Entrevista: «Nos três meses de verão fiz 43 viagens de avião» – Bispo dos Açores (c/ vídeo)

D. Armando Esteves Domingues fala dos projetos para uma diocese que vai assinalar 500 anos em 2034, onde quer «construir a unidade» apesar da descontinuidade geográfica, alerta para a clericalização, também dos leigos, afirma que a sinodade é «um estilo imparável» e acredita na participação dos jovens

Entrevista conduzida por Paulo Rocha, da Agência Ecclesia, e João Gomes, da Agência Lusa

Como é que é ser bispo de uma diocese com nove ilhas, todas elas diferentes, todas com características muito próprias. Procura ser um bispo para “todos, todos, todos”, como aponta no Itinerário Pastoral para o próximo triénio?

É uma boa pergunta, sobretudo quando pretendemos criar uma relação com as pessoas. A minha preocupação como pastor, como bispo da diocese, tão espalhada, não deixa de parte os leigos. Eu gosto de conhecer pessoas, de tentar fixar nomes.

Nove ilhas é sempre uma aventura: domingo passado fiquei 10 horas num aeroporto e perdi os compromissos que tinha durante a tarde, nomeadamente a apresentação do nosso Itinerário Pastoral. Mas isto é, efetivamente, os Açores.

Portanto, nove ilhas, fazer delas uma família é o meu objetivo, mas também um grande desafio e que, de vez em quando, nos sai caro.

Por causa da descontinuidade territorial que tem a diocese, de que forma é que é possível fazer essa família, acompanhar as várias comunidades?

Eu tento fazê-lo…

O primeiro meio ano foi para mim fantástico. Corri as ilhas todas com a desculpa de encontrar os jovens, em preparação para a Jornada Mundial da Juventude, e crismar os que não estavam crismados nos últimos dois anos (com a sede vacante, ficaram muitos por crismar). Isto foi a desculpa para conhecer cada canto, os jovens, os crismas, as famílias, ver onde é que estão os párocos, falar com eles, ouvir as expectativas…

É sempre possível! E hoje temos meios também para estarmos em contato, para construir estes laços importantes para a pastoral, temos outros meios. Mas o conhecimento físico, o conhecimento pessoal é outra coisa.

Eu tenho tentado, e vou continuar a fazê-lo, ter a relação não só com o clero, mas também com os leigos. É desafio e não é fácil, porém, quando se consegue é fantástico.

 

A proposta de Itinerário Pastoral para 2023-2025 desafia à unidade, ao caminhar juntos na esperança. Sabendo-se das rivalidades que existem entre as diversas ilhas, desde os Cagarros em Santa Maria – já estará identificado com essa terminologia – os Coriscos em São Miguel, etc. A solução para a unidade será um bispo ido do continente?

Foto Agência ECCLESIA/MC

É uma boa pergunta, que só o tempo dirá. Efetivamente, a Diocese dos Açores não tem tido bispos. Teve o Senhor D. António Braga, que antecedeu ao D. João Lavrador, de Santa Maria, mas viveu, como dehoniano, praticamente sempre fora. Era meio açoriano, digamos assim. Se era melhor ou pior, ninguém o poderá efetivamente dizer.

Eu sou da Diocese de Viseu. Na altura, tivemos um bispo da diocese, o D.  Ilídio Leandro, um homem fantástico, um padre muito próximo das pessoas, extremamente amigo. No entanto, no final, mesmo o clero estava convencido que seria melhor vir um padre de outra diocese, pela experiência feita.

Há convenientes e há inconvenientes. Claro que construir a unidade entre esta gente toda, ser uma pessoa dos Açores ou não é sempre muito secundário, porque eu tenho que construir laços com toda a gente: com quem me é simpático, com quem concorda, com quem alinha nas minhas ideias, com quem as tem contrárias. Aliás, o grande desafio da Igreja é precisamente isto: ser capaz de conciliar Terceira e São Miguel, para dizer duas ilhas maravilhosas dos Açores, mas que efetivamente e historicamente são um pouco concorrentes uma da outra, mas todas as ilhas têm uma identidade própria, como depois o tem cada comunidade.

Estas diversidades tornam-se riqueza. O segredo está em sabermos valorizar e potenciar tudo aquilo que cada um é. Isto é, desenvolver os carismas que cada um tem, sejam padres, sejam leigos, vivam numa ilha ou vivam noutra.

Para mim, do ponto de vista de uma ligação, dou muita importância àquilo que são chamados os ouvidores, os arciprestes, os vigários, os que coordenam as zonas, que nas ilhas pequenas são a ilha inteira, na Terceira temos duas ouvidorias e em São Miguel temos sete. E, sabem-no desde o princípio, dar-lhes-ei muita relevância, teremos muito contato, teremos reuniões frequentes, precisamente para que esta coordenação aconteça, nos tragam o sentir das bases e também possamos descobrir caminhos em conjunto.

 

A diocese esteve um longo período sem bispo. Que repercussões é que isso teve na animação pastoral de diocesana?

Posso responder, talvez, com a experiência que fiz no dia da entrada.

Eu fui para os Açores… Quando o Núncio me disse, a certa altura, disse: ó senhor Núncio, não esteja com problemas, se for para ir para os Açores eu vou feliz da vida, não se preocupe. E, de facto, fui muito livre para os Açores: não escolhi, não tenho expectativas, portanto, também não terei tantas desilusões… Procurarei fazer o melhor que sei e posso…

No dia da entrada, fiquei quase interiormente incomodado, porque não conseguimos distinguir facilmente daquilo que é a nossa experiência pessoal, daquilo que é o bispo. Naquele dia, somos efetivamente, a mesma coisa. E, vir da Misericórdia até à Sé com colchas nas janelas, gente nas janelas, aplausos, festa… Não estava minimamente à espera disto, desta manifestação. E depois disse-o de imediato aos padres, no Colégio dos Consultores, no dia seguinte: isto não é por causa de um bispo que se chama Armando; isto é a diocese que viveu um período de alguma expectativa e que hoje – também depois da pandemia, temos que associar aquele período difícil da pandemia à sede vacante – como que explode de esperança, porque tem um bispo. Isto, para mim, diz-me quanto os Açores sentem o fenómeno religioso e também a importância do seu bispo, e depois quanto também sofreu.

É natural que durante uma sede vacante, sobretudo como a que teve, praticamente um ano e meio, que haja algumas expectativas: quem é que vai ser, alguém de cá, alguém não é… E os Açores são tão grandes como Portugal inteiro, contando o espaço da água, ou maior ainda, um pouco maior que o continente, no entanto, é quase uma aldeia. É impressionante! Nos Açores todos sabem de tudo, também por esta ligação e amor que têm à Igreja e às coisas da Igreja. As pessoas sabem de tudo. Portanto, é natural que se tenham levantado algumas clivagens: vai ser este, mas não pode ser por isto, por aquilo, sabe-se tudo…

 

Entre as estruturas da Igreja…

É natural, acontece em todas as dioceses, mas se calhar ali mais…

Um jornalista, um dia, disse-me: “sabe que nos Açores o religioso vende”. E isto diz um bocadinho o que é o sentir de toda a gente, acaba por estar nos meios de comunicação, conhecer isto, conhecer aquilo. É um fenómeno, a realidade açoriana.

As sedes vacantes acontecem. O serem muito prolongadas não se justifica. Nos tempos que correm, os processos têm de ser muito mais ágeis… Até o documento do sínodo universal se debruça sobre este aspeto, para evitar precisamente este “disse que se disse, vai este, vai aquele”.

O vir um bispo de fora, para muitos, não é provavelmente a melhor solução. Aliás, eu se estivesse lá, também teria a minha opinião – e quando nós temos uma opinião é sempre a melhor do mundo, porque senão não a tínhamos – e depois, recomeçamos juntos e vamos caminhando.

