Valorizar a vida e missão das mulheres

Intenção do Papa para o mês de Março «Que a vida e missão das mulheres sejam sempre mais apreciadas e valorizadas em todas as nações do mundo» 1. Mentiras muito convenientes Espalham-se com a facilidade do pó, em dias quentes, ventosos e secos. Colam-se à inteligência como o pó se agarra à roupa e acabam a fazer parte dos discursos, dos slogans, das ideias feitas, alimento de quem gasta pouco tempo a pensar. Sobre a mulher, o Cristianismo e a Igreja, não faltam mentiras destas, convenientes para certos grupos e cómodas para os adeptos do pensamento débil e das causas à flor da pele: o Cristianismo sempre discriminou e continua a discriminar as mulheres; a Igreja nega às mulheres o «direito» ao sacerdócio; o casamento é uma invenção cristã como instrumento de dominação das mulheres; as doutrinas da Igreja sobre a sexualidade perpetuam a dominação da mulher por parte do homem; a oposição da Igreja ao aborto é uma intromissão indevida na liberdade da mulher… Há para todos os gostos e raramente quem faz este tipo de afirmações se esforça por ir além do slogan – porque este é bem mais rentável e eficaz. 2. Verdades bastante inconvenientes Os primeiros textos que se conhecem estabelecendo uma igualdade radical entre homem e mulher são bíblicos: o primeiro capítulo do Génesis, com o relato da criação do homem e da mulher, ambos «à imagem e semelhança de Deus» (1, 26-27); as Cartas de S. Paulo, que em diversas passagens estabelece a igualdade radical entre homem e mulher, em Cristo (cfr. Gálatas 3, 28); e, pelo meio, o extraordinário testemunho dos Evangelhos sobre o modo como Jesus tratava as mulheres com quem Se relacionava, sem nenhum menosprezo ou inferiorização. As culturas onde floresceram tais intuições sobre a igualdade fundamental entre homem e mulher não assimilaram nem praticaram plenamente a revelação recebida? Sem dúvida – mas essa é uma lei da própria revelação e aplica-se a todos os aspectos da mesma. Também aí se vê quanto a presença do pecado e do poder do mal condiciona pessoas e culturas e atrasa, quando não impede, o acolhimento e a vivência da revelação. Isso não pode, porém, ofuscar o fundamental: as culturas marcadas pela tradição judaico-cristã – e sobretudo pela tradição cristã – enraizaram-se num solo que lhes permitiu, após longa e penosa maturação, pensar e levar à prática novas atitudes para com a mulher e o seu papel na sociedade. Noutras culturas, alheias a esta tradição, isso não aconteceu – e o resultado vê-se ainda hoje. 3. Contradições A discriminação das mulheres continua a ser uma realidade, entre nós e noutras paragens. Em alguns aspectos, é nas sociedades onde mais se afirma a igualdade da mulher que a sua dignidade é mais violada: discriminação salarial; violência doméstica; assédio sexual; tráfico de mulheres para prostituição ou trabalho escravo; degradação moral e física por motivos económicos; comportamentos indelicados ou mesmo ofensivos… Tudo isto, nas nossas sociedades pretensamente libertadas de tabus, de ignorâncias e de constrangimentos impostos às mulheres. A acção do poder do mal no mundo passa também por aqui… e passa por aqui a necessidade urgente de conversão e mudança de vida. A sensibilidade individual e colectiva para estes temas tem aumentado muito entre nós – e muito progresso se fez, quer no âmbito das leis, quer no dos comportamentos. Muito há ainda a fazer – e não será fácil nem rápido. Importa, porém, não confundir os planos. Há extremismos, também nestas questões, cujas propostas degradam mais do que libertam a mulher: a anulação da diferença entre homem e mulher, reduzida a mero «acidente» biológico; a promoção do homossexualismo feminino como libertação face ao homem; a identificação da saúde reprodutiva da mulher com o pretenso direito ao aborto a pedido; a banalização das relações afectivas, identificada com a libertação de tabus sexuais; a destruição da maternidade… 4. «No princípio…» A valorização da vida e missão das mulheres não acontecerá como um facto isolado ou apenas como produto de leis justas – embora estas sejam necessárias, pois a vida em sociedade rege-se por leis. A valorização da vida e missão das mulheres é, em primeiro lugar, uma questão de valores. Estes implicam educação das inteligências e das vontades, mas não se reduzem a isso. Há um modo de ser homem e de ser mulher vivido, sobretudo, na família normalmente constituída, sem o qual a educação pode pouco. Esse modo de vida exprime-se em atitudes de respeito absoluto pela dignidade da pessoa, de cada pessoa. Onde encontrará cada um o fundamento desta dignidade, é questão em aberto. Por mim, não vejo nenhum mais fundo do que a afirmação bíblica citada antes: «Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher» (Génesis 1, 27). Tudo o mais, é consequência desta radical e igual dignidade – e esta, primeiro vive-se, depois aprende-se e, espera-se, continuará a ser vivida. Elias Couto

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