delimitar fronteiras, saber o que é adaptar-se a novas circunstâncias sem ter de abdicar da função especifica de uma igreja. A resistência a uma adaptação a novas necessidades e circunstâncias revela-nos o carácter delicado da questão “igreja moderna”, por assim dizer. Pode tornar-se complicado inserir a especificidade de uma igreja numa cidade cada vez mais alheia aos valores que o edifício religioso encerra e transmite, seja nas suas formas tradicionais, seja em novas formas e materiais. A construção de uma igreja revela-nos elementos capazes de traduzir a nossa aspiração de infinito (escala sobre – humana, verticalidade, horizontalidade, luz, cor, vazio). A própria história da arquitectura revela esta propensão para o desprendimento, o ultrapassar da realidade terrena, deslocando-se para o sentido da desmaterialização e, portanto, da elevação do espírito. Do ponto de vista decorativo, é a simplicidade e o despojamento que dominam as igrejas de hoje: encontramos poucas imagens e mesmo pinturas não-figurativas. A luz é mesmo o elemento decorativo dominante, o único luxo que estes arquitectos não recusam. Dossier AE • Património – Dia Internacional dos Monumentos e Sítios

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