Vaticano: Papa denuncia «guerras ocultas» e questiona sistema internacional baseado no armamento

Entrevista à Rai, em Sexta-feira Santa, evoca vítimas da violência em todo o mundo

Foto: Vatican Media

Cidade do Vaticano, 15 abr 2022 (Ecclesia) – O Papa disse hoje, em entrevista à televisão pública italiana (Rai), que o mundo “está em guerra”, alertando para conflitos “ocultos” que acontecem em vários países por causa de uma lógica armamentista.

“Penso nas guerras ocultas, que ninguém vê, que estão longe de nós. Tantas. Porquê? Para explorar? Esquecemos a linguagem da paz: esquecemo-nos dela. Fala-se de paz. As Nações Unidas fizeram tudo, mas não tiveram êxito”, referiu, numa conversa de cerca de 50 minutos emitida nesta Sexta-feira Santa, no programa ‘À Sua Imagem’.

Francisco evocou em particular “a Síria, o Iémen, os Rohingya, expulsos, sem pátria”.

“Em todo o lado há guerra. O genocídio ruandês há 25 anos. Porque o mundo escolheu –  é difícil dizê-lo –  mas escolheu o esquema de Caim e a guerra é implementar o cainismo, ou seja, matar o irmão”, assinalou, evocando um episódio do primeiro livro da Bíblia, o Génesis, em que Caim mata o seu irmão Abel.

Neste momento, na Europa, esta guerra atinge-nos muito. Mas olhemos um pouco para mais longe. O mundo está em guerra, o mundo está em guerra!”.

No dia em que a Igreja Católica evoca a morte de Jesus, o Papa declarou que Cristo “está em agonia nos seus filhos, nos seus irmãos, sobretudo nos pobres, nos marginalizados, nas pessoas pobres que não se podem defender”.

“Na cruz estão os povos dos países da África em guerra, do Médio Oriente em guerra, da América Latina em guerra, da Ásia em guerra. Há alguns anos eu disse que estávamos a viver a terceira guerra mundial em pedaços. Mas ainda não aprendemos”, lamentou.

Francisco disse compreender” os governantes que compram armas”, por causa do atual sistema internacional.

“Não os justifico, mas compreendo-os. Porque temos de nos defender, porque [é] o esquema cainista de guerra. Se fosse um esquema de paz, isto não seria necessário. Mas vivemos com este esquema demoníaco, [que diz] para nos matarmos uns aos outros por causa do poder, por causa da segurança, por causa de muitas coisas”, advertiu.

Regresso ao Calvário. Lá, Jesus fez tudo. Ele tentou com piedade, com benevolência, convencer os líderes e [em vez disso] não: guerra, guerra, guerra contra ele! Por mansidão, opõem-se à guerra pela segurança. ‘É melhor que um homem morra pelo povo’, diz o sumo sacerdote, porque, caso contrário, os romanos virão. E a guerra”.

A conversa recorda as celebrações a que o Papa presidiu em cemitérios militares da Itália, na comemoração dos fiéis defuntos (2 de novembro), junto das vítimas das guerras mundiais.

“Vi e chorei”, confessa Francisco, pedindo que todos lembrem os 30 mil soldados mortos no desembarque da Normandia, na II Guerra Mundial.

“A guerra cresce com a vida dos nossos filhos, dos nossos jovens. É por isso que digo que a guerra é uma monstruosidade”, observou.

A entrevista aborda ainda a pandemia de Covid-19 e o momento de oração a que o Papa presidiu, no dia 27 de março de 2020, numa Praça de São Pedro vazia, aquando do primeiro confinamento.

“Procurava, sentia o drama daquele momento, de tantas pessoas”, lembrou.

Francisco deixou uma mensagem de esperança e deseja que a Páscoa seja um momento de “alegria interior”.

“Os meus votos são que não se perca a esperança, a verdadeira esperança –  que não desilude –, e pedir a graça de chorar, mas o choro da alegria, o choro da consolação, o choro da esperança”, acrescentou.

No final, a entrevistadora, Lorena Bianchetti, pergunta ao Papa como se deve viver a Sexta-feira Santa e, em particular, a hora em que a Igreja Católica recorda a hora da morte de Jesus, neste ano, e Francisco permanece em silêncio, visivelmente emocionado, sem responder.

OC

Vaticano: Papa diz que é preciso «chorar» diante das imagens da guerra

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