João Aguiar Campos
Às portas de qualquer importante comemoração, dessas que sempre celebramos com discursos e condecorações, não é de todo incomum que os analistas antecipem o teor de algumas intervenções.
Ora vem aí o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Ausente durante os últimos dias, ignoro se a tradição se manteve; ou, pelo contrário, se as habituais pitonisas se abstiveram, desta vez, de adivinhar para quem vai falar o Presidente. Uma coisa sei, porém: os minutos imediatos à sessão solene de Elvas, esses serão todos eles mediaticamente preenchidos pelas vozes partidárias, avaliando palavras, requebros da voz ou meros silêncios e omissões.
Os jornalistas repetirão, para tanto e exaustivamente, a profunda questão: “que comentário lhe merece o discurso que ouviu?”… Horas mais tarde, no serão televisivo, o presidencial pronunciamento será analisado pelos especialistas da ordem, que se tornaram sábios no momento seguinte a terem fracassado em seu devido tempo.
Ou seja, creio que o próximo 10 de Junho nos assegura o costume dos calendarizados massacres em que vêm redundando as nossas festas nacionais; que de festa já só têm os arredores de algum bairro ou aldeia onde a boa vizinhança foge à programação política…
Podem julgar-me ácido e acusar-me desamor pátrio. O que acontece, no que me diz respeito, é que me venho sentindo expropriado de momentos que cheguei a considerar significativos, nas suas componentes de homenagem e projecção. E de tal modo que apenas o respeito pelo Poeta, por esta terra que amo e pelos irmãos que escrevem o nome de Portugal em cada canto do mundo me proibem o completo alheamento da efeméride. Bom, em boa verdade acrescento um outro motivo: o respeito pelos condecorados, cujos méritos bem dispensavam, contudo, a desconsideração de serem, no minuto seguinte, totalmente ignorados.
Portugal vive um momento de desertificação mental, a que corresponde – como em qualquer campo inculto – a multiplicação dos codeçais e silvados. As vagens de uns e as raízes de outros encontram tradução em decisões canhestras e propostas desviadas; umas assumidas com presunção ofensiva e outras com um ar que nenhum anjo seria capaz de apresentar.
Entendo, por isso, que faria sentido um 10 de Junho refrescado e refrescante. Nas fórmulas e nas intenções.E, claro, na direcção dos olhares – definitivamente desconcentrados de umbigos ideológicos, para se fixarem no exemplo de gente que, as mais das vezes sem ruído, cava com a mesma enxada o presente e o futuro.
Pode ser que o facto de as comemoraçoes deste ano se realizarem em Elvas -ou seja, pela segunda vez no interior o país – queira dizer alguma coisa, para além de coincidirem com os 500 anos da sua elevação a cidade e comemorar a classificação, pela Unesco, de Elvas Património Mundial.
Gostava tanto de ser ajudado a acreditar… Quero tanto acreditar!…