A chave do céu

João Aguiar Campos, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

Sou do tempo em que os pregadores, em sermões debitados do púlpito, recorriam a breves parábolas ou estórias para ilustrarem a doutrina. Na mesma época, os livros de devoções para o Mês de Maio, Mês do Coração de Jesus, Mês do Rosário ou Mês das Almas – tal como para uma qualquer novena – não prescindiam, no final de cada meditação diária, de apresentar um “Exemplo”.

Foi esse modo de ensinar que me abriu a noções eventualmente complicadas para a minha tenra idade; como por exemplo, a da santificação do trabalho e pelo trabalho, ilustrada no episódio da Religiosa que, em seu leito de morte, pediu à Comunidade que alguém lhe trouxesse a “chave do céu”.

Sem perceberem o sentido imediato daquela última vontade, todas as Irmãs se desdobraram em propostas: desde o seu objecto de mais visível devoção, até ao livro recomendado no último retiro. Nada, porém, parecia corresponder ao desejo, que se reafirmava, cada vez mais débil: “tragam-me a chave do céu”.

Foi uma noviça quem, num golpe inspirado, se lembrou que aquela religiosa toda a vida tinha exercido a discreta tarefa de costureira. Correu, então, à antiga sala do seu labor e de lá trouxe um carrinho de linhas e uma agulha. Perante o olhar de espanto das suas Irmãs, a agonizante ofereceu-lhe o mais sereno dos olhares. Sim, ali estava a sua chave do céu – porque, afinal, o trabalho (qualquer trabalho) feito com amor nos santifica!…

Importa (re) pensar esta dimensão. Porque, habituados a falar do suor do rosto como preço do pão de cada dia, muitos deixam-se desviar para uma visão do trabalho quase como castigo – em vez de o assumirem como cooperação dignificante no cuidado da criação e, consequentemente, abraçarem o valor divino deste caminho humano.

Realmente, apesar de desfigurado pelo pecado, não perdeu a bênção original que sobre ele poisou o Criador; de tal modo que, sendo embora um bem árduo, não deixou de ser um bem, uma necessidade vital e uma afirmação de liberdade: uma liberdade que cada um de nós defende quando resiste à obsessão produtiva avaramente procurada ou injustamente imposta; e que ora desumaniza o próprio, ora marginaliza os mais fracos e acaba por afundar no materialismo prático quem se julga vencedor… A lógica da produção e do lucro asfixia, seguramente, quem se lhe entrega.

No seu catecismo para adultos, os bispos italianos exprimem claramente a essência desta “riqueza desumana” que continuamente ganha adeptos: coloca as coisas no lugar de Deus, impede que se ajude o próximo, fixa a atenção nas vantagens imediatas e afasta o pensamento da vida futura. É, enfim, pobreza interior, enquanto a pobreza evangélica é riqueza interior (1123). Uma perspectiva claramente percebida pelo carpinteiro José, profissional competente, homem justo e pai cuidados.

 

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