1º Maio: Padre operário participou na primeira manifestação, há 50 anos, e aponta realidades laborais que «continuam extremamente problemáticas»

Constantino Alves, sacerdote da Diocese de Setúbal, pede que Igreja «aproveite os sinais para se envolver na vida das pessoas»

Foto: Agência ECCLESIA/HM

Lisboa, 26 abr 2024 (Ecclesia) – O padre Constantino Alves, da Diocese de Setúbal, afirma que a celebração dos 50 anos do primeiro 1º de Maio, é uma oportunidade para “revisitar, redescobrir e recordar” os desafios do trabalho e da dignidade humana.

“Há realidades que continuam a ser extremamente problemáticas, apelativas, interpeladoras, à sociedade no seu conjunto, aos governantes, aos trabalhadores e à Igreja”, indica o padre que foi operário e durante oito anos esteve sindicalizado.

“Há pouco tempo a Santa Sé publicou um documento sobre a questão da dignidade humana, em que fala do trabalho. É condição essencial, fundamental, o trabalho com direitos, com dignidade, para que uma pessoa possa ter uma vida decente. O que é que acontece hoje? O salário mínimo não dá para viver. Há esta grande pobreza: trabalha-se, não dá para comer e nem para habitação. São problemas gravíssimos”, acrescenta.

O sacerdote, que na Diocese de Setúbal organizou respostas sociais para acompanhar pessoas em situação de pobreza, a partir do que indica ser “o capital humano”, pede que se “incomode o poder”, que se “coloquem no centro as prioridades sobre o trabalho”, com a “dignidade e direitos para os trabalhadores”.

“Sem dignidade e direitos não há família, sem isso há uma violência institucionalizada sobre a vida das pessoas, sempre dependentes no trabalho precário, na insegurança; há cada vez mais a fortificação do capital financeiro, económico, de elites, de políticas que legitimam esses interesses, e há aquilo que alguém escreveu – e acho que muito bem: a grande questão social hoje é a desigualdade social”, sublinhou.

O sacerdote indica a “contratação coletiva” como um instrumento “fundamental para existir justiça social” e lamenta que esteja a ser desvalorizada e “esvaziada” deixando os “trabalhadores indefesos”.

“Este é um dever também da Igreja estar atento a estas questões, trabalhá-las com leigos e ajudar a formar uma consciência cívica, política, social dos cristãos nas intervenções, porque a formação dos cristãos deve ser a formação no seu todo, não apenas a parte do culto, da liturgia, da comunhão, da catequese, mas naquilo que é o principal na vida de um leigo. O que é que nos ensina a Igreja? É a sua condição secular: estar no mundo da cultura, da família, do trabalho, com os valores do Evangelho e serem cristãos aí prioritariamente. Mas faz-se ao contrário: normalmente formam-se cristãos para gostarem da Igreja, quando se devia formar cristãos para o mundo”, pede.

Em entrevista ao programa 70×7 que este domingo vai assinalar os 50 anos da celebração do 1º de maio, Dia do Trabalhador, o padre Constantino Alves recorda ter encontrado a Avenida dos Aliados, no Porto, “repleta de gente com cravos vermelhos, cartazes, canções e alegria”.

Foto: DR

“Foi o início de algo que se acreditava que ia mudar. Tinha mudado o regime, e nessa altura perceberam que havia condições para os trabalhadores terem outras condições laborais. Muito rapidamente os trabalhadores começaram a organizarem-se, servindo-se de experiência de lutas clandestinas nas fábricas e nas empresas,  também com militantes formados e ligados ao Partido Comunista, quer militantes cristãos da escola da Juventude Operária Católica, da Ação Católica, e que, conseguiram, muito rapidamente, efetuar uma transformação dos sindicatos e rapidamente pelo país inteiro começou a abrir-se um campo imenso de possibilidades”, recorda.

Em maio de 1974 o agora padre Constantino terminava a sua formação em Teologia, no Seminário maior de Porto, tendo, três anos depois, “para corresponder a um apelo que vinha do interior”, trabalhado como servente em estaleiros e empresas.

“Eu era anónimo, conhecido como Constantino ou Alves apenas, ninguém sabia que eu tinha formação teológica, aliás, ainda não tinha sido ordenado padre. Quando fui ordenado padre, estava a trabalhar numa fábrica, em 1980, e depois, tomei consciência das injustiças que havia nas fábricas, preocupava-me com os outros, com as questões da justiça e da injustiça”, recorda.

Foto: CGTP

O padre Constantino Alves recorda as palavras de D. Manuel Martins, bispo de Setúbal, no dia da sua ordenação: “«O mundo operário apresenta-te à Igreja para que a Igreja te faça padre, e a Igreja devolve-te ao mundo operário para aí anunciares a boa nova da libertação dos pobres e dos oprimidos». Foi uma frase marcante, programática, da minha missão”.

O sacerdote que lembra “almoços e jantares D. D. Manuel Martins”, onde levava “uma lista com o nome das empresas de todo o Distrito de Setúbal, os problemas que tinham, os salários em atraso e os despedimentos”, gostaria hoje que a Igreja hoje aproveitasse os sinais para se “envolver e participar na vida das pessoas”.

O programa 70×7, a emitir no próximo domingo, na RTP2, pelas 17h45, vai incidir sobre a celebração dos 50 anos do primeiro 1º de Maio, através de testemunhos  de quem o viveu.

HM/LS

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