 

Duas dioceses não tem cabimento

Apesar de ser uma população pequena, relativamente pequena, de 250 mil pessoas, a dispersão geográfica é muito grande, a área é muito grande. Não faria sentido, por aquilo que já conhece, haver duas dioceses nos Açores?

Foto Agência ECCLESIA/MC

Eu sei que em tempos houve essa ideia expressa de que São Miguel pudesse ser uma outra diocese. Eu pessoalmente acho que não tem cabimento, não tem pés para andar.

Somos nove ilhas, as ilhas estão todas muito interdependentes. Hoje o bispo viver em Angra ou em Ponta Delgada ou no Corvo… A diocese está onde o bispo está e onde a Igreja está. Se pensar que nos três meses de verão fiz 43 viagens de avião, isto diz um bocadinho de tudo. Eu não ando de carro, ando de avião, quando ele avança. Portanto, não tem qualquer jeito.

 

Mas mesmo por isso, e sabendo-se que o estatuto do bispo no arquipélago é substancialmente diferente do bispo no continente, nas dioceses do continente, todos os compromissos que tem, mesmo sociais, a que é obrigado a estar, a sobrecarga de trabalho é imensa, não é?

Quem tem cargos públicos, nos Açores, percebe o que eu vou dizer.

O ir de viagem de avião ou esperar no aeroporto (não digo 10 horas, 10 horas é demais,  mas trabalhei muito no aeroporto)… Nós podemos trabalhar sempre: podemos ler, podemos escrever, podemos telefonar. Hoje, o nosso escritório é um escritório ambulante e isso a mim não me mete aflição. Estando em Viseu ou no norte, onde estive como bispo auxiliar, se tivesse uma reunião em Lisboa à noite, não dizia que não, nem que tivesse de sair às 6 horas da tarde para vir a uma reunião às 9h00 ou 9h30 da noite, e voltava. Lá, é menos cansativo, a viagem de avião. Mesmo que se tenha de estar no aeroporto uma hora ou duas, temos sempre o que fazer.

Dificulta alguma coisa, mas não é isso que impede de estar a cumprir a minha obrigação, o meu dever. Com os meios digitais, estamos em todo o lado, e nem sequer se sabe onde é que estamos. Quantas vezes nós estamos num cabo do mundo e a falar… A mim não me mete aflição.

 

Os aeroportos nos Açores também são um lugar onde os açorianos estão…

Exatamente. Quantas pessoas se encontram nos aeroportos e, quantas pessoas… Encontrei um jogador de futebol que está a jogar nas Flores, que é de Viseu, que é um miúdo, que eu sou amicíssimo dele. Aliás, tirámos uma selfie e telefonei ao pai, e o pai nem conseguia falar. A chorar… As surpresas que nós apanhamos, pessoas que não vimos. Passamos horas, temos a oportunidade de conversar, de conhecer. Portanto, também isto ajuda.

 

Mudar meio ano depois

Passado mais ou menos meio ano, depois de ter tomado posse, fez uma revolução na Diocese. Fez uma série de nomeações para cargos essenciais, como o reitor de seminário, vigário-geral, o reitor do Santuário de Santo Cristo. Com que propósito é que fez essas colocações na diocese? Uma etapa nova que desejou iniciar?

Eu penso que a diocese tinha expectativas de uma fase nova, como toda a Igreja. O que se vive na Igreja Universal, vive-se nas igrejas locais.

O reitor de seminário, uma das primeiras pessoas que falou comigo, disse, “eu estou um bocado cansado, pense…” E isto sucessivamente, muitas das pessoas puseram os lugares à disposição. O vigário-geral estava também há 18 anos, uma pessoa competentíssima. Eu podia andar descansado da vida, porque ele geria toda a parte administrativa, e não só da diocese, também por toda a experiência, porque foi administrador diocesano, muito competentemente, durante a sede vacante.

Eu podia dizer: podemos continuar, porque assim fico tranquilo.

Sempre fui de desafios. Não me aflige o ter ido para os Açores nem sequer com a idade que tenho. Não me aflige! Se puder ser útil… Também, quando der conta que não estou a fazer nada, seria o primeiro a pedir para sair, para ir descansar ou para ir para outro lado. Mas havia certos desafios que se percebiam, até porque, indo às nove ilhas e procurando conhecer, falar, ouvir, fui fazendo uma radiografia dos Açores (também coisas que já sabemos, mesmo estando no continente, hoje percebemos todos o que se passa nas Dioceses uns dos outros).

Foto Agência ECCLESIA/MC

O meu dilema era este: aguardo um ano, até porque tive um ou outro conselho, nomeadamente um caríssimo padre que me dizia, “ainda está há pouco tempo, se calhar mais um ano”. Foi a única voz… No entanto, achei que ou fazia agora ou daqui a um ano, se calhar, já não tinha sequer tanta coragem de fazer, de mudar. Não é que as pessoas estivessem a fazer mal. E isto é uma ideia que procuro transmitir nos Açores: as mudanças não podem ser entendidas como promoções ou despromoções. Estamos a arruinar a beleza da Igreja e do que é o nosso serviço. É também ajudar a que as pessoas iniciem projetos novos. O vigário-geral, por exemplo, é uma pessoa nova, não tem sequer 60 anos, foi para a Praia da Vitória, na Ilha Terceira. Ele mesmo disse: se o pároco muda, poderia ser uma paróquia para mim. E ele mesmo entendeu que era bom para ele iniciar um processo novo, um desafio novo.

Porque nós, depois acabamos por fazer todos a mesma coisa: carrega-se no botão e já está feito, carrega-se naquele, isto é assim, funciona…

Agora, correm-se riscos, o vir uma pessoa de novo… O vigário-geral já tinha sido vigário-geral, sabe os ambientes da Cúria… Ele estava como diretor espiritual do seminário, pedia imenso que mudasse a equipa… Foi tudo muito espontâneo, muito natural. Se calhar, dois ou três casos, foi um bocadinho mais difícil para a pessoa a mudança, mas não tenho conflito com ninguém. Num caso ou outro mais difícil, nós também estamos ao serviço e é isso que acaba por prevalecer e cada um faz o seu melhor.

 

O Santuário do Senhor Santo Cristo é um desses casos por ser um lugar muito relevante também para a diocese?

O Santuário do Senhor Santo Cristo, o reitor tinha completado os seis anos do mandato que tinha, estava há seis anos e ou continuava ou mudava… Como saía o pároco da Matriz, e a Matriz é também uma paróquia muito importante, tem outra importância em relação ao Santuário, é a Matriz de Ponta Delgada, São Sebastião de Ponta Delgada, e o reitor do Senhor Santo Cristo mudou para a Matriz, onde há uma imensa obra social, há todo o trabalho de catequese e evangelização. O pároco da Matriz saiu porque completou os 75 anos e pediu para ser dispensado dos compromissos pastorais, como está previsto e como se costuma fazer nos Açores. Mas tudo mudanças pacíficas…

 

«Padres trabalharem juntos é mais complicado»

Este ambiente facilita muito o cumprimento daquele apelo que fez no segundo documento de colocações em que apelou à  colaboração entre paróquias, lembrando que a diocese esteve os dois anos sem ordenações presbiterais, e à implementação de novos estilos de evangelização, de corresponsabilidades. Tudo está a correr nesse sentido e facilitando o seu objetivo?

Sim. Nós temos objetivos e vamos procurando que todos os consigamos perceber e aqueles que são úteis e servem efetivamente irão para a frente.

A colaboração entre paróquias é aquilo que a Igreja está a fazer em todo o lado. A ideia de uma paróquia, um pároco, uma quinta mais ou menos fechada, hoje não existe. Com a mobilidade que as pessoas têm, com a procura daquilo que necessitam para a educação dos filhos, onde colocar os filhos na catequese, a Eucaristia que frequentam, vivem muito espontaneamente esta Igreja diferente.

