SABER APRENDER – A investir em divulgação científico-filosófico-teológica

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

No EUA fazem-se muitas sondagens para avaliar a percentagem de pessoas que acreditam em Deus. Na última sondagem atingiu-se um novo mínimo entre os jovens adultos de 68% e a razão não se deve tanto ao facto da ciência explicar cada vez mais e melhor o nosso mundo, em vez de Deus, mas antes ao facto de muitas comunidades de fé americanas colocarem aos jovens uma escolha entre ciência e Deus como se fossem mutuamente exclusivas. Não são. E como muito da nossa cultura ocidental é influenciada pela americana, sofrer deste tipo de influência seria um total disparate.

Foto de Hal Gatewood em Unsplash

Atribui-se a Einstein a frase de que «a ciência sem a religião é coxa, e a religião sem a ciência é cega» e há algum tempo que pensava como esta interacção está um pouco adormecida. Não existem obras novas em português e as questões nos jovens não cessam. Ciência e fé/religião são tudo menos mutuamente exclusivas porque se assemelham aos nossos dois olhos quando nos permitem aceder à dimensão da profundidade. Em Portugal, para além de sacerdotes com formação em ciência (como Álvaro Balsas sj ou Bruno Nobre sj), ou leigos como João Paiva da Universidade do Porto que procurou em tempos dinamizar uma iniciativa intitulada “Ciência, Religião e Conhecimento”, pouco mais parece existir que produza algum impacte na vida das pessoas. A impressão que tenho é a de que muita da visão que as pessoas tem do mundo depende dessa interacção, mas pouca importância tem-lhe sido dada nos últimos anos, sobretudo ao nível editorial.

Uma pesquisa pelas principais livrarias portuguesas com um catálogo online mostra como o assunto está esquecido. Porém, pela minha experiência de ter um grande amigo que se tornou ateu com base em falácias pseudo-filosóficas que leu, permitam-me o juízo de que a culpa é dos cristãos e, em particular, das editoras católicas/cristãs. Com a quantidade de desinformação propagada pelas redes sociais, os livros são ainda uma fonte segura de conhecimento que pode ajudar a compreender os mistérios deste mundo. E se existem livros de divulgação científica que tecem considerações filosóficas sobre o sentido de tudo o que existe, ou teológicos sobre a existência de Deus, por que razão não existe ou se investe em literatura dedicada ao diálogo entre ciência e fé/religião, sobretudo publicado por editoras católicas? Será porque não vende? Mas estará a missão das editoras católicas aprisionada ao que se vende? Se assim fosse, penso que se perderia o sentido de missão porque essa não se deve sujeitar a motivações financeiras, embora seja por essas influenciada, mas acreditar no chamamento de Deus a Evangelizar os corações e as mentes.

O cruzamento entre o modo como compreendemos o mundo pela ciência e as razões das leis e teorias serem como são e não de outra forma, levam-nos à experiência do sentido daquilo que compreendemos. À natureza daquilo que existe e do modo como existe. A necessidade de demonstrar a existência de Deus não nasce de outro desejo senão o de querer experimentar fisicamente o invisível e de o sentir na pele. Porém, a experiência de Deus não é mensurável porque assenta num amor sem medida e ainda que visualizemos o nosso cérebro enquanto ama, é como se quisesse saciar o meu desejo por beber um chá conhecendo em detalhe o movimento das moléculas de água e respectiva difusão pela folhas de camomila. A razão de muitas pessoas colocarem todas as coisas no mesmo plano experiencial deve-se à menor sensibilidade para percepcionar os diferentes planos que constituem a realidade e o resultado é meter tudo no mesmo saco, abanar e esperar que os conteúdos fiquem arrumados (por acaso). Sem aprendermos mais sobre este diálogo fecundo entre ciência e fé, dificilmente poderemos ajudar os jovens e adultos a compreender que esses domínios da experiência humana não são mutuamente exclusivos.

Nas séries e filmes vemos ainda algumas ideias muito intervencionistas da acção de Deus. Um Deus à imagem dos nossos desejos, em vez de abrirmos os nossos desejos à surpresa de Deus. Se há parte da realidade que a ciência vai revelando é a importância que tem a existência de incerteza pura neste mundo. E uma ideia infantil de Deus pode levar a pensar que se Ele não tem mão sobre o destino da mais ínfima partícula, então, só pode querer dizer que Deus não existe. Ou se existe, não nos liga nenhuma. Mas o que não existe é um conceito de Deus que conduz os destinos de todas as mais ínfimas partículas deste cosmos. Quer isso dizer que existe uma parte do cosmos que foge à Vontade de Deus? Mas não será a incerteza pura parte da Vontade de Deus para este cosmos? Tudo isto soa a uma certa intelectualização. E a intelectualização da existência de Deus no âmbito da interacção entre ciência e fé tem afastado as pessoas daquilo que me parece ser a essência de tudo o que está relacionado com a existência de Deus: a experiência que fazemos de união com Ele. Como podemos os livros ajudar?

É mais fácil racionalizar a existência de Deus do que questionar a nossa existência à luz do relacionamento que podemos ter com Deus. Dado os contornos que estão para além do mundo físico em tudo o que se refere a Deus, este embate contra o silêncio, o vazio, a ausência ou a subtileza excessiva da Sua presença, não é fácil de lidar sem pensar que inventamos qualquer coisa para justificar estarmos bem nas escolhas de fé que fazemos. Depois recorremos sempre ao passado para justificar as escolhas de fé do presente quando o próprio presente contém o gérmen das experiências que poderíamos fazer, mas aí está o galho.

O presente implica sair do conforto do sofá e encontrar Deus no encontro com o outro, sobretudo o que mais sofre. Mas nem todos estão sensíveis a isso e preferem pegar num livro. Os livros reorganizam o nosso cérebro, inspiram novas atitudes e fazem-nos pensar nas escolhas. Sem um investimento claro e sério em literatura que mostre a face bela e profunda de um diálogo fascinante entre ciência e fé, crescem entre crente e não-crentes conceitos infantis da acção de Deus. Um livro sobre ciência e fé parece não ter o sucesso financeiro que tem mais um livro sobre encontros com “infinitos essenciais”, mas toca na linha ténue que distingue o mundo físico daquele que está para além desse e pode tornar a escolha pela ciência e por Deus mutuamente inclusiva.


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