A cruz escondida

Cristãos no Iraque: Histórias de perseguição, medo e coragem

“Só tínhamos Deus”

Helda Khalid Hindi tem 10 anos. Ela não consegue esquecer, por mais anos que viva, essa noite trágica em 2014 quando o pai, aos gritos, mandou toda a família para dentro do carro pois era preciso partir imediatamente. Não houve tempo para nada. Helda nem conseguiu ir buscar ao quarto as suas bonecas favoritas. A região estava a ser atacada pelos jihadistas.

Foi no início de Agosto. Helga Hindi tinha 6 anos quando centenas de combatentes jihadistas atacaram a Planície de Nínive, no Iraque. “Parti a chorar, sem nenhuma esperança de que poderia voltar a casa alguma vez mais. Parti triste por deixar a minha escola, sem esperança de voltar a ver os meus amigos. Os dias foram passando sem que nos acostumássemos a este tormento, a esta tragédia.” Helda fala como se fosse muito mais crescida. Há uma maturidade nas suas palavras que se explica por tudo o que passou, por tudo o que sofreu. “Senti-me muitas vezes humilhada por ter de receber ajuda humanitária, nunca tinha imaginado que iria ser como um mendigo… Nunca. Só tínhamos Deus.” Todos os dias Helda rezava e pedia a Deus para poder voltar a casa… à sua casa, à sua escola, às brincadeiras com as suas amigas. Agora, graças à enorme campanha de reconstrução das aldeias cristãs na Planície de Ninive que a Fundação AIS está a promover, ela já conseguiu regressar. Parecia um sonho. Aconteceu. “Quando agora olho para o passado – diz Helda Hindi – posso garantir que Deus esteve sempre comigo. Deus está comigo onde quer que eu esteja e eu tenho sempre comigo uma pequena imagem de Jesus Cristo e uma Bíblia.” O padre Thabet Mansur, de 41 anos, viveu também este exílio. Ele foi mesmo o último a abandonar a vila de Karamlesh, perto de Mossul, como se quisesse confirmar que ninguém ficaria para trás, que nenhuma ovelha do seu rebanho iria cair nas mãos dos malfeitores. Thabet Mansur esteve no passado mês de Junho em Portugal para agradecer, de viva voz, que se fosse a ajuda da Fundação AIS, “teria sido impossível sobreviver”.

 

Exemplo de fé

Em Agosto de 2014, cerca de 120 mil cristãos foram forçados a fugir perante a ameaça jihadista. Fugiram, perderam tudo o que tinham e passaram a viver da generosidade de organizações como a Fundação AIS. Mas não perderam a fé. Durante estes anos de exílio, os cristãos iraquianos deram ao mundo um exemplo de fidelidade absolutamente notável. Nunca desistiram. Entretanto, os jihadistas foram expulsos das terras bíblicas e, aos poucos, a vida regressou ao normal. Em Dezembro de 2017 a Igreja de São Paulo, em Mossul, voltou a ficar apinhada de fiéis. Numa celebração emotiva, onde não faltaram lágrimas, voltou a escutar-se a oração do Pai Nosso como uma manifestação do triunfo do bem sobre o mal. A missa foi presidida por D. Louis Sako, que o Papa agora nomeou Cardeal, atestando, assim, o seu carinho pelo sofrido povo iraquiano. As paredes da igreja mostram ainda os dias de violência, o ódio que esteve à solta nas ruas, o desejo de se eliminar a presença cristã daquela região. No entanto, apesar das paredes queimadas, das imagens destruídas, dos buracos de balas, quando se escutou de novo o Pai Nosso naquela igreja, percebeu-se que o amor é sempre mais forte do que o ódio e o perdão é mesmo o “ADN” dos Cristãos. Camala, a sua filha Bushra, e os netos Mariam e Adel também fugiram, também choraram e também já conseguiram regressar a casa. Com a voz emocionada, Camala mostra que está disposta a perdoar tudo a até a esquecer o que sofreu nestes últimos anos. “Quando Jesus estava na Cruz, perdoou aos que O puseram lá. Se Cristo pode dizer aquilo na Cruz, porque é que eu não posso dizer o mesmo dos jihadistas, mesmo depois de tudo o que eles nos fizeram?” Camala já regressou a casa. Aos poucos, a vida retoma alguma normalidade na Planície de Nínive. O apoio da Fundação AIS continua a ser fundamental. Apesar do regresso, apesar das casas reconstruídas, falta ainda muito. Os Cristãos iraquianos sofreram uma provação tremenda durante todo este tempo mas nunca foram abandonados. “Obrigado AIS pelo vosso apoio”, diz-nos Camala. “Não há palavras que cheguem para expressar a nossa gratidão por tudo aquilo que já fizeram por nós.”

 

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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