A colaboração são paróquias juntas, procurando que os leigos percebam a mudança que está em causa. Não é fácil, porque há comunidades que sempre se habituaram a ter o seu pároco, é seu, não é de mais ninguém. E eu faço as reuniões aqui e cresço aqui, vou à missa aqui, mas as novas gerações já não são assim. Por outro lado, estas dinâmicas evangelizadoras também desafiam a algumas experiências, que não são novas, que sempre existiram, que é o trabalho em conjunto. Isto é mais difícil: padres trabalharem juntos é mais complicado, porque cada um acaba por ter um pouco as suas características.

Eu tenho essa sorte: vivi praticamente toda a vida em equipas sacerdotais. O pároco não era eu, era Jesus Cristo. E cada um dá o seu melhor, o seu contributo, os seus carismas, para o bem de todos, envolvendo os leigos. Se nos relativizamos a nós próprios, a pastoral é sobretudo o envolvimento de todas as pessoas, leigos, clérigos.

Temos de nos perguntar se a paróquia, ou o pároco, é que tem aquela paróquia, ou é a comunidade organizada que tem também ao seu serviço os ministros ordenados, um padre, um diácono, quem for, e, quem sabe, algumas paróquias no futuro serão coordenadas por leigos e os padres farão aquilo que é o específico do seu ministério, que é o serviço do sagrado, os sacramentos, nomeadamente, e a assistência ao povo de Deus, a formação espiritual, etc.

 

Mas isso acontecerá só quando não existir número suficiente de sacerdotes?

Esperemos que não. A Igreja peca por isso: vai muitas vezes a reboque e espera que haja crise. Há falta de padres, então venham cá os leigos ajudar.

Foto Agência ECCLESIA/MC

Eu tinha uma expressão na paróquia, quando alguém dizia: “precisa de ajuda? Não, não preciso de ajuda. Preciso de quem faça! Se tu estás disposto a fazer, então anda, vamos.”

O ir a reboque nisto vai fazer com que caiamos naquilo que noutros lugares da Europa e também em Portugal já acontece: não há padre, fecha essa porta! E isto é o maior dos falhanços da nossa Igreja ‘clérico-centrada”. O Papa fala muito do clericalismo, que se pode aplicar a leigos e a padres, mas claro que é muito mais ao padre porque toda a vida foi idealizada à volta do pastor.

Hoje até esta questão da pastoral é uma palavra muito referente ao pároco. E vamos encontrar também termos novos para poder exprimir a verdadeira realidade. Porque não é o pastor que está em casa, mas é o pastoreio, a comunidade que vive e que se evangeliza com o Evangelho e com os sacramentos, e forma evangelizadores também para depois se perguntar: mas afinal o que é que falta aqui? Porque é que há pobres? O que é que nós vamos fazer? Há sem-abrigo? Onde é que nós estamos com as outras instituições? Como é que nós podemos gerar Evangelho e parcerias para combater a violência doméstica, se é um sítio de violência doméstica, de sem-abrigo, de pobreza, de solidão?

Nós estamos muito espiritualistas. Estamos muito nas nuvens, por vezes, nas comunidades, porque não somos suficientemente atentos. Eu ia dizer, porque a Igreja não é povo de Deus verdadeiramente.

Quando nós nos entendermos, na linha do Vaticano como povo de Deus, nós não seremos capazes de celebrar Eucaristia enquanto nós estivermos a resolver os problemas dos povos. Uma comunidade sem diaconia não pode celebrar Eucaristia. A diaconia e a Eucaristia formam a comunidade.

Nós estamos estruturados para manter. Foi tudo concebido para manter, também na minha formação também como padre: vou, há lá uma estrutura fantástica, já toda bem formadinha, é só mantê-la e depois tudo funciona, como se o estado cristandade ainda existisse. E já não existe!

Enquanto não metermos isto bem na cabeça: muita da gente que circula mesmo nas comunidades paroquiais não quer saber nada do padre, só quando tem o batismo e a missa. Não vamos queixar-nos. Vamos envolver estas dinâmicas, percebê-las e dinamizá-las, potenciá-las. Então nos Açores, por trás do que é isto e da religiosidade popular, toda a gente se pode mobilizar para o serviço do bem. E é isto que as comunidades têm que querer em primeiro lugar: não o padre, mas este bem que se partilha, que se vive. O Evangelho é sempre o mesmo, Jesus Cristo é sempre o mesmo. Os estilos é que têm de mudar.

 

Este segundo documento de colocações, falava já da insuficiência de sacerdotes nos Açores para as necessidades. E será essa insuficiência que vai levar a algumas transformações, nomeadamente de equipas pastorais, a dar lugar à responsabilidade dos leigos?

Não queria dizer que é por isso. Infelizmente, se calhar, ainda é por isso. Mas o que é que eu quero dizer? Que nós temos de desenvolver as dinâmicas de base das comunidades.

Já há dois focos, ou três, ou quatro, onde vivem padres que fazem uma pastoral em conjunto. Estas vou querer que se desenvolvam muito. A Ilha das Flores, por exemplo, tem três sacerdotes: são todos párocos de tudo. Foi para lá até o monsenhor Constância, que era um vice-reitor do Senhor Santo Cristo, um homem da pastoral na diocese que, atingindo já os 75 anos, estava ao serviço e vai continuar, mas já era dispensado dos serviços diretos. Ofereceu-se para ir para as Flores. Está com outros dois padres, fazem equipa, vivem na mesma casa.

Mas também noutros lugares coloquei padres que também terão outras responsabilidades na diocese, mas que vivem em conjunto, sendo párocos de zonas, a desenvolver ainda, porque ainda estão muito fechadas nas suas comunidades.

Eu estou a fugir de dizer que é por falta de padres… Nós não nos podemos afligir com a falta de padres. Temos é que nos afligir com a falta de vocações. Todas elas!

O Espírito Santo sempre conduziu a Igreja e não está a fazer o interregno, o Espírito Santo não foi de férias. Vivemos num mundo que aparentemente está todo globalizado, mas estamos é a descobrir as grandes diferenças do mundo todo. E o sínodo é também rico por causa disso. Esta globalização também não existe nas nossas comunidades, são diferentes. Portanto, há que percebê-las bem, há que entendê-las bem e fazer que elas sejam cada vez mais também ministeriais.

Tínhamos de convencer todos os batizados de que, de facto, têm carismas, têm dons do Espírito Santo desde o batismo, e que se eles não os desenvolverem, a Igreja é diferente. Pensarmos que os ministérios hão de surgir porque não há padres é clericalizar os ministérios. “Eu preciso de ti”. Não, a comunidade está lá, a comunidade é que precisa de ti que és padre. Anda cá, eu faço-te leitor, tu és leitor, tu és ministro da comunhão, tu és… Porque eu não posso fazer isso tudo… Isso já lá vai, há décadas que desapareceu.

Não queria que fosse por falta de padres, mas que desenvolvêssemos ao máximo o que são os ministérios. Depois as vocações, também à vida familiar, à vida consagrada, à vida religiosa, também ao ministério ordenado, que é importantíssimo, sem o ministério ordenado não há Igreja, não há comunidade.

 

Bispo também da diáspora

A influência dos Estados Unidos sente-se muito nos Açores e os Açores têm uma grande comunidade também na América do Norte. Nota-se muita influência desta cultura norte-americana na própria vivência da igreja, dos emigrantes, na igreja açoriana?

Foto Agência ECCLESIA/MC

Eu penso que é mais o contrário. De facto, o açoriano… Isto é fantástico!

Eu fui a Turlock, no Vale de São Joaquim, em São Francisco, a uma das festas que lá há.

Eu fiquei espantado: eu estava nos Açores. A forma como viviam as festas, as exposições, os cortejos de animais, os carros feitos por eles todos a guincharem, como era antigamente nos Açores.

