Aprender com Paulo, propósito da igreja aveirense

Nota Pastoral de D. António Francisco dos Santos para a celebração do Ano Paulino na Diocese de Aveiro A Igreja Aveirense quer “aprender com Paulo a paixão pelo Ressuscitado, o gosto pela sabedoria do Evangelho, a abertura aos novos caminhos de renovação, as razões firmes da esperança, a determinação para ir ao encontro de todos na imensa vastidão do mundo a evangelizar” – afirmei na homilia da celebração eucarística do Dia da Igreja diocesana no Santuário de Santa Maria de Vagos. Na mesma ocasião e perante numerosa assembleia de fiéis, fiz a abertura do “Ano Paulino” com um gesto cheio de simbolismo: a apresentação pública da imagem de S. Paulo que, significativamente, provinha da paróquia de Belazaima do Chão, no arciprestado de Águeda. Quero, agora, aprofundar este simbolismo e desenvolver algumas dimensões da vida e da obra de S. Paulo, que podem ajudar-nos a enriquecer a nossa vida cristã, a das nossas comunidades, a dos vários movimentos e associações e a apreciar as propostas pastorais do próximo Ano Apostólico. O Papa Bento XVI confessa ser para ele uma graça propor à Igreja a celebração do “Ano Paulino”, para que nos dê um novo ardor na evangelização. Também nós Bispos Portugueses definimos, em recente documento conjunto, o propósito de “ter o Apóstolo Paulo como guia inspirador da nossa missão de pastores, de todos os evangelizadores, de quantos, neste mundo secularizado, querem viver connosco a aventura da Igreja”. Em Outubro próximo, inicia-se em Roma o Sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Ocorre assim uma feliz e significativa coincidência que nos aponta um caminho a percorrer com S. Paulo, o Apóstolo da Palavra, por excelência. 1. De facto, o amor à Escritura constitui uma constante da sua vida. Na família, em Tarso; na escola de Gamaliel, em Jerusalém; na iniciação cristã, com Ananias e Barnabé; na comunidade dos irmãos, em Antioquia; nas rotas apostólicas que traçou para as suas viagens. Este amor à Palavra leva-o a procurar sempre o desígnio de Deus e a ser coerente no seu agir: no tempo em que era fiel observante da Lei e, por isso, perseguidor; após a conversão em que se sente chamado por Jesus a ser apóstolo dos gentios. Leva-o igualmente a expressar este desígnio nas linguagens e culturas onde exerceu o seu apostolado, fez o primeiro anúncio de Jesus Cristo e organizou comunidades dotando-as de servidores e ministérios. Este amor entranhado constitui o ponto de partida e de chegada de uma vida cristã séria, alicerçada em fundamentos sólidos, portadora de energias revigorantes, geradora de atitudes criativas e ousadas, consistentes e qualificadas, empenhadas e solidárias. Felizmente, muitos cristãos fazem da Palavra de Deus o alimento e o guia das suas vidas, dos seus critérios, das suas opções e dos seus comportamentos. Muitos outros dedicam-se a torná-la acessível e conhecida, a apreciar e a aprofundar a sua mensagem. Outros ainda, a começar por tantas famílias, disponibilizam-se para a transmitir e comunicar nas mais diversas modalidades, designadamente nas catequeses de iniciação cristã e nos meios de comunicação interpessoal, em pequenos grupos e nas grandes multidões. No entanto, a imensa maioria ainda não descobriu a beleza e a riqueza da Palavra de Deus, nem está iniciada no uso religioso e na leitura assídua e habitual da Bíblia. E é urgente proporcionar-lhe condições e meios para que o faça da melhor forma. “Na verdade – lembra o Vaticano II a pertinente observação de S. Jerónimo – ignorar as Escrituras é ignorar Cristo”. Por isso, exorto vivamente a que se aproveitem todas as ocasiões que surjam ou que se possam razoavelmente criar para que este trabalho seja prosseguido com diligência e sem hiatos longos. Além de proporcionar uma grande riqueza espiritual, uma iniciação séria evita problemas de manipulação bíblica que provocam as mais delicadas situações religiosas. E muitas já se vão manifestando entre nós. 2. A Palavra de Deus, por excelência, é Jesus Cristo, o Verbo do Pai e Fonte da nossa Esperança, que deve ser escutado com fidelidade e amor. Paulo de Tarso vê-se surpreendido na estrada de Damasco por esta Palavra que uma voz celeste identifica com Jesus Cristo. Estabelece com ele um diálogo denso e interpelante, narrado por três vezes nos Actos e na Carta aos Gálatas. Em todas as narrações, Paulo vê-se “apanhado” por Jesus Cristo e chamado a uma nova missão, eleito e constituído Apóstolo. Em todas as narrações, Jesus Cristo identifica-se com os perseguidos por Paulo, com os discípulos que “haviam entrado na via”, com os que haviam descoberto e aceite a novidade da mensagem cristã, da pessoa de Jesus, que morreu e ressuscitou para nossa salvação. Este encontro com a pessoa de Jesus constitui, sem dúvida, a experiência fundante da vida cristã. Para ela convergem muitas iniciativas na Igreja. Dela brotam os projectos apostólicos mais audaciosos, sonhados e realizados por pessoas apaixonadas por Jesus Cristo vivo e actuante nos pobres e humildes. Com