200 anos do Bom Jesus do Monte

A Confraria de Bom Jesus do Monte (Braga) vai assinalar durante o próximo mês de outubro (dias 20-22) a data da conclusão arquitetónica do Templo com a realização de um evento de caráter científico, a saber: um Congresso sobre o Barroco, o primeiro especialmente consagrado às realizações do barroco em Portugal e no Brasil, e reunindo estudiosos do fenómeno do barroco, brasileiros e portugueses.

Na verdade, o atual Templo que remata o monumental escadório, com as Capelas e Passos da Paixão, ficou concluído em setembro em1811, substituindo um antigo Templo Barroco que vinha do tempo de D. Rodrigo de Moura Teles (1704-1728) e que ocupava o patamar inferior ao que ocupa o atual (onde se encontra hoje um fontanário artístico). Continuariam depois as obras com o preenchimento dos interiores (das talhas e pinturas), e depois continuando também várias obras nos jardins exteriores que se prolongariam, por todo o Século XIX que, praticamente, lhe deram a feição geral com que hoje o conhecemos.

Podemos dizer que o conjunto arquitetó-nico passou por 4 ou 5 momentos principais: Uma primitiva capela ou ermida dedicada a Santa Cruz, que vem, do Século XIV e que com certeza deve a sua fundação ao Arcebispo D. Gonçalo Pereira (1326-1348) (sob invocação de Santa Cruz do Monte).

Este Arcebispo esteve na Batalha o Salado (1340) – uma das decisivas batalhas peninsulares – travadas contra a presença e domínio árabes e contra o Islão. O Arcebispo esteve aí, com Afonso IV, com as suas hostes e as de seu filho – D. Álvaro Gonçalves Pereira. O Primaz atribuiu essa notável e decisiva vitória à intervenção de S. Cruz de quem era devoto e que seu filho, Prior do Crato, levava em estandarte, conduzindo as hostes: Neste sinal da Vera Cruz… vencereis seus inimigos (Ruy de Pina, Chronica d´El-Rei Dom Affonso IV. Ed. Biblion Lisboa. 1936.168). O resultado foi a ereção de uma ermida comemorando o feito e assinalando essa devoção. A Ermida, desde aí, foi reunindo devoções e atraindo devotos, nesta primeira fase, essencialmente da Cidade de Braga.

Essa vestuta ermida seria substituída por uma outra de traça “moderna” – gótico final, ou manuelina ou renascentista – que como era já a moda do tempo – atendendo até à importância e ao enorme património económico da personalidade a quem se atribuem essas obras (pelos anos de 1493-98) – D. Jorge da Costa. Mais que restauro, ter-se a tratado de uma nova fundação em torno do mesmo devocio-nário – a Santa Cruz. Durante muito tempo, essa data, foi tomada como a data da fundação do Bom Jesus do Monte. Por cerca de 1525 essa construção já oferecia ruína. O Deão D. João da Guarda, ao tempo em que D. Diogo de Sousa “refundacionava” a cidade de Braga com vários edifícios ao estilo Manuelino ou da Renascença, reconstruiu ou, mais verosimilmente, edificou nova capela que alguns definem como “construção em grande”. Com peripécias varias, seria essa construção, a que alimentou as devoções e os interesses de alguns particulares até 1629 em que se criou a Irmandade ou Confraria de Bom Jesus do Monte, que desde aí, também com peripécias e acidentes vários, tem regido até à atualidade, os destinos devocionais e artísticos do Complexo do Bom Jesus do Monte. Surgia a partir daqui uma nova feição monumental a cujos traços gerais obedeceu a posterior intervenção de D. Rodrigo de Moura Teles, documentando os primeiros passos do maneirismo e do barroco nortenhos.

O complexo monumental, de feição barroca setecentista, com as capelas dos passos da Paixão que rematava esses complexo e que ocupava, como dissemos, o imediato patamar abaixo do atual templo, são obra de outro grande Arcebispo – D. Rodrigo de Moura Teles (1704-1728) a quem Braga, nesses aspetos, muito deve. Intervenções essas que aqui se materializam a partir de 1722.

Os tempos posteriores são de prosperidade devocional e monumental.

O Bom Jesus do Monte transforma-se no grande santuário de romagem não só de Entre Douro e Minho como do conjunto do Reino. Aí acorrem devotos de todas Províncias desde o Minho à linha do Tejo. E as famosas romarias são agora (não o foram antes?) um misto de devoção religiosa e de folguedo laico profano a que os tempos da festa (como foram essencialmente os do Século XVIII) a que a beleza do lugar, tanto convidavam paralelos a um profanismo e laicismo que foi acompanhando o bem-estar geral que se sentiu por quase todo este Século XVIII, (tenham dito ou continuem dizendo, outros, o contrário) e que tiveram nas grandes Romarias e centros de romagem a expressão mais completa e por vezes mais heterodoxa, em termos de religião.

As acomodações tornaram-se exíguas e, por sua vez, a Capela ou Santuário que rematava o escadório começou a ameaçar ruína.

Eram chegados os tempos das últimas grandes intervenções artísticas e arquitetónicas que deram ao Santuário a feição que hoje conhecemos. Correu paralelas com outra época de esplendor arquitetónico que a cidade de Braga conheceu, com o último Arcebispo régio – D. Gaspar e Bragança (1758-1789). Coincidia também com o apogeu económico do próprio Santuário ou Confraria. Vários artistas de renome trabalharam então para este Santuário: engenheiros, arquitetos como carpinteiros e imaginários e pintores, como Mestres pedreiros.

Ameaçando ruína a capela Setecentista do tempo de D. Rodrigo, exíguos os espaços de culto e acomodações, encomendou-se um novo Templo. Seria construído no patamar superior ao que ocupava o anterior do tempo de Moura Teles. Foi o Arquiteto Carlos Amarante, que já na cidade exercia importantes cargos em obras e por incumbência do Arcebispo e da edilidade e que na mesma deixaria outras obras notáveis. Começaram as obras em 1784 tendo-se concluído em setembro de 1811.

É este acontecimento que serve de pretexto para a realização do referido Congresso mas também de efeméride comemorativa dos 200 anos da conclusão arquitetónica do atual Templo.

Embora vários exemplares da obra deste arquiteto estejam muito ligados ainda ao barroco terminal, podemos dizer que, com o Novo Templo do Bom Jesus do Monte, na traça arquitetónica, como na decoração dos interiores (que quase na totalidade se lhe devem também), se remata em Braga, e em geral, Ciclo do Barroco abrindo-se decisivamente o caminho ao Neo-clacissismo, estabelecendo, em simultâneo, um corte e um remate da formulária barroca que continuou (e continua) presente no Escadório nas Fontes e nas Capelas dos Passos e outras que, entretanto, compuseram todo o conjunto.

Aurélio de Oliveira, Faculdade de Letras do Porto, presidente da Comissão Científica do Congresso

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