Os Açores transportam os seus costumes, as suas tradições, sobretudo das suas festas e religiosidade popular para as comunidades onde estão. De facto, São Francisco, Boston, no Canadá – o Canadá tem também perto de 500 mil açorianos – há muito mais açorianos na diáspora do que propriamente nas ilhas. Portanto, o levarem e repetirem, nota-se muito lá.

A emigração dos Açores – espero aqui não estar a cometer nenhum erro muito crasso – o açoriano, quando sai, vai com a ideia que provavelmente pode voltar, mas não é este o grande objetivo. Foram grandes surtos de imigração nas grandes catástrofes que aconteceram nos Açores, com vulcões, terramotos. Foram, mas perderam a casa, desligaram-se muito dos bens. Há muitos que continuam a ter a casa, mas a maior parte não tem casa.

Quando vêm, vêm às festas, apoiam, por vez até são eles que as mantêm economicamente, mas não é que determinem muito da vida religiosa da sua terra de proveniência. Participam. A influência dos Estados Unidos nota-se… no religioso, talvez não, é mais o fenómeno contrário.

 

O D. Armando é também o bispo da diáspora?

É muito interessante esse aspeto… Eu já tenho mais de 4 ou 5 convites para ir a estas dioceses da diáspora.

Eles têm muito brio em levar os seus padres dos Açores, levar a sua cultura aos lugares onde estão. Os sacerdotes dos Açores, muitos deles, todos os anos vão a uma das festas, ou às Bermudas ou ao Canadá ou aos diversos lugares dos Estados Unidos, e vão fazer as suas pregações, participar nas festas, eles ficam felicíssimos e todos tentam levar alguém dos Açores. E o bispo também é a mesma coisa: vamos como sinal desta unidade.

Depois, não é só a nível do bispo: por exemplo, a “Igreja Açores”, a nossa agência de comunicação, que é dirigida por uma colega vossa, a Carmo Rodeia, muito conhecida, e também por uma outra jornalista, Liliana, que trabalha com ela, muitos dos programas que produzem são repetidos nos Estados Unidos, muitas das notícias que eles veiculam vão buscá-las ali. Portanto, há uma grande ligação. Aquilo que se escreve no “Igreja Açores” tem mais leitores fora, mas de longe, ou o que se ouve ou o que se vê, do que tem nos Açores.

Vale a pena viver com esta consciência! E também o ir alimenta esta nossa ligação a uma igreja-mãe, que pode ser pequenina, mas é a mãe.

 

Religiosidade popular: “a primeira palavra é de espanto”

Acredito que um dos tópicos que muito é lido, ou que muito é vivido, é precisamente esta religiosidade popular açoriana, seja em torno do Senhor Santo Cristo dos Milagres, das Romarias da Quaresma e dos Impérios do Espírito Santo. Como é que o bispo de Angra, tendo a sua experiência religiosa no Portugal continental profundo, como é que vê esta expressão da religiosidade popular entre os açorianos?

Conhecia um bocadinho e li antes de ir, mas a primeira palavra é de espanto.

Os Açores têm uma característica única, em Portugal. A forma como a religiosidade inculturou, talvez porque são ilhas isoladas, perdidas no meio do oceano, com pouca ou  quase mesmo nenhuma ligação ao continente, o que tinha era um tesouro e foi tendo, ao longo dos tempos, gente que concretizou o que foi a evangelização do início, quando os Açores foram ocupados. Foi povoado, desenvolveu-se e, sobretudo, os religiosos franciscanos têm uma presença muito forte nos Açores, têm uma presença muito forte na religiosidade popular. Este ser ilha, ser pequeno, estar isolado, mais facilmente levou a que as coisas inculturassem. Percebidas de uma forma ou de outra, tornaram-se quase iguais em todo o lado. A primeira de todas é o Espírito Santo, que é transversal às ilhas todas. As festas do Divino Espírito Santo são uma coisa espantosa. Em todos os cantos! Há freguesias, paróquias, que têm, se calhar, dez Impérios, que são irmandades que ali desenvolvem atividades à volta do Espírito Santo, que não é só a coroação, mas que são obras de caridade, distribuição de bens. Depois, as Romarias têm uma força.. Estive nos 500 anos das Romarias Quaresmais de São Miguel, onde estava também a Câmara Municipal de Alagoa, onde se fizeram as comemorações, o diretor regional da Ciência e Tecnologia em representação do Governo. O Governo Regional, as instituições locais, a Igreja, todos sentem que este é um património que identifica e que faz parte da identidade do povo açoriano.

Portanto, é de espanto por estas expressões tão inculturadas, tão enraizadas. Depois, é claro que isto também pode criar alguma dificuldade, porque quando a religiosidade é meramente popular, leva a entender que ali se resume tudo e que se esgota tudo, que não é necessário haver mais… Para quê haver alguma formação, alguma leitura, como conciliar isto também com as práticas habituais, além do batismo ou do crisma? Há aqui, pastoralmente, caminho que se pode avançar.

E isto pode levar a que os grandes objetivos da Igreja, que é a evangelização, a diaconia, o serviço aos pobres, o vencer e fazer com que se ultrapassem estas situações de injustiça social, possa congregar e fazer crescer todos em conjunto: as comunidades paroquiais têm de crescer, as Romarias podem muito mais ainda colaborar, dar o seu contributo porque é gente fantástica, homens de barba rija, fortes, que trazem as suas famílias. O ano passado foram 2 mil Romeiros que caminharam durante toda a Quaresma, muita gente. Já começa a haver também noutras ilhas, já havia, mas agora a desenvolverem-se mais.

E depois o fenómeno do Senhor Santo Cristo, que eu vivi pela primeira vez. É para contemplar. Humanamente não vale a pena estar com reflexões, é viver, é contemplar e caminhar quatro horas numa procissão, numa multidão que enche a cidade. Tudo para em função daquilo. Todos querem participar no Senhor Santo Cristo e não é preciso estar-lhes a pagar para irem atuar ou tocar ou isto ou aquilo. É um orgulho poderem servir o Senhor naquele momento.

E depois, o encontro com Jesus Cristo. A gente olha as pessoas e quando é, por exemplo, a procissão das promessas, arrasa-nos a fé daquela gente.

 

Três laboratórios para preparar planos para o jubileu

Falemos mais do futuro e a propósito do itinerário que apresentou recentemente para os próximos dois anos, 2023 e 2025, e depois os planos plurianuais para preparar o jubileu, preparar os 500 anos da Diocese.

Diz, na apresentação deste itinerário, que a Diocese não parte do zero, mas tem consciência de que “ainda não chegámos ao tempo de dizer que tudo está pronto para começar um plano”. O que é que falta para que se faça um plano?

Faltamos nós! Todo este caminho que temos estado a falar, o “todos, todos, todos”.

Temos 2025 com o Jubileu da Esperança. Há aqui um desafio que nos deve mover a todos, recuperar a esperança, a confiança uns nos outros, no “todos, todos, todos”. Sentir que todos são importantes, mas por isso temos de ver como nos envolver uns com os outros, como caminhar juntos, como trabalhar com todos e para todos.

O Papa mandou repetir isto muitas vezes a um milhão de jovens, ou um milhão e meio, por alguma razão era. Este é o momento da História da Igreja em que só o facto de olharmos nesta perspetiva e refletirmos o que é que significa este todos, começa a bulir, porque mexe com tantas coisas, com tantos conceitos, com tantas regras, com tantas estruturas que nós temos, muitas delas um bocadinho herméticas e fechadas, mexe com o próprio Direito Canónico, com as práticas sacramentais. É toda uma eclesiologia que vai precisar de muito tempo para ser refletida e para ser concretizada depois nas práticas.

Nós queremos nestes dois anos até ao jubileu, procurando que 2025 seja de facto um ponto de chegada deste itinerário, onde já nos tenhamos preparado para então fazer ciclos de três anos até ao ano 2034, que são os 500 anos da fundação da diocese.

