Precisamos de bons jornalistas, mas também de bons telespectadores, ouvintes e leitores

Isabel Figueiredo, diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

Isabel Figueiredo, diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

Ainda dava aulas de História e já dava como trabalho de casa aos meus alunos, a obrigatoriedade de ouvir um noticiário ou de ler um jornal. Porque sempre considerei que a comunicação social tem um papel único na construção de uma sociedade, permitindo abrir renovados caminhos de verdade, de liberdade e de justiça.

É verdade que todas as sociedades se constroem com muitos outros elementos e tantas outras condicionantes. É verdade que a educação, o exercício da magistratura, as opções da economia ou a cultura são elementos decisivos para o exercício da verdade, da liberdade e da justiça. Mas todos eles podem ser anunciados ou ignorados, protegidos ou atacados, pela comunicação social que continua a conseguir amplificar ou silenciar muito do que se passa à nossa volta.

Recuando no tempo, muitos de nós podemos trazer à memória o papel da comunicação social que temos e fazemos: um banqueiro, acusado de inúmeros crimes é levado a tribunal. Um facto que envergonha, porque a condição de quem vive da gestão do dinheiro dos outros, não se deve compadecer de faltas de seriedade ou de caracter. Mas aquilo a que assistimos, também pode e deve envergonhar-nos. Um homem de idade, mais ou menos doente, com dificuldade no andar, foi “abalroado” por inúmeras câmaras de televisão, jornalistas e repórteres de microfone estendido à espera de uma palavra, um olhar, um gesto. Algo que pudesse revelar um qualquer sentimento. Os comentários não tardaram, «gestão vergonhosa da defesa» ou então, «uma coisa são as televisões, outra é o jornalismo.  Não me quero pronunciar sobre estratégias de defesa assentes na piedade do sofrimento, nem quero qualificar níveis de bom ou mau jornalismo. Só sei o que vi e, perdoem-me a crueza das palavras, aquela muralha de camaras e microfones, só me lembrou o ataque de uma matilha à volta de uma vítima, bloqueando-lhe qualquer saída. À noite, já não se viam as imagens mais abertas e pareceu-me que a solução dos primeiros planos, foi uma boa opção para não permitir que se fizessem outras leituras sobre a cobertura mediática daquele momento.

Dias depois, o acontecimento foi a violência num bairro da periferia da grande Lisboa. E as imagens de um autocarro queimado tiveram direito a repetições sucessivas na comunicação social. É a atualidade, é a verdade dos nossos bairros sociais, a qualidade da nossa polícia, as opções do governo… e poderíamos continuar a lista, dura e difícil de aceitar, porque ninguém quer viver num país de terceiro mundo, muito menos aceitar que chegámos a este estado, neste país tranquilo, nesta cidade que recebe títulos de excelência, enquanto capital europeia

Aprendemos que a vida é feita de escolhas, de opções que vão sendo feitas à medida que os anos passam e as circunstâncias se alteram. Assim é com a comunicação social, com a grande diferença de que as opções e as escolhas são maioritariamente diárias. E se a responsabilidade destas escolhas cai naturalmente nas chefias de redações, que por sua vez, respondem a critérios ditados por estratégias de posicionamento, sobrevivência económica e lucro, não podemos nem devemos esquecer que, do outro lado da moeda, estão todos aqueles que consomem a comunicação social que lhes é oferecida.

Precisamos de bons jornalistas, bons repórteres, bons profissionais em todas as áreas da comunicação social, é verdade. Mas também precisamos de bons telespectadores, ouvintes e leitores. Gente com a capacidade critica que sabe elogiar e criticar, que espera qualidade e verdade no jornalismo que consome, gente que exige e recusa. Precisamos de pais que percebam o que os filhos veem, que troquem ideias e acertem critérios. Precisamos de professores que se dediquem aos seus alunos e de alunos que respeitem os seus professores, na certeza de que a escola determina o futuro da imensa maioria de uma nova geração.

Nunca se teve tanto acesso à informação e nunca se teve tão pouco tempo para refletir, validar, escutar as razões do outro, ter um pensamento critico que nos estruture enquanto indivíduos e sociedade. Podemos sempre aceitar a inevitabilidade do presente. Mas somos chamados a mais.

Isabel Figueiredo

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