Lídia Jorge reconhece que encontro com o Papa «excedeu largamente» as suas expectativas

Escritora algarvia aplaude mensagem de convergência de Bento XVI

A escritora Lídia Jorge, que participou no encontro de Bento XVI com o mundo da cultura, a 12 de Maio, em Lisboa, considera que a iniciativa foi um momento “invulgar” e “importante para o nosso país”.

Em entrevista ao jornal “Folha do Domingo”, a autora afirma que a sessão “foi um momento de credibilização da Igreja como parceiro na cultura e no domínio intelectual” e reconhece que o Papa “excedeu largamente” as suas expectativas.

“Apercebi-me de que estava perante uma figura de uma dimensão intelectual invulgar, pela forma como o texto que leu chamava à convergência todos aqueles que se preocupam e trabalham no domínio, não dos bens materiais, mas da espiritualidade. Fui ficando muito entusiasmada e posso dizer que me tocou e que ainda hoje me toca”, refere Lídia Jorge.

“Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas um lugar de beleza” foi, para a escritora algarvia, um dos apelos mais interpeladores do discurso, por convocar todos os artistas à “busca do conhecimento”, independentemente da suas convicções religiosas.

“O problema da nossa Igreja – defende a escritora – é considerar que todos aqueles que não estão dentro dela estão desvalorizados, sendo portanto suspeitos. O que Bento XVI veio dizer é que ninguém é suspeito”.

Para Lídia Jorge, “urge desmascarar o preconceito de que somos 80 e tal por cento de cristãos, pois a prática não revela isso, existindo uma espécie de descompasso entre a realidade autêntica e a teoria que é o retrato oficial do país”.  

Segundo a escritora, “a Igreja aparece como um poder de controlo”, enquanto que a “cultura, pela sua natureza, não quer controlo. É uma situação muito delicada”.

A ponte entre as duas instâncias “deve ser feita como Bento XVI a fez”, ou seja, através de “um convite lateral de convergência no domínio da verdade e da beleza”, embora não “valha a pena fazer encomendas aos escritores ou aos artistas para criarem expressamente para a Igreja”.

Lídia Jorge considera ainda que “a Igreja não pode continuar a ter, sobretudo na dimensão do culto, práticas tão incipientes de arte” e que “não é possível continuar, no domínio do canto, da música ou da representação, a ficar tão aquém das potencialidades artísticas contemporâneas”.

Falando sobre a sua relação pessoal com o transcendente, a escritora diz que é preciso valorizar a “ideia de Deus enquanto interrogação”: “Uma das coisas que me tocou muito foi perceber que a Madre Teresa de Calcutá, em determinado momento, teve dúvidas”.

A cultura, declara a autora, faz sempre “pressentir que há uma dimensão que pode chamar-se transcendental, mágica ou de inquietação espiritual”.

“Acho que se alguma coisa pode valorizar os homens e as mulheres, e todos aqueles que tenham um papel na vida cultural, é não ter medo de se falar dessa dimensão misteriosa. Aceitar ao menos que existe um mistério faz com que a nossa conduta tenha de ser, no mínimo, fraterna”, diz Lídia Jorge.

A autora considera que é “difícil acreditar” em Deus e que a ciência “parece que caminha rapidamente para a desmontagem da Criação”.

“Pessoalmente gostava que nunca se abrisse essa caixa de Pandora, a ponto de dizemos: não temos mais nenhuma outra explicação senão uma equação matemática. Nessa altura os homens serão absolutamente tristes, porque nós queremos acreditar, constitutivamente, que Deus existe”, afirma Lídia Jorge.

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Agência ECCLESIA

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