Voluntariado não escolhe idades

Depois de duas missões em Moçambique e Timor, a ajuda aos mais necessitados continua a chamar Mostrando que a missão não escolhe idades, nem o entusiasmo da doação se esgota na juventude, Elizabeth Santos, prepara-se para aos 61 anos partir, pela terceira vez em missão. O destino é novo. A República Centro Africana é desconhecida para muitos, que ainda persistem em perguntar “mas como se chama o país?” O entusiasmo, sendo repetido, cheira a novo, porque novo é o desafio e as pessoas que quer ajudar. Reformada do Instituto de Cinema Audiovisual e Multimédia, Elizabeth Santos não se encostou ao descanso. Aos 46 anos esta voluntária realizou o desejo, antes já sentido, de iniciar a formação para fazer voluntariado missionário. Repetidamente afirma à Agência ECCLESIA que não nunca foi uma experiência. “Chama-lhe o que quiser, mas experiência não se coaduna com o que vivi”. Vivência, doação, missão, voluntariado, anos de entrega, tudo cabe nos anos que Elizabeth Santos viveu longe da família em Portugal. Uma peregrinação à Terra Santa iluminou o que outros já tinham percebido em si – a vontade de se doar 24 horas por dias a quem precisa. “Decidi em segundos fazer voluntariado”, explica a voluntária à Agência ECCLESIA. Quando ao chegou da Terra Santa comentou com o filho a sua vontade de partir em missão, teve como resposta “até que enfim”. Ao que parece, mesmo sem se aperceber, Elizabeth Santos manifestava o seu interesse por estas actividades, mesmo sem “ter pessoas próximas que tenham estado em missões”. Moçambique, Fonte Boa Partiu aos 49 anos para a missão de Fonte Boa, em Moçambique, através dos Leigos para o Desenvolvimento. Durante um ano e meio fez formação onde nunca se sentiu “nem mais velha, nem deslocada”. Elizabeth Santos explica que sempre “refutei a posição de mãe na formação”. Sendo a mais velha, Elizabeth afirma que foi importante vivê-la com pessoas mais novas. “Aprendi muito e tenho aprendido muito mais do que o que tenho ensinado”. Entre diferentes idades, a motivação era a mesma. “A formação começou com mais de 100 pessoas e terminou com 11”, recorda a voluntária, exemplificando a consciência do projecto e a “forte motivação dos que ficaram”. Durante três anos viveu em Fonte Boa. Envolvida em projectos “ligados à promoção humana”, Elizabeth foi responsável por um projecto de costura para ensinar as “meninas do internato”, a que se juntaram os rapazes no último ano. Num clima frio, “parecido com o nosso”, recorda, o tricot era uma utilidade. Mas também o crochet e os bordados, passando pela costura de roupas. Como forma de incentivar as mais pequenas e ensiná-las a coser à mão “ensinei-as a fazer bonecas de pano”, e assim “aprendiam a coser, fazendo a roupa das bonecas”. Elizabeth Santos participou também no projecto de carpintaria e de alfabetização funcional. “De manhã as pessoas iam aprender uma profissão, no caso era carpintaria e de tarde aprendiam português”. Como na missão em Fonte Boa não havia livros, “os seus livros eram os seus apontamentos. Por isso ensinava-lhes estenografia para que os apontamentos fossem o mais completos possível”. Em missão, Elizabeth aproveitou os seus conhecimentos profissionais ao serviço da ludoteca. “À Sexta e ao Sábado à noite, no refeitório do internato masculino, organizávamos sessões de cinema”. Nas aldeias, “muitos rapazes e raparigas ganhavam noção de um comboio ou de um avião através dessas sessões que organizávamos”, recorda entusiasmada. Timor, Dili Em 1999 dá-se o regresso a Portugal, mas por pouco tempo, pois nova missão esperava por Elizabeth. Desta vez um novo continente. Em Timor, precisamente em Dili, o ensino do português voltou a ocupar o seu tempo, mas agora a vários grupos. Na escola de São José ensinava português. Aos noviços jesuítas “ensinava inglês e