ela, embora não anule os espinhos das limitações pessoais, nem as dificuldades da procura, nem as “noites” das adversidades, ganham raízes profundas as convicções religiosas. Por ela, “sei em Quem acredito”, pode repetir-se à maneira de Paulo. Este grau de certeza é tão grande que o Apóstolo exclama como resumo das suas aspirações: “Para mim viver é Cristo e o resto não tem valor algum”. E acrescenta noutra ocasião: “Ai de mim se não evangelizar”, tal é a urgência sentida de comunicar a experiência vivenciada. Na Igreja de hoje são vários os movimentos e diversificadas as propostas que visam proporcionar as condições para que possa ocorrer um encontro tão íntimo e profundo entre a pessoa que busca e Jesus que nos acolhe. Dou graças ao Senhor pela maravilha deste encontro e pelas iniciativas, sobretudo sequenciadas, que o tornam possível. Aqui se situa a génese do dom e do mistério da vocação e o início do caminho de todos os chamados. É certo que Deus está sempre disponível e a todos oferece os seus dons, mas nós precisamos de estar preparados para os acolher, valorizar e multiplicar. Daí provém a nobreza do trabalho apostólico que ajuda a nascer em cada um de nós uma nova criatura. Daí surge a importância dos espaços de oração e de contemplação, dos movimentos e grupos vocacionados para este serviço, dos “mestres” espirituais que solicitamente se dedicam a acompanhar cada pessoa ou comunidade no seu itinerário de perfeição. 3. O encontro com Cristo provoca uma conversão radical e abrangente, que nos faz olhar e amar as pessoas e as realidades de forma original e sempre nova. O irmão de sangue, sem deixar de o ser, é irmão porque partilha a mesma fé confiante no Senhor Jesus; o vizinho de residência torna-se o próximo com quem convivo; o necessitado, o pobre, o sem-abrigo, o desempregado ou o estrangeiro fazem-se o amigo que dá rosto humano a Jesus Cristo; o inimigo converte-se em semelhante a amar em si mesmo, a perdoar nas ofensas. Este novo olhar suscita um apreço diferente pelos bens, pois a sua posse privada, nunca é incondicional e absoluta, mas está sempre aberta às necessidades fundamentais de todos. Há uma hierarquia de valores que o Apóstolo estabelece e recomenda, para que se observe: “Cada um veja como constrói (…). Tudo é vosso; vós sois de Cristo; e Cristo é de Deus” (1ª Cor 3, 10c.22c e 23). Esta unidade deixa transparecer a harmonia do projecto de Deus ao serviço do qual se encontra a Igreja na sua realização histórica. É também a unidade na comunhão que leva Paulo a assumir a atenção aos pobres de Jerusalém e, nas suas viagens apostólicas, a fazer recolha de dons – as colectas – para lhes enviar (Gl 2, 10 e 2 Cor 9). Se todos comungavam nos mesmos bens espirituais, por que não haviam de partilhar os bens materiais? A recusa de partilha de uns deixa a claro a insuficiência da comunhão nos outros. Felizmente vai-se avançando na compreensão desta unidade fundamental. Tomar parte nos dons da Eucaristia implica necessariamente partilhar, até onde se puder, os bens da natureza e do trabalho. Além da carga fiscal do Estado e do contributo estabelecido para os serviços das comunidades cristãs, há uma generosidade – por vezes heróica! – que não se pode contabilizar. Os cristãos-cidadãos estão convidados a cultivar aquele olhar novo e a estar atentos às necessidades novas e urgentes que vão surgindo, ainda que os organismos oficiais tardem a organizar-se, a mobilizar recursos, a dar a resposta adequada. Mas muitos outros dão sinais inequívocos de viverem exclusivamente para satisfazer os seus interesses individuais. Empobrecem-se humanamente, desequilibram as forças sociais e agravam as situações de pobreza e de miséria. E os números – que escondem dramas silenciados – crescem sem medida e agravam situações sem estatística. A nossa Igreja diocesana tem dedicado uma atenção intensa e uma solicitude permanente a estas situações. “Os pobres não podem esperar” – tenho repetido como pregão que desperta consciências e suscita generosidades. É também o objectivo principal do próximo Ano Pastoral, o primeiro deste quinquénio que nos levará à realização da Grande Missão Jubilar como forma especial de celebrar os 75 anos da restauração da Diocese e em que nos propomos como Igreja Diocesana consciente e renovada na caridade ser esperança no mundo. A par da necessidade de evangelizar a religiosidade do povo Aveirense e de dar rosto humano ao progresso que já então se fazia sentir, foi a urgência de atender aos pobres a razão mais consistente para “pedir” a restauração da Diocese, que em 2013 nos dispomos a celebrar festivamente. Que S. Paulo nos guie nos caminhos da nova evangelização e nos contagie com o seu entusiasmo e criatividade para sermos âncora e farol de um mundo novo; e que Santa Joana, nossa Padroeira, a “amiga dos pobres de Aveiro”, nos anime com a força da esperança que sempre a acompanhou. Aveiro, 11 de Julho (dia litúrgico de São Bento) de 2008 António Francisco dos Santos Bispo de Aveiro

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