A Epidemia da Solidão

Jorge Bernardino, Diocese de Coimbra

A solidão transformou-se numa pandemia à escala global, o que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declará-la em 15 de novembro passado, como uma “preocupação global de saúde pública” e a criar uma comissão internacional para a ligação social.

A pandemia de Covid-19 chamou a atenção do público em geral para o problema do isolamento social e da solidão, que afeta todos os países, comunidades e idades. Mas o problema já existia muito antes da pandemia e continua a afetar muitas pessoas em todo o mundo.

Atualmente, uma em cada quatro pessoas idosas sofre de isolamento social, embora seja provável que este número esteja subestimado. O isolamento social e a solidão afetam a saúde física e mental. Ainda de acordo com a OMS a solidão “está associada a um aumento de 50% de demência e de 30% de acidentes vasculares cerebrais e doenças cardiovasculares”. Existem também especialistas que mencionam que a solidão tem tanto impacto como fumar 14 cigarros por dia.

A ligação social tem benefícios profundos para melhorar a saúde, a educação e a economia. Como referiu o diretor-geral da autoridade mundial de saúde, Tedros Adhanom: “Em todo o mundo, existem muitas iniciativas para promover a ligação social em diferentes comunidades, mas ainda não sabemos quais as que funcionam melhor. Precisamos de uma liderança global para identificar as melhores opções e ajudar a disponibilizar os recursos necessários para implementar estas soluções.” Por isso anunciou o lançamento da Comissão da OMS para a Ligação Social, a primeira iniciativa global para combater a epidemia da solidão.

Apesar da população idosa ser a mais afetada pelo isolamento, a solidão também é sentida nas camadas mais jovens, pois conforme referiu o diretor-geral da OMS “um em cada seis adolescentes está socialmente isolado e solitário”. A solidão pode resultar numa série de doenças e reduz o tempo de vida. Existem muitos estudos a demonstrar que as pessoas que se sentem mais sós tendem, de um modo geral, a morrer mais cedo.

Em Portugal, nunca como hoje houve tantas pessoas a viverem sozinhas. O número de portugueses a viver sós aumentou 18,6% entre 2011 e 2021, representando agora quase um quarto (24,8%) do total de famílias. De acordo com os resultados definitivos do Censos 2021, que acabam de ser divulgados, 1.027.871 pessoas residem sozinhas, mais 161.044 do que em 2011.

Na Europa o caso o Reino Unido é um caso paradigmático com 8,34 milhões de pessoas a viverem sozinhas em 2022, o que representa 30% de todos os agregados familiares. Por isso, já em 2018, o Reino Unido criou o primeiro Ministério da Solidão do mundo. Aí, os médicos observaram que existia uma grande percentagem de pessoas que iam às suas consultas apenas para serem ouvidas, porque era uma forma de eliminar a solidão.

Ainda este ano o Papa Francisco chamou novamente a atenção para este mundo de abandono e de solidão onde há “muitos cristos abandonados invisíveis, escondidos, que são descartados de forma «elegante»: crianças impedidas de nascer, idosos deixados sozinhos – abandonados nos lares de terceira idade –, doentes não visitados, pessoas portadoras de deficiência ignoradas, jovens que sentem dentro um grande vazio sem que ninguém escute verdadeiramente o seu grito de dor. Os abandonados de hoje. Os cristos de hoje.”

Vivemos num mundo on-line, onde estamos cada vez mais ligados pelas redes sociais, mas isso parece estar a contribuir para aumentar o sentimento de solidão. O problema é que as amizades virtuais não incluem os aspetos de uma relação de amizade como o contacto face a face, o tom e o toque. Nas redes sociais não há feedback, não temos um rosto à nossa frente. O estudo “Solidão nas Redes Sociais”, realizado em Portugal, mostrou que os portugueses que passam muito tempo nas redes sociais se sentem mais sozinhos.

Estamos na era da conexão, mas que paradoxalmente, é também a era da solidão.

Neste Natal, deixo a sugestão de visitar aqueles que vivem sozinhos ou que se encontram isolados num lar ou numa cama de hospital. Desejo a todos um Feliz Natal !

Jorge Bernardino
Comissão Diocesana Justiça e Paz  

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