Sementes do Cristianismo na China

Um olhar para além do cenário que o Governo chinês quer apresentar, em ano de Jogos Olímpicos A realização dos Jogos Olímpicos na China desafiam-nos a fixar o olhar para além do cenário que o Governo chinês nos quer apresentar. Estamos perante um grande país com uma economia emergente e em expansão; mas também na presença de um dos maiores poluidores do mundo, com enormes assimetrias sociais e económicas, onde imperam grandes injustiças laborais e sociais, com um imenso deficit de liberdade de expressão e de religião. A escolha da data do início dos Jogos para 08-08-08 manifesta a presença, ao mais alto nível, da crença supersticiosa em datas que dão sorte. Neste artigo atrevo-me a escrever sobre o cristianismo na China a partir de leituras e conversas pessoais com alguns sacerdotes chineses. Tenho em S. José Freinademetz (1852-1908) um missionário que me inspira amor e “fraternura” com o povo chinês. Os missionários, que desde o séc. VII tentaram introduzir o cristianismo na China, aperceberam-se da dificuldade em penetrar nesta cultura sem o consentimento do Imperador. Foi por aí que começaram os nestorianos da Síria no séc. VII, os franciscanos no séc. XIII e os jesuítas no séc. XVI. Partindo do Imperador, os missionários conseguiram rapidamente muitos adeptos, no entanto, com a queda da dinastia protectora ou a mudança na orientação do Imperador, o cristianismo foi perseguido e proibido. Estas comunidades foram sucumbindo, pois a semente do Evangelho não tinha lançado raízes profundas. No séc. XIX várias congregações missionárias fizeram nova tentativa, então sob a protecção das potências europeias em grande expansão colonial. O governo chinês era frágil e foi sendo submetido a uma condição semi-colonial. Com o Tratado de Tientsin em 1858, a França assegurou o protectorado de todos os missionários na China. Em 1897, os alemães aproveitaram o assassínio de dois padres do Verbo Divino como pretexto para forçarem a sua fixação na região de Qingdao. Seguiu-se um levantamento popular contra os estrangeiros, os missionários e os chineses cristãos, na guerra dos “Boxers” (1897-1900). Muitos missionários e cristãos chineses testemunharam o martírio por Cristo. Talvez por isso, a seguir à pacificação, surgiu nesta região um grande movimento de adesão ao cristianismo. Este movimento ascendente foi-se mantendo até à revolução comunista, em 1949. Em 1950, foram expulsos da China quase todos os missionários estrangeiros. Em 1951, o Vaticano cortou relações com a China e em 1952 reconheceu Taiwan. Foi proibida a ordenação de sacerdotes e fecharam-se todos os seminários entre 1956 e 1986. Em 1957, o Governo criou a Associação Patriótica dos Católicos Chineses para “dar apoio ao sistema socialista” e ensinar os fiéis a “amar a pátria e a corresponder às suas obrigações de cidadãos chineses”. O poder chinês procurou assim controlar a religião e formar uma igreja nacional, sem relação com o Papa e a Igreja Universal. Toda esta situação adversa vaticinava o desaparecimento do cristianismo na China como nos períodos anteriores, mas o resultado foi outro. A Igreja continua viva na China. É uma minoria com uma grande vitalidade eclesial, vocacional e missionária. As perseguições geraram mártires e o testemunho de fidelidade em prisões. A tentativa do Estado controlar o cristianismo originou uma Igreja clandestina em comunhão com o Papa. A falta de liberdade religiosa fez despertar formas criativas de evangelização, formação e celebração da fé. Foi a aposta na formação do clero nativo, na caridade social e na formação dos leigos que sustentou a e fez crescer a Igreja neste período. As universidades e os colégios foram fechados, mas ficou o povo simples, em especial da Legião de Maria, a sustentar a fé. O Papa Bento XVI publicou uma carta à “Igreja que está na China”, a 27 de Maio de 2007. Nela manifesta o zelo pastoral como seu Pastor e afirma que na China há só uma Igreja de Cristo. A carta enfrenta o problema da unidade e da comunhão da Igreja, em especial o problema da nomeação dos bispos. Apresenta orientações pastorais e convida a Igreja a ser mais missionária. Determina uma jornada anual de oração pela Igreja na China no dia 24 de Maio, dia de N. Sra de Shesham. Com este dia de oração procura intensificar a comunhão espiritual da Igreja Universal com a Igreja de Cristo que está na China. Há sinais de esperança que nos levam a acreditar que finalmente a semente do Evangelho lançou raízes na China: o acolhimento que a carta do Papa teve na Igreja chinesa, a dinamização do Ano Paulino em algumas dioceses, o esforço de alguns jovens chineses em participar nas Jornadas Mundiais da Juventude em Sidney para manifestar a sua comunhão com o Papa, o empenho em manter o diálogo, nem sempre fácil, entre o Governo Chinês e o Vaticano, as vocações religiosas e sacerdotais… Concluindo, os principais desafios da Igreja na China não estão nos Jogos Olímpicos. Este é um acontecimento passageiro. O fundamental é perceber como responder à procura de Deus e do transcendente manifestado por muitos jovens que tentam uma resposta na internet ou nas seitas. Rezemos para que Deus ajude a Igreja de Cristo na China a ser cada vez mais inculturada sem deixar de ser Católica (universal) e a não deixar acorrentar o Evangelho pelo medo ou pela falta de esperança. José Augusto Duarte Leitão, Missionário do Verbo Divino

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Agência ECCLESIA

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