Uma Presença

1. O «Ano da Eucaristia» chamava à redescoberta de uma presença. Toda a Igreja era convidada a «contemplar o Rosto de Cristo» (João Paulo II), descobrindo neste Rosto aquilo que a define como comunidade: gente salva pelo mistério da encarnação, morte e ressurreição de Jesus; gente que vive da fé neste mistério; gente que olha o mundo como lugar onde está a acontecer o Reino de Deus que aquele mistério inaugura e, de algum modo, leva ao seu pleno cumprimento; gente que, por isso, vive o compromisso da transformação do mundo não a partir de uma qualquer ideologia, mas a partir do amor concreto aos irmãos, sobretudo aos mais necessitados, amor cujo modelo é Jesus Cristo; gente que acredita neste Jesus, presente aqui e agora, de muitos modos, mas particularmente no sacramento da Eucaristia, sacramento da sua «presença real». 2. Importa reter esta «presença real». Durante séculos, a catequese católica enfatizou a presença eucarística de Jesus, dizendo da Eucaristia que aí estava Jesus «em corpo, alma e divindade, tão real e perfeitamente como está nos céus». Nos últimos decénios, passou-se a uma consideração mais «simbólica» da «presença real». E perdeu-se em sentido de adoração aquilo que se ganhou em familiaridade, por vezes pouco esclarecida – ao ponto de a fé na presença real de Cristo no sacramento parecer esmorecida, dando oportunidade a modos de celebrar o sacramento menos dignos e, até, ao abandono das celebrações, porque «não diziam nada». O «Ano da Eucaristia» pode ter ajudado a recen-trar os fiéis no mistério eucarístico, devolvendo-os a um contexto em que a familiaridade não anula, antes potencia, a adoração, como escreve João Paulo II: «A fé pede-nos para estarmos diante da Eucaristia com a consciência de que estamos na presença do próprio Cristo. É precisamente a sua presença que dá às outras dimensões – de banquete, de memorial da Páscoa, de antecipação escatológica – um significado que vai muito além de um puro simbolismo» (Mane nobiscum Domine, nº 16). Neste contexto, é significativo que, durante este ano, muitas comunidades tenham redes-coberto o valor da «adoração eucarística», como tempo dado à contemplação do mistério de um Deus presente sob a humilde forma de pão – contemplação rica de ensinamentos para a vida quotidiana e o serviço aos irmãos. 3. Esta é uma presença que merece ser celebrada. Diante do mistério euca-rístico, não faz sentido nenhuma desvalorização da celebração quotidiana e, sobretudo, dominical, do sacramento. Na verdade, é porque celebra que a Igreja recebe como graça esta presença de Jesus e pode, verdadeiramente, abismar-se na adoração contemplativa do mistério. Terá o Ano da Eucaristia ajudado os católicos a assumir em plenitude a participação na Eucaristia dominical, não como fardo pesado mas como exigência de quem ama e não pode passar sem o encontro com a pessoa amada? Só o futuro o poderá dizer. Terá o ano da Eucaristia ajudado as comunidades a assumir como exigência própria a revita-lização da celebração eucarística dominical e a sua valorização como centro de toda a vida comunitária? Em muitos casos, foi visível um empenho renovado neste sentido, que se espera ganhe em profundidade e promova a qualidade das celebrações eucarísticas, tornando-as cada vez mais expressão viva da fé que anima as comunidades. 4. Um acontecimento como o Ano da Eucaristia não é passível de balanço. O seu objectivo era, segundo João Paulo II, dar continuidade àquilo que vinha sendo feito desde os anos de preparação do Jubileu do Ano 2000 e nos anos seguintes. Tratava-se de sensibilizar as comunidades católicas para a «originalidade eucarística» da sua vida de fé – que deve ter consequências na vida quotidiana. Esta originalidade não termina com o Ano da Eucaristia, pelo contrário, espera-se que tenha saído dele mais conhecida e melhor vivida. Porque «a Igreja vive da Eucaristia» e não será fiel à sua missão ignorando o mandato do Senhor Jesus: «Fazei isto em memória de Mim». Elias Couto

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