Responsável português indica artistas como «cartógrafos atentos do visível» com um papel importante hoje, no mundo secularizado
Lisboa, 30 set 2022 (Ecclesia) – O cardeal José Tolentino Mendonça elegeu como primeiro desafio à frente do Dicastério para a Cultura e Educação a criação de “uma identidade” que nasça não da junção de duas instituições, mas que responda a uma realidade nova.
“Penso que o primeiro e maior desafio é estabelecer uma identidade. Uma identidade não nasce apenas da mera associação das duas instituições anteriores, mas da vontade de construir uma realidade operacional nova, coesa e inspiradora”, afirmou o Prefeito do Dicastério, em entrevista publicada hoje ao jornal digital ao Vida Nueva.
O Dicastério para a Cultura e a Educação é um novo organismo, que surge da reforma da Cúria Romana, promovida pelo Papa Francisco, assumindo as missões anteriormente confiadas à Congregação para a Educação Católica e ao Conselho Pontifício para a Cultura.
O organismo nasceu com a publicação da constituição apostólica “Praedicate Evangelium”, a 19 de março deste ano, que entrou em vigor no dia 5 de junho.
Na entrevista o cardeal português recorda ter recebido um telefonema do Papa pedindo a sua ajuda para este trabalho.
“Quem conhece o Papa Francisco sabe que ele fala com a simplicidade e os modos daquele pescador da Galileia chamado Pedro. Não faz discursos longos. Ligou-me e perguntou se eu poderia ajudá-lo no trabalho. Há sabedoria neste modo de proceder, pois descreve as várias missões como uma colaboração na missão maior, que é a da própria Igreja”, destacou.
D. José Tolentino Mendonça fala da literatura como uma “escola de encarnação” vital para o cristianismo, que a “teologia contemporânea ouviu”.
“A originalidade da palavra literária está no facto de não optar por se expressar através de categorias abstratas e isentas ou fixar-se no mundo das ideias: ela veicula a riqueza, a polifonia e o drama da experiência”, explica.
O cardeal e poeta indica que o trabalho artístico tem, todo ele, um “significado espiritual” e que hoje os artistas são “cartógrafos atentos do visível” com um papel importante hoje, no mundo secularizado.
“Os artistas (categoria na qual os escritores estão naturalmente incluídos), sendo cartógrafos atentos do visível, ensinam-nos a escutar o mistério, a considerar a sua potência. Num mundo secularizado, os artistas tornam-se, mesmo inconscientemente, mistagogos, professores informais ou inspirados nos caminhos interiores”, sublinha.
Com a nomeação, D. José Tolentino Mendonça deixa o cargo de arquivista e bibliotecário da Santa Sé, função que assumiu em 2018, quando foi nomeado arcebispo pelo Papa Francisco.
“Foi um enorme privilégio trabalhar em instituições como a Biblioteca e o Arquivo Apostólico, que nos aproximam de forma tão direta, intensa e objetiva da historicidade do cristianismo e da busca humana do conhecimento. Um arquivista e bibliotecário é uma espécie de embaixador do Papa, não perante um país, mas perante a humanidade”, explicou.
Para D. José Tolentino, a biblioteca “não é apenas uma coleção do passado que deve ser protegida”, mas participante na “construção do presente e do futuro”.
“Recordo que, quando o Papa Francisco nos visitou pela primeira vez, deixou-nos esta mensagem: «A dimensão da memória faz, sem dúvida, parte da estrutura da vossa missão, mas também faz da biblioteca um bom lugar para ir para até ao futuro»”, indica.
Na entrevista, D. José Tolentino recorda o estímulo que a vida universitária lhe conferia, inserindo-o num espirito de “abertura e investigação”, dando espaço e conferindo importância “às perguntas”.
“Na missão que me foi confiada na Cúria Romana, é verdade que continuo a manter uma relação com o ambiente universitário, mas a Cúria eleva novas dimensões. A constituição apostólica Praedicate Evangelium explica muito claramente como inserir a atividade da Cúria no serviço missionário de Pedro, no contexto da conversão missionária da Igreja à vida recíproca de comunhão que é a sinodalidade”, finaliza.
LS