Bispo de Lamego celebra 50 anos de sacerdócio

No dia 15 de Agosto, completam-se 50 anos sobre a ordenação sacerdotal do Bispo de Lamego, D. Jacinto Botelho. Nascido a 11 de Setembro de 1935, na localidade de Prados de Cima (Moimenta da Beira), o prelado desfia as suas memórias em entrevista à Agência ECCLESIA. Agência ECCLESIA (AE) – No ano em que celebra as suas bodas de ouro sacerdotais recebe a chave de ouro do município de Moimenta da Beira. Os seus conterrâneos ainda se recordam da criança que viram nascer? D. Jacinto Botelho (JB) – Os meus contemporâneos recordam-se perfeitamente do meu tempo de criança, jovem e adolescente. Lembram-se do tempo que frequentei o seminário. Habituaram-se a ver-me crescer, mas dentro de uma normalidade própria de qualquer outro cidadão. AE – Como era o jovem Jacinto quando andava na escola? JB – A minha mãe era professora, mas nunca me deu aulas. Na altura existiam as escolas masculina e a feminina. Como era filho de uma professora existia algum respeito, mas sempre com proximidade. AE – E as brincadeiras da época? JB – Gostava muito de brincar com os meus irmãos. Não faltavam brincadeiras que pudéssemos realizar. AE – Foi aí que nasceu a sua vocação? JB – Nasceu na altura da Escola Primária. Chamo-me Jacinto porque nasci no dia de S. Jacinto e porque o pároco da minha freguesia se chamava Jacinto. Um padre que marcou as pessoas da altura. Recordo-me que ele próprio se ofereceu para meu padrinho de Baptismo. A relação com o pároco e outros sacerdotes que passavam lá por casa ajudou na minha descoberta vocacional. Eram outros tempos… AE – Recorda-se bem desse tempo? JB – Perfeitamente. Passaram, na minha casa, muitos sacerdotes que tiveram um papel muito significativo na minha vocação. AE – Entrou em que seminário? JB – Fui com dez anos para o Seminário de Resende e, posteriormente, para o Seminário Maior de Lamego. AE – Neste percurso vocacional nunca teve indecisões? JB – Durante a minha vida tive momentos em que a vontade de avançar para adiante eram mais fortes. Noutras, sentia que a vontade não era assim tão manifesta. Tive momentos de indecisão, mas felizmente tudo isso foi vencido e superado. Estes passos fazem parte de um discernimento que necessitamos de fazer. AE – Qual foi o seu mestre espiritual? JB – No Seminário Menor de Resende foi um sacerdote muito piedoso. No Seminário de Lamego foi um sacerdote que, depois, foi bispo de Leiria-Fátima, D. Alberto Cosme. Na altura era director espiritual do Seminário Maior de Lamego. AE – O que bebeu concretamente desses mestres? JB – Muita sabedoria e uma profunda espiritualidade. AE – Não esquecendo que eram tempos difíceis. Vivíamos em ditadura e a Europa estava em pedaços com o pós II Guerra Mundial. JB – É verdade. Entrei no Seminário em 1946 e fui ordenado doze anos depois. Foram tempos difíceis mesmo do ponto de vista material. AE – Fome? JB – Fome, propriamente, não digo, mas foi o tempo do racionamento. As pessoas compravam géneros alimentícios através de senhas. Depois fazia-se a distribuição às pessoas mediante aquela senha. Tempos difíceis… AE – Andava descalço? JB – Não andava, mas muitos companheiros meus andavam descalços. AE – Estes tempos deixaram-lhe marcas? JB – Cresci naquele ambiente. Em minha casa assinava-se o jornal «Novidades». A Rádio não era tão divulgada como hoje, no entanto habituei-me a ouvir as notícias: o avanço dos Aliados (II Guerra Mundial). Estes já estão a tantos quilómetros de Berlim… Acontecimentos que me marcaram. Não vivíamos em clima de guerra, mas com uma certa preocupação. AE – Os seus pais eram assinantes do jornal «Novidades». Uma forma de evangelizar através da Comunicação Social? JB – Apesar de chegar com algum atraso, foi um instrumento muito útil de evangelização familiar. Era lido e apreciado. Aquilo que o jornal dizia – era, de certo modo, a voz das pessoas ligadas à Igreja – era absorvido. Serviu para formar os meus pais, a mim e aos meus irmãos. AE – Sem esquecer que na altura existia a censura. JB – Eu não colocava esse problema. AE – Sendo da região do Douro, não ajudavam nos trabalhos agrícolas? JB – Às vezes acompanhava o meu pai nas idas aos campos para contactar com os nossos assalariados. Gostava de ver os trabalhos agrícolas. Era um tempo de aprendizagem. Sacerdote AE – Passado esse tempo da juventude, foi ordenado sacerdote para a diocese de Lamego. JB – Fui ordenado no ano em que morreu o Papa Pio XII (1958). De seguida fui estudar para Roma – na Universidade Gregoriana – para preparar-me em História Eclesiástica. Recordo, perfeitamente, da eleição do Papa João XXIII. Começou a ter novas formas de contacto com as pessoas e muito próximo da gente de Roma. Uma vez foi à