Ter estas datas ajuda-nos. Agora, pretendemos que seja como um tempo zero, de mais auscultação. Mas não é ouvir por ouvir, nós já fizemos os diagnósticos todos.

Foto Agência ECCLESIA/MC

Houve um percurso também na diocese, muito profundo, começou até ainda antes do Papa ter pedido este percurso sinodal em função do sínodo universal que já estava a percorrer. Houve um esforço, tantos grupos sinodais em todas as ilhas, de diagnóstico, os diagnósticos estão feitos. Mas neste momento era escutarmos para podermos avançar, para podermos criar formas, na base, de ainda ouvir quem está fora, quem é um pouco descrente, porque é que as coisas não funcionam, e descobrir com toda a Igreja formas novas para evangelizar, caminhos novos para responder localmente.

O objetivo é 2034! E inventarmos uma fórmula: vamos viver estes dois anos até ao jubileu procurando viver em laboratórios, três laboratórios. É uma palavra, é uma expressão que já se vem usando muito, o Laboratório da Fé, e há até Diocese já com uma experiência muito longa do chamado Laboratório da Fé.

O laboratório é o espaço da experimentação – não termos medo desta palavra –  mas também de preparar mudanças, coisas novas. E daí este Laboratório da Sinodalidade: desenvolver o que são as estruturas de sinodalidade, onde as pessoas já estão juntas, já trabalham juntas, não só nos conselhos pastorais e económicos, e mesmo onde não há criá-los, mas em todos os pequenos grupos e serviços.

Depois o Laboratório da Fraternidade, porque cada forma de estarmos juntos e trabalhar, não só na assembleia litúrgica, mas em todas, tem que ser um crescer, um procurar salvar sempre a fraternidade, mesmo nas diferenças. Nós temos muitos clubes dentro da Igreja, temos clubes fechados, trancados, secretos quase. Não pode ser! Eu tenho de existir em função do outro, eu tenho de existir em função do mundo, não posso existir em função de mim próprio, seja eu o padre, leigo, o responsável disto ou daquilo. São coisas más? Não, são coisas fantásticas, mas estes laboratórios são precisamente para nos obrigar a estar juntos.

Eu costumava dizer muito, do ponto de vista da pastoral, que o grande segredo é descobrir como colocar as pessoas a trabalhar juntas, a terem de dizer nós e não eu. É que quando eu digo nós, estou a perder-me no meio de uma realidade nova. Enquanto eu acentuar eu, eu, eu, eu, eu, não estamos na Igreja dos nossos tempos.

 

E já agora depois o Laboratório da Esperança.

Sim, o terceiro era o Laboratório da Esperança. Nós queremos também preparar celebrativamente. Os Açores são muito ricos, desde logo o Santuário de Nossa Senhora da Esperança, de Senhor Santo Cristo, temos o Pico da Esperança, temos o folclore, temos igrejas dedicadas à Senhora da Esperança. Vamos também celebrar esta Esperança depois em 2025, mas organizarmo-nos, prepararmo-nos daqui até lá.

 

Sinodalidade: um novo estilo

Ainda no ambiente do Sínodo: terminou a primeira Assembleia do Sínodo, em Roma, outra está convocada para outubro do próximo ano. Estes meses correm o risco de ser um tempo parado?

Não será certamente, porque a Igreja já não para! E não digo só a Igreja Universal, mas a Igreja nas suas expressões locais. E não porque o que se está a criar não são respostas, estamos a criar um estilo de ser Igreja.

Eu gostei muito de uma expressão, logo quando começou a Assembleia em Roma: “a Igreja sentou-se”. Então finalmente a Igreja vai descansar e deixar as pessoas descansadas. Não é um descansar para parar, não é um sentar-se para parar. Bastaria isto: cardeais da Cúria, e outros que tais, bispos do mundo inteiro, com meninas da África e da Ásia e da América, religiosas ou leigas, religiosos ou leigos, se sentam à mesma mesa, e onde cada um tem o mesmo tempo para falar, e o mesmo direito de se expressar, e o mesmo direito a votar, isto cria um estilo que nunca mais vai parar a Igreja. Pode haver gente à procura de respostas, mas eu acho que as respostas, hão de estar quando Deus as quiser dar. E oxalá que nós cheguemos ao momento de as podermos perceber e receber. Neste momento, é um pouco habitar este estilo olhando o futuro. Eu quase ia dizer habitar o futuro, nesta experiência sinodal que é sentarmo-nos, ouvirmos falar… Precisamos tanto, tanto, tanto disto. Para não chegar à conclusão nenhuma? Não. É que é aqui que depois se vai ver a importância do Papa, a importância do Bispo, quando as pessoas se sentam.

Na diversidade, sente depois quem tem depois de discernir, em último lugar, muito mais a força da colaboração de todos e a assistência do Espírito Santo. Esta oração no Espírito, esta reflexão no Espírito que tanto se fala, é um estilo imparável que vai ficar depois para a Igreja. Assim nós seremos capazes de ser fiéis.

 

É nesse movimento que quer inscrever a diocese, neste plano até 2025, nomeadamente quando quer, e formula três verbos para estas ações, “agilizar, descomplicar, desburocratizar”?

Sim, porque nós complicamos muita coisa!

O desburocratizar acontecerá naturalmente, não vamos tirar regras nem comportamentos, mas é preciso não termos tantas coisas tão centralizadas, tão às costas de tão poucos. Nós andamos muito à espera de um Estado protetor, que resolve os problemas todos.

Aquilo que as comunidades, os lugares e as famílias não conseguirem resolver, ninguém o vai resolver por cima. Sejam-lhes dado meios. É um bocadinho esta ideia.

Foto Agência ECCLESIA/MC

Mas este descomplicar também tem a ver com uma urgência muito grande, que é a formação, a valorização laical, o confiar. Eu costumava às vezes dizer, na minha paróquia, que era uma paróquia de portas abertas, mas que era preciso também ter mesmo as portas abertas, não ter chaves, ou então as pessoas terem chaves. “Sim, eu tenho chave. Porquê que tu não hás de ter?” Na igreja: “eu tenho dons, mas tu também os tens. Porquê que tu não os hás de desenvolver? Diz-me. Força, coragem”.

Desdramatizar, dessacralizar até a figura do próprio presbítero. Nós existimos para servir. O bispo também para ser pai, para ser próximo, não é para ser distante, para ser próximo, para amar concretamente, para ser pai e mãe nesta Igreja.

Portanto, é um horizonte onde vamos procurando dar pequenos passos, convencendo-nos que este é caminho. É evidente que há resistências, há pessoas que não simpatizam muito com o método sinodal. É muito mais fácil ter uma liturgia certinha, diretrizes muito verticais a que todos obedeçam, mas que não forma para ser, para agir, para desenvolver. Onde todos parecem que estão muito “unidinhos”, mas indiferentes e apenas a procurar esquecer o que o outro diz, porque ele continuará a ter sempre razão, não perde a sua opinião, mas não encontra caminho nenhum conjunto.

Haverá resistências? Há na Igreja Universal, o Papa tem resistências. Eu tenho resistências em relação a outras opiniões, mas não é por isso que as  vou condenar. Vou ouvir, vou amar essa opinião, vou trabalhar com ela, vou crescer com ela.

 

Lugar aos jovens

Quando chegou à diocese, assumiu como uma das suas prioridades a evangelização dos jovens. Estamos no rescaldo da Jornada Mundial da Juventude. No próprio itinerário 23-25, aponta para uma renovação da Pastoral Juvenil, a partir da experiência da jornada, e convoca uma Assembleia de Jovens, para Abril do próximo ano. Como é que está a decorrer este processo de evangelização? Como é que o sente já na diocese?

Graças a Deus, muito do que vai acontecer na Igreja ultrapassa-nos, supera as nossas expectativas. E isto é importante que sejamos capazes de o ver: o que acontece não é tudo controlado por nós.

