Uma pergunta ou duas para perceber o Papa

Octávio Carmo, Agência ECCLESIA

“A tradição cristã nunca defendeu tal direito como algo absoluto e intocável; pelo contrário, sempre o entendeu no contexto mais vasto do direito comum de todos a utilizarem os bens da criação inteira: o direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens"

“Queria recordar a todos, sobretudo aos governantes que estão empenhados a dar um perfil renovado aos sistemas económicos e sociais do mundo, que o primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade”

 

‘A mim, que me importa?’. A pergunta que o Papa colocou na boca da humanidade de todos os tempos, ao visitar um cemitério militar, condensa a sua preocupação de fundo com a globalização da indiferença. É à luz dessa preocupação que devem ser lidas as suas intervenções ‘sociais’, livres das roupagens ideológicas de que muitos as querem revestir, sobretudo quando a denúncia é demasiado incómoda.

A encíclica ‘Laudato si’ veio mostrar mais uma vez que o suposto unanimismo em volta de Francisco é um mito. Muitos vieram a público, prontamente, rasgar as vestes, em sinal de protesto, mostrando nalguns casos um total desconhecimento da Doutrina Social da Igreja – erro imperdoável para quem se diz católico.

O documento mereceu mesmo um ataque preventivo (especialidade da família Bush) por parte de setores conservadores nos Estados Unidos da América e gerou o pânico em quem julga que o atual Papa está a ir longe demais.

A ingenuidade ou a ignorância – que se estendem a quem lê o pontificado de Francisco numa chave de novidade constante, mesmo quando repete o que os seus predecessores já disseram – não justificam, no entanto, que tantos o reduzam a um “soundbite” qualquer. Pior ainda, que se critique o seu alegado silêncio sobre matérias em que a sua voz tem feito ouvir de forma sistemática, na defesa da vida e da família.

Quando um Papa fala sobre o futuro da humanidade, a preservação dos recursos naturais, o aquecimento global ou a pobreza, apelando ao diálogo com todos, é manifesta má vontade entender que a solução é calá-lo. Em última instância, o grande problema é saber se estamos dispostos a responder às questões ‘A mim, que me importa? Sou, porventura, guarda do meu irmão?’.

P.S. – As duas citações com que o texto se inicia são de João Paulo II e Bento XVI. As intervenções de Francisco sobre o ambiente ou a crise grega, como se vê, não são invenções suas nem um capricho sul-americano. Longe disso.

Octávio Carmo

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top