Sínodo 2024: «Montanha pariu um rato? Não posso concordar» – cardeal Mario Grech (c/vídeo)

Secretário-geral e participantes na Assembleia assinalam propostas para implementar mudanças nas várias dioceses e comunidades, «de todos, por todos»

Octávio Carmo, enviado da Agência ECCLESIA ao Vaticano

Roma, 28 out 2024 (Ecclesia) – O secretário-geral do Sínodo dos Bispos disse hoje à Agência ECCLESIA que as críticas ao documento final da Assembleia que se concluiu este domingo, no Vaticano, mostram uma perceção errada do processo lançado pelo Papa.

“Quem diz isso [a montanha pariu um rato], mostra que ou não leu o documento ou ainda não percebeu o que está no documento”, referiu o cardeal Mario Grech, destacando vários pontos do capítulo 4 do texto conclusivo, ligados a “temas da maior importância”.

Para o colaborador do Papa, mudanças em áreas como a “transparência” ou a “corresponsabilidade”, nas instituições e comunidades católicas, “precisam de tempo para se poderem declinar” e serem “implementadas por toda a gente”.

O número 103 do documento final sublinha que “os organismos de participação são uma das áreas mais promissoras de atuação para uma rápida implementação das orientações sinodais, conduzindo rapidamente a mudanças percetíveis”.

“Portanto, não posso concordar quando dizem que a montanha pariu [um rato]… pelo menos na minha opinião”, insistiu o cardeal Grech.

A XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, cuja segunda sessão decorreu entre 2 e 27 de outubro, com o tema ‘Por uma Igreja sinodal: participação, comunhão, missão’, começou com a auscultação de milhões de pessoas, pelas comunidades católicas, em 2021; a primeira sessão decorreu em outubro de 2023.

Francisco promulgou documento final, enviando-o às comunidades católicas, sem publicação de exortação pós-sinodal – algo que acontece pela primeira vez, mas que corresponde à possibilidade prevista na  constituição apostólica ‘Episcopalis communio’ (2018), do atual Papa, sobre o Sínodo dos Bispos.

O cardeal Mario Grech recordou que o Papa disse aos participantes, no discurso que encerrou a última reunião geral, no sábado, que “quer continuar o discernimento sobre certos temas” com a ajuda do Secretariado-Geral do Sínodo, juntamente com os dicastérios da Cúria, para “traduzir em opções pastorais aquilo que a Assembleia lhe entregou”.

O secretário-geral do Sínodo dos Bispos cita, em particular, o ponto 26 do documento final, no qual se fala numa “corresponsabilidade diferenciada de todos pela missão”.

“Todos os batizados na Igreja Católica têm este chamamento, este dever e este direito de participar na missão da Igreja, precisamente para poderem anunciar o Evangelho ao mundo de hoje”, precisou.

O responsável falava à margem dos trabalhos do no congresso internacional que reúne teólogos e canonistas, na Universidade Pontifícia Gregoriana, sobre o tema ‘Do Concílio ao Sínodo. Releitura de um percurso eclesial, 60 anos depois da Lumen Gentium (1964-2024).

Um dos conferencistas do dia foi D. Roberto Repole, arcebispo de Turim e membro da Assembleia Sinodal, para quem o documento final é “o ponto de chegada de todo um percurso que foi feito ao longo destes anos, mas ao mesmo tempo é um ponto de partida”.

“Este documento e todo o processo é entregue às Igrejas locais para que, de alguma forma, se possam repensar num estilo o mais sinodal possível”, referiu.

Há muitas observações no documento, por exemplo, sobre os organismos de participação, sobre as possibilidades que podem ser dadas dentro de uma mesma Igreja, dentro das comunidades, para viver um estilo mais sinodal. E certamente, então, esta não é uma fase passiva, mas será uma fase igualmente ativa para todas as Igrejas”.

A constituição apostólica ‘Episcopalis communio’ determina que os responsáveis pelas várias dioceses “da receção e aplicação das conclusões da Assembleia do Sínodo” e as Conferências Episcopais “coordenam a aplicação das citadas conclusões no seu território e, para tal fim, podem predispor iniciativas comuns”.

A Secretaria-Geral do Sínodo pode servir-se duma “comissão para a implementação, formada por especialistas”.

Na sua conferência, D. Roberto Repole, um dos delegados da Conferência Episcopal Italiana na Assembleia Sinodal, falou da necessidade de evitar “um modo secularizado” de entender o direito na Igreja e advertiu para uma “possível lógica reivindicativa”.

Penso que será necessário compreender que, de alguma forma, é o Espírito que está a falar às nossas Igrejas, e fazê-lo neste estilo verdadeiramente espiritual, no sentido mais belo do termo”, defendeu, em declarações à Agência ECCLESIA.

O futuro cardeal pediu uma “participação e uma responsabilidade diferenciadas de todos os cristãos que querem ler o que o Espírito está a dizer, como anunciar o Evangelho em cada uma das Igrejas”.

O Sínodo dos Bispos, instituído por São Paulo VI em 1965, pode ser definido, em termos gerais, como uma assembleia de representantes dos episcopados católicos de todo o mundo, a que se juntam peritos e outros convidados, com a tarefa ajudar o Papa no governo da Igreja.

OC

A conferência de três dias sobre o tema ‘Do Concílio ao Sínodo. Releitura de um percurso eclesial, 60 anos depois da Lumen Gentium (1964-2024) é organizada em colaboração pela Secretaria-Geral do Sínodo e pelo ‘Collegium Maximum’ da Universidade Gregoriana, apresentando-se como “o primeiro ato de reflexão teológica após o encerramento da segunda sessão da Assembleia Sinodal”.

Os trabalhos foram inaugurados pelo padre Dario Vitali, docente da Gregoriana, que foi o coordenador dos peritos teólogos na Assembleia Sinodal.

“Penso que o exercício contínuo, a experiência mais aprofundada da sinodalidade nos tornará capazes de pensar num modo de participação verdadeiramente partilhado e não à espera uma decisão vinda de cima, que pode ser facilmente dada, mas que deve, pelo contrário, tornar cada um responsável por cada um, amadurecer neste modo de corresponsabilidade diferenciada”, disse à Agência ECCLESIA.

“Não queremos eliminar papéis, funções, responsabilidades, mas estes devem ser vividos a partir desta condição de igualdade de todos, que torna cada um verdadeiramente protagonista na vida do povo de Deus”, acrescentou.

Para o teólogo italiano, “um dos processos mais difíceis de realizar em qualquer sociedade, também na Igreja, é uma mudança de mentalidade”.

“Depois de séculos e séculos, basicamente todo o segundo milénio, a viver dentro de um modelo hierárquico de Igreja, passar para a ideia de um caminho em conjunto onde a igualdade diferenciada, poderíamos dizer a forma de reconhecimento de que todos somos filhos de Deus e que todos desempenhamos o nosso papel de forma significativa, é um dos passos mais difíceis de dar”, apontou o entrevistado.

O padre Dario Vitali evocou ainda o impacto de uma “sociedade individualista”, marcada pela pressa, em contraste com a proposta sinodal de “um povo de Deus que caminha junto, onde cada um desempenha o seu papel e onde existe esta corresponsabilidade de todos por todos”.

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Agência ECCLESIA

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