Um jovem é muito mais do que nós o imaginamos, do que os pais o imaginam. Há dias, numa ação, fui falar sobre o tema “JMJ. E agora?” E eu falei um bocado do que são as expectativas, do que nós esperamos dos jovens. E, no final, uma jovem, de 16, 17 anos, disse-me: “ó senhor bispo, eu não sabia que nós éramos tão importantes”.

Nós temos passado um certificado de menoridade aos leigos, mas muito mais aos novos. E temos de educar a que sejam participativos e que tenham lugar e que tenham palavra, e que tenham voz e que sejam ouvidos. E faltam muito essas práticas.

A JMJ veio provar que, deixando, os jovens conseguem dar um testemunho muito mais espontâneo, fácil, alegre, feliz, são capazes de caminhar juntos com toda a gente, não se importam se são adultos, são idosos, são velhos. O jovem gosta de ser considerado, mas também é capaz de considerar a todos.

A JMJ ultrapassou e muito aquilo tudo que nós podíamos pensar que seria a JMJ num tempo de guerra, num pós-pandemia, num país pequeno como o nosso, num extremo quase do mundo, esquecido. Eu tenho já cinco jornadas mundiais da juventude, e organizei jovens da paróquia para ir em mais duas. Nunca uma jornada mundial, talvez pela força da comunicação social, mas hoje jogamos com tudo isso, tudo isto faz parte do circo, digamos assim, mundial… Ultrapassou em tudo! A mim, pessoalmente, ver esta multidão a invadir Lisboa, pacificamente! Há dois polícias na noite última da vigília, que eu fiquei lá na vigília também no campo, e fui andando toda a noite à procura de grupos, de pessoas conhecidas, tinha por lá também com voluntários.Dois polícias, já na madrugada, passei um grande bocado com eles e diziam, ó senhor bispo, “não sei o que é que estamos a fazer aqui. Quando vamos a um concerto, fazemos cara de maus, não falamos com ninguém, se for preciso intervir para nos respeitarem. Aqui toda a gente nos diz bom dia, boa tarde, obrigado, como é que estão… Nós aqui não estamos a fazer nada. Toda a gente concorre para o bem…” Experimentar aqueles valores daquela juventude, dizer: quanto a sociedade, o mundo está sedento, de vida autêntica, de vida espontânea, livre. Eu costumo muito dizer aos jovens, nesta fase: o que é que a Igreja espera de vós? Que sejais jovens, que sejais livres, mas queirais caminhar com Cristo. E foi aquilo que a Jornada Mundial também disse.

 

Mas que ações concretas é que está a haver já na sua diocese?

Ultrapassa-nos…

Nas Ilhas, reuniram-se, começaram a programar o seu ano. Eu acompanhei um bocadinho a Ilha Terceira, que teve um início, todos juntos, lá no átrio do Seminário. Tiveram a Jornada Diocesana da Juventude debaixo de uma tempestade, mas mesmo assim fizeram e com sucesso, na Ilha Terceira. Em São Miguel reuniram novamente em vigília, todos. Nas outras ilhas todos fizeram, celebraram este dia mundial. E ao longo do ano vão desenvolvendo as suas atividades.

No primeiro encontro com os ouvidores que eu fiz, assim que cheguei, perguntei: quantos jovens fazem parte dos conselhos pastorais. Toda a gente se calhar diz:“ah, os jovens não é muito para dar ideias, para refletir…”. Enquanto nós pensarmos assim, não renovamos os nossos conselhos de participação. E gostaríamos que os jovens percebessem que é ali, naqueles lugares, como se sente também na política, os jovens descomprometem-se, não querem. Mas não querem porque nós temos os lugares ocupados.

 

Se eu interpreto bem, terá de haver uma grande consciencialização por parte daqueles que já não são jovens…

Uma grande conversão! O Papa falava numa conversão pastoral. Eu quando digo que a palavra ‘pastoral’ vai entrar em crise, dentro de algum tempo, é porque prefiro a palavra sinodal ou comunitária. O sinodal é muito mais abrangente do que é o pastoral. O sinodal é todos, todos, todos. E aí nasce esperança.

Na Igreja nós muitas vezes temos os lugares ocupados. Já está ocupado! Na paróquia, dizia: ninguém tem dois lugares na paróquia, quem é cantor não tem que ser leitor nem ministro da comunhão. E eu já disse isto, uma vez ou outra nos Açores, e há pessoas que dizem: mas como é que isso é possível? Parece que acaba a igreja. Não! A partir do momento em que eu me convencer que, melhor do que fazer eu bem, é ajudar duas pessoas a fazerem menos bem, mas virem ajudar, a colaborar e a fazer, e a dizer que isto de facto é de todos. O Papa, no princípio do pontificado, disse ‘os teólogos têm que sair das nuvens, venham cá para baixo’… Nós somos muito teóricos… E isto tudo é verdade.

Eu podia dar aqui imensos exemplos de pessoas fantásticas: não chamam para ajudar… Os leigos muitas vezes são muito mais clericais do que os padres. E tentar que alguém se arrede um bocadinho ou até deixe o lugar livre para que alguém se lá sente, não! Pode-se levantar, mas fica lá a mala ou o casaco a guardar o lugar. Isto é uma imagem, para dizer que precisamos dessa tal conversão sinodal.

 

Os jovens não estão porque não têm um lugar? O palco está cheio e é preciso que saia de cena quem não é de cena?

Não será só isso. Eu estou a acentuar essa característica, porque acho que é aquela onde nós temos que nos converter e convencer de que o jovem é capaz, mesmo se o chamarem para refletir na sua própria paróquia. Ele é capaz nas associações de estudantes, ele é capaz nas associações desportivas, ele é capaz em tantos espaços. A Igreja não tem de ser uma elite de gente bem formada, nem uma casta de pessoas que defendem… Estou a acentuar e a exagerar as tintas para percebermos.

Foto Agência ECCLESIA/MC

Os jovens, por vezes, não estão porque não acreditamos que eles tenham qualquer coisa para dar. E depois eles habituaram-se a olhar a Igreja um bocado longe, não próxima, não deles, não como mãe, não como este espaço de que eu faço parte. Vou lá buscar o que me interessa.

Houve uma paróquia onde crismei duzentos jovens. Se formos ver quem é participativo ou quem tem alguma vontade de dar contributo, a percentagem será muito pequenina.

 

Que sinal foi o que foi dado no cimo da montanha do Pico, ao assinar o “Pacto da Montanha”? Que compromisso juvenil foi esse?

Sim, foram duas coisas. Surgiu numa brincadeira, depois desses encontros com jovens que eu tinha em função do Crisma. Aproveitava para me encontrar com eles antes do Crisma, e, no Pico, no final, havia lá até uns jogos de matrecos, estive lá um bocadinho a jogar, disse: “então, e se fizéssemos o envio para a Jornada Mundial da Juventude no alto da montanha. O quê? E o senhor bispo ia? Claro!” Depois, já eram as ilhas do grupo central… Depois pensou-se em alargar a representantes das ilhas todas: subirmos ao Pico e fazermos o envio. Mas fazermos o envio também com qualquer coisa que nos marcasse.

O ir juntos – foram 120 jovens – era o que eu queria que percebessem: que a Igreja e a Diocese é caminhar juntos, é subir as montanhas da vida, as dificuldades dos homens e das mulheres concretas das suas situações no mundo, procurar subirmos juntos a essas montanhas e plantar  lá Jesus Cristo.

A outra parte é este mundo que precisa de uma ecologia lavada, limpa, como são os Açores, e poder exportá-la. Fizemos o “Pacto da Montanha”, que era, no fundo, comprometermo-nos e comprometer as novas gerações, dando-lhes os valores, para que, respeitando a natureza, respeitem também toda a criação, a começar pela pessoa humana. Houve uma carta de princípios, que todos assinámos, e que perdura, e que vamos retomar ao longo do ano. Na Terceira, plantou-se uma árvore, simbolicamente, como sinal da unidade, uma só, mas também como sinal da totalidade, desta humanidade que queremos que caminhe junta, e da responsabilidade que temos por toda a humanidade e toda a criação.