estenografia”. E ajudou na preparação de bolsiros para Macau com o português. A costura foi também um projecto retomado em Timor com meninas entre os 7 e os 14 anos. Sendo países “totalmente” diferentes, Elizabeth Santos afirma que a adaptação em Timor não foi difícil. “São países diferentes, mas muito iguais ao mesmo tempo. Na carência e nas pessoas”, afirma sublinhando ser uma pessoa “que se adapta muito bem”. O difícil, explica, é a adaptação em Portugal, quando se regressa. “Voltar a este ritmo e a esta vida, e à indisponibilidade para estar ao serviço é que custa”. Tanto em Moçambique como em Timor, Elizabeth pediu para voltar e continuar os projectos. Não porque “os projectos ficassem interrompidos, nunca ficam”, sublinha, pois “têm sempre seguimento”. Mas uma “vontade própria, um sentimento de bem estar em missão, onde me sentia feliz”, ditou que estivesse três anos em Moçambique e quisesse permanecer mais tempo em Timor. Partir em missão “não é fácil”. Elizabeth Santos valoriza o tempo de formação para que “não se parta de ânimo leve ou levianamente”. Ao contrário assume o cuidado para “partir com a certeza que queremos ajudar”. Os anos de missão, tanto em Moçambique como em Timor, ajudaram Elizabeth a descobrir a sua vocação. “Descobri outra vocação no âmbito desta, que é o ensino”, afirma, acrescentando ter pena de não a ter descoberto mais cedo. A voluntária reconhece que não se trata de uma “realização de vida, até porque as pessoas podem não se realizar por muitos anos que vivam”. Afirma antes que partir em missão é “um apelo, uma vontade que tenho de estar ao serviço dos outros 24 horas por dia, que é algo que aqui eu não posso fazer”. República Centro Africana Em 2003 Elizabeth decidiu que “quando partisse novamente, estaria já reformada” Por isso, esperou alguns anos, para novamente entrar em formação agora através dos Missionários Combonianos, congregação através da qual parte em Janeiro para a República Centro Africana. Com a vida estabilizada a voluntária sente que “venho quando entender que devo vir. Estou mais livre”, sublinha. A ligação ao Missionários Combonianos aconteceu “na viagem à Terra Santa”. Quando Elizabeth decidiu ser missionária, “desconhecia o carisma desta congregação”. Mas foi nesta viagem que “me interessei por Comboni e pelo seu carisma e fiquei interessada em partir com eles”. No entanto, em 1993, não havia ainda formação para missionários leigos. “Por isso, encaminharam-me para os Leigos para o Desenvolvimento”. Hoje, o desafio da República Centro Africana por no mínimo dois anos, é encarado com “muita expectativa e já com saudades do que não conheço”. Ainda sem saber o que vai fazer “sei já que há para fazer”, conta entusiasmada. “Todos os trabalhos me empolgam, mas em especial, o trabalho com os pigmeus”, explícita. Elizabeth vai inclusivamente frequentar um curso na Cruz Vermelha, “para optimizar a minha ajuda”. Uma certeza Elizabeth Santos tem. “Vou nascer de novo”. Quando pisar a terra do país que a vai acolher a partir de Janeiro, “vou apaixonar-me pelas pessoas”. Os seus 61 anos permitem-lhe viver a missão de forma diferente. “Interrogo-me o que faria se fosse mais nova”, explica, sublinhando que a “experiência de vida ensina e dá outro sabor”. Mas aponta que o convite para a missão “tem de partir do coração”. “Quem nos envia é o coração, se fosse a razão, ninguém partia em missão”, afirma. O convite tem de ser “individualmente descoberto, não podemos partir atrás do que o outro faz”. A entrega de Elizabeth é tal que quando parte em missão “deixo um documento escrito onde manifesto a minha vontade de, se me acontecer alguma coisa ou perder a vida, quero lá ficar e não quero voltar”. Um doação que se esgota na total entrega e no não saber o que virá depois.

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