universidade onde eu estava como aluno e mostrou muita proximidade. AE – E anunciou, no início do seu pontificado, o II Concílio do Vaticano. JB – O anúncio aparece logo após a realização do Sínodo de Roma que deixou muita exigência em várias áreas da Igreja. Na altura do Concílio, eu já não estava em Roma, já tinha acabado os estudos. AE – Passados quarenta anos deste grande acontecimento eclesial, não estamos ainda atrasados na sua aplicação? JB – Em muitas coisas estamos. Até mesmo na consciência de sermos membros da Igreja. Na consciência de um laicado responsável e coerente. Temos de continuar a lutar, não para um novo concílio, mas para que este se consiga implantar em todos os meios. AE – Nota-se que sente nostalgia de João XXIII. JB – Era uma Papa muito simpático e muito próximo. Assisti à sua eleição e estava na Praça de S. Pedro quando apareceu fumo branco. Contemplei com os meus olhos esta realidade. Vibrei com aquele acontecimento. AE – Depois da sua formação em História Eclesiástica voltou para a diocese que o viu nascer. JB – Vim para o Seminário. Fazia parte da equipa formadora como reitor e bastante mais tarde assumi a responsabilidade do Seminário. Depois fui Vigário Episcopal para os Leigos, Vigário Geral-Adjunto e Vigário Geral. Também fui pároco. AE – A questão dos leigos e da família sempre foi uma preocupação da sua parte? JB – Sempre foi uma preocupação que tive. João Paulo II dizia que uma autêntica pastoral da Igreja tem de ser uma pastoral familiar. AE – Apesar da formação em História nunca exerceu a actividade docente? JB – Fui professor de história eclesiástica no seminário. Nos estudos escolhi a parte moderna da história. AE – Nunca se dedicou à investigação? JB – Em Roma, sim. Em Portugal, não. AE – Perdeu-se um padre professor e ganhou-se um padre pastor. JB – É a realidade da vida. Bispo AE – Até que foi nomeado para bispo-auxiliar de Braga. Recorda-se desse momento? JB – Perfeitamente. Era bispo desta diocese, D. Américo Couto de Oliveira. Um dia, estava a dar uma aula no Seminário e recebo uma notícia a pedir-me para ir falar com certa urgência com D. Américo. Após a aula, passei pelo Paço Episcopal e D. Américo disse-me que a Nunciatura precisava de saber, até amanhã de manhã, a minha resposta porque o Papa tinha-me nomeado para bispo-auxiliar de Braga. Fiquei muito ansioso… AE – E refugiou-se em oração? JB – Passei por um convento dominicano de clausura e pedi-lhes: há uma intenção de responsabilidade que recomendava à oração das irmãs. AE – E nasceu o sol do dia seguinte… JB – Recordo-me que quando cheguei ao Paço Episcopal, D. Américo já tinha recebido um telefonema da Nunciatura a perguntar pela resposta. Dei o meu sim com serenidade. Fui ordenado a 20 de Janeiro de 1996, festa do nosso padroeiro, S. Sebastião. AE – E partiu para Braga. JB – Estive lá quatro anos. Foi uma experiência muito rica. AE – A escola episcopal? JB – Todos foram excelentes professores. Trabalhávamos em equipa. AE – Depois voltou às suas raízes? JB – É verdade. Sinto-me acarinhado por estas gentes. AE – Mas existem dificuldades pastorais? JB – É uma zona marcada pela interioridade e pela emigração. Este processo migratório voltou novamente. As pessoas válidas, do ponto de vista físico e intelectual, procuram noutros lugares o meio para singrar na vida. Há um envelhecimento cada vez mais acentuado. AE – Perante este cenário, conclui-se que a Igreja de Lamego evangeliza, essencialmente, a terceira idade. JB – É verdade. É uma pastoral de terceira vida. AE – O que fazer para estancar estes fluxos migratórios? JB – São necessários investimentos, mas também não podemos esquecer que esta região é essencialmente rural. AE – E o turismo duriense? JB – A riqueza turística é impar. É um rio que serpenteia os montes. Temos também um rico património artístico. AE – Não esquecendo os mosteiros abandonados? JB – Há uma vontade para recuperar estes mosteiros. Não para voltarem a serem mosteiros, mas para instâncias turísticas. AE – A desertificação humana preocupa-o, mas disse, recentemente, que gostava que os seus leigos dessem a cara. Eles não dão a cara por estes problemas? JB – Muitos não podem dar a cara porque têm uma certa idade. É fundamental políticas de valorização desta zona. AE – O D. Jacinto Botelho é um bispo de gabinete ou de andar na rua? JB – A vida de um bispo é estar em contacto com as comunidades. Gosto de estar próximo das pessoas. AE – Nas celebrações dos seus 50 anos de sacerdócio recebeu do município de Moimenta da Beira a «chave de ouro». Ouro sacerdotal com chave de ouro? JB – O ouro é o símbolo da fidelidade. Oxalá termine com a chave de fidelidade.

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