 

Num tema que é emergente, urgente, este cuidar da casa comum, mas que os Açores podem ser um bom cartão de visita para todo o mundo…

Eu creio que faria bem a muitos dos que vão estar nas grandes conferências mundiais, fazê-las num sítio paradisíaco como são o Açores. Por outro lado, também convencer os açorianos e a juventude açoriana que não podem olhar apenas para o bem que têm, mas para quanta influência têm naquele bem que ainda têm e que o pode destruir… Aquilo que se passa na Amazónia, aquilo que se passa com a indústria dos países subdesenvolvidos, mas sobretudo nos grandes países desenvolvidos, que são os causadores da poluição, e que tudo isso está a influenciar também a vida nas nossas ilhas, a tornar os furacões muito mais fortes, a destruírem muito mais os portos – ainda há dois ou três anos São Lourenço destruiu o Porto das Flores. Isto vai aumentar e muito mais. Diziam-me que não se lembram de três dias de tempestade, como foi agora na Ilha Terceira, em que os voos tiveram arredados, três dias seguidos. Não é normal!

As novas gerações precisam de dar conta que cuidar de uma árvore é cuidar do mundo, e o que se passa no mundo tem repercussão no privado. Não queremos destruir o nosso paraíso, mas gostaríamos era que todo o mundo fosse um paraíso, e isto está dentro de cada um de nós.

 

Abusos sexuais

Quando entrou na diocese, confessou que, “hoje, ser bispo não é fácil, é ser o primeiro a assumir as fraquezas próprias e as da Igreja”. Estava a pensar, por exemplo, nos casos de abuso na Igreja Católica?

Sim, também. Tudo aquilo que nos tem envergonhado, em primeiro lugar, toca e bate no bispo. Ou então ele não é bispo, não é? Sim, pensava também nessa questão dolorosa dos abusos.

 

Já agora, como é que está o processo relativo aos dois sacerdotes suspensos, em março, e também o terceiro caso que envolvia um leigo?

Não é suspensão, estão impedidos de exercer publicamente o ministério. Continuam a ser padres, continuam a celebrar em privado.

Infelizmente, os dois casos ainda não chegaram ao fim porque decidimos, conversando também com eles os dois, esperar pela decisão do Ministério Público. Tem sido, num diálogo com eles, que se tem esperado por isso, e esperemos que seja rápido. Estamos à espera ainda da conclusão do Ministério Público.

 

Missionárias da Caridade

No itinerário pastoral, 2023-2025, fala de lugares difíceis, como hospitais, os lares, prisões, lugares de pobreza e exclusão social, e apela a um trabalho em rede, integrando todos os movimentos relacionados com o exercício da pastoral social. Isso é possível, numa região que é caracterizada pela descontinuidade geográfica, onde essas desigualdades também se podem acentuar mais?

Aqui, há dois sentidos. O primeiro, que é o mais importante, que é a tal descentralização, desburocratização ou começar a partir das bases, começar de baixo a partir das bases, é dizer que cada comunidade deve cuidar dos seus pobres.

A diaconia, este serviço primário, tem de estar na preocupação da comunidade que existe na paróquia, que é aquela célula que depois pode ser uma zona. Nem todas as paróquias têm de ter todos os aspetos organizados. Por isso é que o trabalho em rede, o trabalho em colaboração entre paróquias, ajuda muito: eu posso ter catequese bem preparada para quatro ou cinco paróquias, a parte social pode estar numa das quatro ou cinco paróquias e por aí fora.

Em primeiro lugar, perceber que não é por ter um serviço diocesano da Cáritas ou um serviço de coordenação social, que isto vai resolver os problemas das comunidades. Se não houver a capacidade de leitura no lugar… O que é que eu posso fazer na cadeia que aqui está? Eu tenho tido uma luta também com os jovens, porque soube de um grupo de jovens que foi convidado para ir, de vez em quando, como voluntário acompanhar as celebrações numa cadeia. Dizem-me, “ah não, para aí não, nunca nos chamem”. Eu não consigo perceber, fico a ferver quando alguém me diz “aí não, aí não posso”. Um cristão não pode dizer isto, seja ele jovem ou seja ele adulto. Se é necessário, eu tenho que ver o que é que eu posso contribuir para tornar mais bela a vida destas pessoas frágeis, mesmo quando são presos, quando são sem abrigo. Tem de haver esta atenção nas comunidades.

É evidente que são também precisos os serviços diocesanos para ajudarem a que a resposta às grandes necessidades comuns se possam satisfazer: se há uma necessidade de formação, então sim, a diocese entra e responde a todos.

Estamos a perguntar a todas as ouvidorias quais são as necessidades e os sinais de esperança. E se eles apontarem que é preciso fazer formação na área social ou na área da evangelização, aí nós vamos organizar toda a formação para que ela chegue ou comece nas pequenas comunidades.

Quanto mais pequenas são as comunidades, mais dependentes estão do pároco. Quanto mais pequenas são, mais elas acham que tudo há de vir de cima. E isto é tremendo, porque muitos dos problemas sociais nascem porque já estamos a deixar que se formem segundas e terceiras gerações de pessoas que se habituam a ter tudo sem trabalhar, a esperar que lhes cheguem os subsídios de graça.

Eu sempre tive uma grande ânsia de favorecer muito mais a capacitação para a integração do que propriamente o arranjar grandes subsídios que mantêm pessoas. E aqui, a Igreja tem muito a ensinar, porque o Evangelho é não só uma resposta espiritual, mas é uma resposta à pessoa toda, Jesus Cristo inteiro, à pessoa toda nos seus contextos.

 

Há locais dos Açores que possam estar referenciados como mais problemáticos, e até pela manutenção da subsidiodependência? Ouvimos falar de Rabo de Peixe, mas acredito que não seja o único caso. E, por outro lado, a sustentabilidade económica e financeira das IPSS na região.

Sim, dois aspetos. De facto, temos focos mais fortes. É natural que os ambientes mais populacionais tenham mais problemas sociais. Estamos a falar de São Miguel, que tem metade da população, Ponta Delgada tem vários problemas visíveis, nomeadamente os sem-abrigo. Rabo de Peixe é a maior freguesia dos Açores em população, tem cerca de 9 mil habitantes, portanto é natural que tenha visivelmente alguns problemas também de pobreza, a que toda a gente procura dar resposta e há uma preocupação muito grande das instituições. Agora, aquilo que eu dizia antes, repito: se localmente conseguimos ter forças suficientes e nos envolvemos, na parte recreativa, cultural, religiosa, se nós todos damos as mãos… Às vezes fico com pena: ouvi há dias dizer que num ou outro fórum de parcerias se dizia ‘chamar a igreja’. ‘A igreja não vale a pena’. Quando a grande rede do terreno é, efetivamente, a Igreja Católica, prescindir da Igreja é um pecado mortal; mas, da parte da Igreja, não ser capaz de se colocar à disposição, seja de que instituição for, é um pecado mortal a dobrar.

Rabo de Peixe: neste momento, quem dera que pudesse consegui-lo! Estamos a oficializar o pedido para que as Missionárias da Caridade se possam fixar em Rabo de Peixe. Vão lá de vez em quando, com a pandemia pararam, agora já voltaram a ir, quem dera que pudéssemos ter uma comunidade estável como sinal desta presença de um serviço radical de pobreza, porque a Igreja toda deve ser pobre. É uma imagem que ajudaria muito, nos Açores, não para se ficar pobre, mas para valorizar o pobre, e para o colocar no seu devido lugar, que é o da dignidade, o de não se considerar inferior, não ter que estender a mão, mas poder também olhar, olhos nos olhos, mesmo quando se tem pouco.

