Não é um editorial

João Aguiar Campos, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

1. Este texto nasce numa cama de hospital. Rodeiam-me paredes cor de branco sujo e cinzento, silêncios acolhedores e sinais que não enganam.

A própria escrita tem de ser cuidadosa, para que o iphone não se desequilibre e o movimento mexa com a agulha do soro.

Sou um homem de sorte: enquanto o seguro cumpria prazos, pude pagar a caução necessária para não adiar processos. Além disso, saber- me permanentemente nas mãos de Deus fez com que nem por um segundo perdesse a paz da entrega. As dores, no entanto, uma vez por outra lembram-me o trabalho médico – enquanto familiares e amigos vão repetindo uma proximidade que me aquece e  recompõe por dentro.

Quando Jesus nos diz que valemos “mais que muitos passarinhos”, achamos a frase poética; mas precisamos de nos dar conta da sua carinhosa verdade. Sempre e não apenas nas circunstâncias em que sentimos o que aqui se sente: que somos, de facto, implumes e caídos do ninho das nossas seguranças, pressas e competências. Mas é também ao mesmo tempo verdade que a consciência desta fragilidade nos devolve uma força enorme – pois nos leva a consentir que outra mão pegue na nossa, pedindo apenas que nos deixemos guiar.

2. Chegado a este ponto, pergunta-se  o leitor: mas que tem isto a ver com a Semana dos Seminários, a que esta edição do semanário Ecclesia é particularmente dedicado?

Tem, digo eu, porque faço deste momento um momento orante por todos os que procuram discernir as suas vidas; e porque é uma experiência palpável da misericórdia divina que poisa sobre as nossas limitações circunstânciais.

Aliás, vem-me agora à memória um Prefácio que fala do Senhor como bom samaritano que, ainda hoje, vem ao nosso encontro e ao encontro dos homens que sofrem no corpo ou no espírito, derramando o óleo da consolacão e o vinho da esperança. (Sim, citei de cor, mas penso ter sido fiel…)

É na consciência do nosso barro que melhor se percebe o  Seu amor total e gratuito. Numa cama de hospital, como no momento em que, de modos mal decifrados, chama e envia para a Sua vinha.

Sim; de modos mal decifrados. Ou será que alguém sabe o porquê do seu chamamento ou se atreve a pensar que possa ter nascido de algum mérito pessoal?

Um olhar, uma palavra, um exemplo. E, na busca cheia de dúvidas, começa um caminho que se aclara na oração.

3. Desculpem. Não escrevi um Editorial. Mas, que lhe querem? As paredes são de branco sujo e cinzento.

João Aguiar Campos

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