A Semana Social do Porto: uma excelente oportunidade para a esperança

Se alguma coisa a Igreja Católica tem para dizer aos portugueses, para além de reafirmar que é ela que assegura, pela ação gratuita e comprometida dos seus crentes, que uma boa parte dos pobres e desempregados não caia no abismo, esta é a oportunidade. As janelas da história não estão sempre escancaradas, raramente o estão, aliás. Vivemos na crista da onda de mudanças sérias e profundas.

A Semana Social de 2012, a decorrer no Porto de 23 a 25 de novembro (http://www.semanasocial.pt/), constitui, pela sua dimensão nacional e pela presença quer dos movimentos e obras quer dos leigos mais comprometidos com as questões sociais do país, essa oportunidade de a Igreja dizer em que é que funda, aqui e agora, a sua esperança em dias diferentes e melhores, com mais justiça, dignidade e liberdade.

Não basta repetir sempre a mesma conversa, que já sabe a pouco. Também não sei se é justo e adequado ao tempo presente, deixarmos os nossos bispos a falarem sozinhos sobre a crise que Portugal e a Europa vivem e sobre os modos de a ultrapassarmos. Somos nós, os cristãos comprometidos na polis, nos mais variados lugares e dos mais variados modos, que temos de tomar a palavra. Este tempo não é nada propício a meias respostas, meias tintas, palavrinhas redondas, seixinhos rolantes. Nem a esconderijos, mesmo que seja atrás da hierarquia, pois a luz que se acende nos nossos corações e, um pouco por todo o lado, na sociedade portuguesa tem de ser colocada em cima da mesa. É Cristo que quer falar e é o Espírito Santo que se está a manifestar dos mais variados modos e pelas mais diversas bocas.

O tema “Estado Social e Sociedade Solidária” foi escolhido há mais de um ano e não vem a reboque de nenhum apelo à “refundação” do Estado e da sociedade. Mas ainda bem que há esta espantosa coincidência. Temos de fazer desta Jornada de reflexão o momento para tomarmos a palavra e dizermos: em que é que já não acreditamos, que caminhos têm de ser abandonados, o que é que nos mobiliza hoje no nosso quotidiano, nos mais variados campos da ação social e política, o que é que vale a pena ser, para além dos números e gráficos, por que é vale a pena viver e dar a vida!

A Doutrina Social da Igreja não é uma coisa de compêndios, embora eles existam e sejam úteis. É uma esperança que se faz ação, que sai das nossas mãos, que dá ritmo ao nosso coração e que, por isso, se vê nos olhos dos que estão desorientados, se sente nas mãos dos aflitos de todos os tipos, se percebe nos passos dos pobres e desempregados. E é sobre isto mesmo que é preciso virmos ao Porto para conversarmos, porque temos de ser mais fiéis e mais fortes e porque a realidade de hoje precisa de nós, não por nós e pelos nossos olhos, mas porque tem imensa sede do Amor de Deus; não, não pode ficar para depois, porque já será tarde, as Semanas Sociais decorrem de três em três anos e Deus quer-nos aqui e agora a dizer, sem receios nem rodeios (não são só os dirigentes dos partidos políticos que estão aflitos quanto ao que dizer e fazer!) as razões da nossa fé e da nossa esperança.

Os pilares da Doutrina Social da Igreja, a saber, a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, a subsidiariedade e a liberdade, que edifício é que seguram hoje e aqui? O mesmo tipo de Estado, com o mesmo tipo de democracia representativa, com o mesmo tipo de assistencialismo social, como mesmo tipo de participação dos cidadãos? Até onde vai a nossa cegueira ideológica, que nos impede de ouvir os apelos dos outros, sobretudo dos que mais sofrem, e da realidade? O que quer dizer hoje ser solidário, em Portugal e  na Europa? E que é que isso tem a ver com a disponibilidade para estar junto dos mais aflitos, para lhes dar mais poder para serem pessoas autónomas e livres? Que rumos tem a sociedade portuguesa de seguir para crescer em solidariedade e em respeito pela dignidade da pessoa humana?

As questões atuais não são simples para ninguém.

No blog do Secretariado Diocesano da Pastoral da Cultura do Porto, editei um pequeno texto sobre o ser pessoa, hoje. Creio que, nestes dias, é o próprio conceito de ser pessoa que está em questão: confunde-se muito, nos dias de hoje, o ser pessoa com a consciência de si e até com a manifestação das competências de cada um. Mas não, a pessoa é uma resposta a um apelo; um apelo que vem constantemente dos outros e do mundo que nos rodeia. O que nos vertebrera como seres únicos é essa nossa capacidade única de responder a estes apelos ao longo de toda a vida, colocando-nos na posição de peregrinos: estamos sempre de partida, permanecemos toda a vida na ignorância acerca do nosso lugar.

Ou somos seres responsivos ou optamos, ainda que por omissão, por sermos seres vegetativos ou carneiros e ovelhas que se limitam a seguir o rebanho do ter, do salve-se quem puder, do egoísmo e do progressivo aniquilamento da vida. A verdade da nossa vida não a produzimos nós, nem nos pertence. Ela é construída nessa resposta à verdade do mundo e da realidade, de modo inesperado.

As múltiplas fantasias em que vivemos mergulhados, que nos trouxeram até esta crise, não são nada alheias a este conceito do que é ser pessoa. Idealizamos, fantasiamo-nos como heróis, génios, grandes referências construídas de dentro para fora, escondidos atrás de opiniões em cima de outras opiniões em cima de gráficos em cima de questionários em cima de notícias em cima de uma opacidade brutal que impede de ouvir e ver e sentir a realidade concreta que nos cerca e de nos ouvirmos a nós mesmos.

Não somos sobreviventes, somos criadores; o que nos olha e convoca (chama, interpela, questiona), na incerteza, é o que nos dá o nosso futuro, o futuro com o rosto humano e digno de cada uma e de cada um. E. Housset lembra que “a nossa esperança é estrangeira a toda a certeza e a toda a probabilidade”.

Este é um tempo de extraordinária beleza, porque um tempo que Deus nos abre uma extraordinária brecha para o seu Amor.

Joaquim Azevedo

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