 

Seria a primeira comunidade das Missionárias da Caridade , nos Açores?

Sim, sim. Elas vão lá de vez em quando, duas ou três, estão lá uma semana e voltam, mas não é uma comunidade estável. Estão lá há uns anos, mas é muito limitado o contributo que dão nestas circunstâncias, passar três ou quatro dias num mês, ou uma semana de três em três meses, estiveram dois ou três anos sem ir com a pandemia…

 

As IPSS?

As IPSS é outro aspeto. Mesmo assim, nos Açores temos uma situação um bocadinho diferente do continente.

Há o patamar dos 50%, colaboração do Governo. O Governo tem uma consciência de que sem as IPSS é muito difícil responder aos problemas reais, quando é preciso efetivamente construir um edifício, o Governo comparticipa devida e honradamente, digamos assim. Tememos pela sustentabilidade, não está fácil para ninguém, sobretudo por causa da questão dos juros, por causa do aumento do ordenado mínimo, justo, mas que vem criar dificuldades. Porém, devo dizer, que conhecendo a realidade do continente, mesmo assim, nós não nos podemos queixar tanto quanto no continente.

 

Tal como no continente, a crise política também está a instalar-se nos Açores. Como é que o bispo da diocese está a acompanhar a situação?

Acompanho, podemos dizer, com alguma preocupação, porque as instabilidades têm alguma repercussão. Também acredito que este é o caminho normal dos homens e das instituições.

A estabilidade é sempre muito, muito importante. Mas a estabilidade também tem de ser não a curto prazo, não é uma estabilidade que me interessa agora, que me interessa amanhã. Portanto, olho com alguma preocupação, mas também sei que, nos Açores há muito boa gente capaz de refletir e de falar e de levar as preocupações comuns para a frente. Tenho descoberto, nos agentes públicos e mesmo nos agentes partidários, nos responsáveis, gente de um valor enorme.

Devo confessar – eu vou dizer a palavra – a minha ignorância sobre os Açores. Os Açores têm uma riqueza cultural, têm uma beleza de pessoas, têm gente com capacidades fantásticas. Estou convencido que os Açores, à parte os diferentes políticos e as hipotéticas quedas de governo, mudanças de governo, os Açores vão encontrar formas de continuar a progredir e a levar o melhor para as populações para a frente.

 

E já em março temos as eleições legislativas…

Sim, vai ser um ano agitado e podemos pensar que vai haver alguma agitação nas instituições, mas creio que não. Nós já estamos habituados à democracia: se vai haver eleições, vai haver eleições; se há mudança, há mudança. Não podemos dramatizar, é o normal do nosso país. Não há muito de anormal.

 

Equilíbrio no turismo

Gostava ainda de lhe perguntar sobre o turismo nos Açores. Como acha que essa indústria se deve desenvolver no arquipélago dos Açores, tendo em conta que há maus exemplos, até vizinhos, e tendo em conta também o que é a geografia açoriana?

Os Açores têm um potencial turístico fabuloso. Qualquer ilha merece uma visita. Quando me dizem qual é a mais bonita, eu tenho duas preferidas, mas não as digo. Agora, é como tudo, tem que ser equilibrado.

Nós já damos conta que há falta de habitação tremenda, que é um problema social grave. Claro que quem tem dinheiro compra, isto acontece por todo o lado. O desenvolvimento turístico traz esse inconveniente, quem tem dinheiro compra o que é bom. E as pessoas e os locais começam a não ter casa.

 

E há especulação imobiliária nos Açores por causa do turismo?

Sim, há especulação imobiliária, mas é que não há casas disponíveis, não há apartamentos disponíveis. As pessoas não conseguem um sítio para viver.

Já não digo só no Corvo! No Corvo, até o presidente do Governo Regional, a certa altura, sabia que o professor do Corvo, como eu também sabia que tinha lá estado, não tinha lá habitação. Tinha de deixar a ilha e deixar de dar aulas e um dos professores tinha de ir embora.

Agora, os Açores sem turismo também não vivem. Este equilíbrio entre a necessidade do turismo, que se preparou, se calhar já como a principal indústria, e o excesso de turistas pode matar a galinha dos ovos de ouro. E trazer sofrimento à população. Competirá às pessoas responsáveis, discernir… Para já, ainda precisamos muito que venha turismo para poder haver o desenvolvimento que queremos e até porque se investiu muito em estruturas turísticas. Sem ele, os Açores passariam muito mal. Oxalá que consigamos o equilíbrio.

 

Visita Ad Limina

Já tem ideia do que é que irá dizer ao Papa Francisco quando, em maio do próximo ano, lhe prestar as primeiras contas na visita Ad Limina?

Já tenho uma série de gente em crise a trabalhar para redigir textos, fazer inquéritos, ir às estatísticas… Procurámos dividir trabalhos.

Devo dizer aqui um segredo, já agora fica toda a diocese também a sabê-lo.

Eu, como bispo há menos de dois anos, não era obrigado a fazer relatório, mas decidimos fazê-lo. Faz-nos bem ir ver os últimos dez anos, ver como é que a diocese esteve, e ser este um dos pontos que nos ajudem a projetar o ano 2034, os 500 anos. Portanto, decidimos fazer na mesma.

Também devo dizer aqui um pormenor, que é um meio segredo, uma coisa muito interna. As perguntas, muitas delas, estão muito desatualizadas. Quisemos mostrar algumas das perguntas a um ou outro leigo – acho que a Igreja hoje tem que caminhar nesta abertura – e houve uma leiga concretamente, mas era o casal que estava a pronunciar-se, que disse: “olhe que algumas perguntas são um bocadinho inquisitoriais, olhe que algumas perguntas estão muito desatualizadas, olhe que nós não somos capazes, nem queremos responder a estas perguntas”. Eu disse: “então escreva isso”.

 

Perguntas que vêm do Vaticano para preparar a visita Ad Limina…

São coisas que estão escritas há muitos anos…

Quando nós falamos de sinodalidade, nós temos de ser capazes de tratar de assuntos com uma linguagem que seja também de todos. E que todos possam perceber, onde todos se sintam confortáveis a responder, sejam bispos, sejam padres, sejam leigos. Porque se é uma coisa que tem a ver com leigos…

Volto aqui ainda a um aspeto: quando falamos da participação na vida da Igreja e da corresponsabilidade (às vezes algumas pessoas preferem só falar de participação porque corresponsabilidade já mexe um bocadinho na questão da autoridade, e a nossa autoridade é a autoridade Jesus Cristo e Cristo crucificado, portanto, é serviço, é morrermos para darmos vida) estamos a falar de uma realidade em que o padre ou o bispo tem um conselho, pede opinião, mas pode não a seguir. Ser consultivo é quase um pouco humilhante. Naquilo que não tem a ver com o sagrado, naquilo que é administrativo, que tem a ver com a vida da comunidade toda, com a organização da comunidade, devia ter efeito deliberativo. Claro que isto vai mexer com o Direito Canónico, muitas coisas que vamos ter de mudar.

Mas voltemos lá: as próprias perguntas, a própria linguagem que nós usamos tem que ser uma linguagem suficientemente aberta, atual, que colha a vontade de se responder.

Se calhar podíamos falar de outros setores da vida da Igreja. Temos que atualizar esta forma de comunicar e de pedir: temos de sentar à mesa e o cardeal tem de falar uma linguagem que a jovem africana ou asiática possa perceber quando estamos à volta da mesma mesa e com os mesmos direitos, nascidos de batismo.

Vamos responder, mesmo com perguntas que às vezes já não se entendem bem ou já estão desatualizadas e fora de época, mas vamos fazê-lo também para percebermos e nos comprometermos mais neste tempo zero que é, até 2025, o tempo de preparação dos ciclos pastorais até aos 500 anos.

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Agência ECCLESIA

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