Vaticano: Papa começou a receber delegações de povos indígenas canadianos (c/vídeo)

Igreja Católica fala em visita «histórica»

Foto: Vatican Media

Cidade do Vaticano, 28 mar 2022 (Ecclesia) – O Papa recebeu hoje no Vaticano os primeiros dois grupos de representantes dos povos indígenas canadianos, uma dezena de delegados dos Métis e dos Inuit, respetivamente, acompanhados por bispos católicos.

“Cada encontro durou cerca de uma hora e foi caraterizado pelo desejo do Papa de ouvir e dar espaço às dolorosas histórias trazidas pelos sobreviventes”, refere uma nota da Santa Sé, enviada aos jornalistas.

O comunicado indica que “as reuniões e a escuta continuarão nos próximos dias de acordo com as informações já prestadas”.

O programa prevê reuniões pessoais do Papa com cada um dos três grupos de delegados – Primeiras Nações, Métis e Inuit – e uma audiência final, além de visitas a instituições da Santa Sé.

32 anciãos indígenas, sobreviventes de escolas residenciais e jovens estão no Vaticano para uma “viagem histórica”, segundo a Conferência Episcopal do Canadá (CCCB, sigla em inglês).

Os delegados foram selecionados em colaboração com a Assembleia das Primeiras Nações, o Conselho Nacional Métis e o Inuit Tapiriit Kanatami, com o objetivo de abordar “o legado das escolas residenciais e os impactos do colonialismo”.

“Como bispos canadianos, estamos gratos a estes delegados por caminharem connosco nesta jornada e ao Papa Francisco pela sua atenção ao seu sofrimento e o seu profundo compromisso com a justiça social”, disse o presidente do CCCB, D. Raymond Poisson.

Os encontros prosseguem ao longo desta semana, até 1 de abril, quando acontece uma audiência na Sala Clementina do Palácio Apostólico, “com a participação conjunta das várias delegações e da Conferência Episcopal do Canadá, durante a qual o Papa terá forma de intervir”, segundo o Vaticano.

Esta visita estava inicialmente programada para dezembro de 2021 e foi adiada devido à Covid-19.

Cassidy Caron, jovem da comunidade Métis, leu um comunicado evocando o “incalculável número de pessoas que partiram sem que a sua verdade fosse ouvida e a sua dor reconhecida

“O reconhecimento, as desculpas, estão atrasados, mas nunca é tarde demais para fazer a coisa certa”, disse.

Os participantes referiram ter visto “dor” nas reações do Papa, ao ouvir as histórias dos sobreviventes, esperando “ações reais pela verdade”.

Francisco, relatam os participantes, repetiu em inglês as palavras “verdade, justiça, cura, reconciliação”.

Já os representantes da comunidade Métis pediram ao Papa que permita acesso aos documentos mantidos no Vaticano, sobre escolas residenciais, “para entender a verdade completa”.

Angie Crerar, de 85 anos de idade, falou a Francisco da sua experiência de dez anos num internato nos territórios do noroeste canadiano, em 1947.

“Perdemos tudo, tudo, tudo, menos a língua”, disse aos jornalistas, após a audiência.

Citada pelo portal ‘Vatican News, Angie Crerar destacou a importância do abraço do Papa, que “apagou décadas de sofrimento”.

“Foi maravilhoso. Eu estava muito nervosa, mas quando falou comigo, ainda que eu não entendesse tudo o que ele estava a dizer, o seu sorriso, as suas reações, a sua linguagem corporal, fizeram-me sentir esse homem como um amigo”, relatou.

Foto: Vatican Media

Em outubro do último ano, o Vaticano anunciou que Francisco aceitou um convite da Conferência Episcopal do Canadá para visitar este país, inserida no processo de “reconciliação” com os povos indígenas.

Um mês antes, a Conferência Episcopal do Canadá publicou um “pedido inequívoco de desculpas” aos povos indígenas do território, numa nota em que aborda envolvimento histórico da Igreja Católica nas escolas residenciais.

“Juntamente com as entidades católicas que estiveram diretamente envolvidas no funcionamento das escolas residenciais e que já pediram as suas sinceras desculpas, nós, os bispos católicos do Canadá, manifestamos o nosso profundo remorso e apresentamos um pedido inequívoco de desculpas”, referem os responsáveis católicos.

OC

Em 2021 foram descobertas centenas de sepulturas anónimas junto de antigas escolas residenciais indígenas; várias destas instituições pertenciam à rede de escolas administrada pela Igreja Católica, destinadas à “reeducação” de crianças indígenas, com o apoio do Governo canadiano.

“Reconhecemos os graves abusos cometidos por alguns membros de nossa comunidade católica: físicos, psicológicos, emocionais, espirituais, culturais e sexuais. Reconhecemos igualmente, com tristeza, o trauma histórico e contínuo, bem como o legado de sofrimento e os desafios que perduram até hoje para os povos indígenas”, indicava o comunicado dos bispos católicos do Canadá, dirigido aos povos indígenas (Primeiras Nações).

A nota admitia que o sistema implementado nestes internatos, nos séculos XIX e XX, “levou à supressão das línguas, cultura e espiritualidade autóctones, sem respeitar a rica história, tradições e sabedoria dos povos indígenas”.

A 6 de junho de 2021, o Papa reagiu no Vaticano à descoberta de restos mortais de 215 crianças numa instituição católica.

“As autoridades políticas e religiosas do Canadá devem continuar a colaborar com determinação para fazer luz sobre este triste acontecimento, empenhando-se humildemente num caminho de reconciliação e cura”, apelou.

Em 2015, após sete anos de pesquisa, a Comissão de Verdade e Reconciliação do Canadá divulgou um relatório sobre escolas residenciais, revelando que entre 1890 e 1996 mais de 3 mil crianças morreram por causa de doenças, fome, frio e outros motivos.

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