Um olhar para a África e a América Latina

A um Papa que ‘veio de longe’ (do Leste da Europa, do lado de lá do Muro de Berlim e da cortina de ferro) diziam muitos que sucederia um Papa que viria do Sul (da África ou da América Latina). Veio um Papa da Alemanha ou, talvez melhor dito, de dentro dos muros do Vaticano. De facto, os desígnios do Espírito Santo são mesmo insondáveis. Os que defendiam a eleição de um Papa de fora da Europa desejavam que o eurocentrismo que tem marcado o governo da Igreja católica pudesse dar lugar a uma perspectiva mais universal. Se João Paulo II mudou a agenda dos grandes deste mundo, obrigando-os a olhar para a situação que se vivia do outro lado do Muro, um Papa africano levaria o mundo a focar as suas preocupações na realidade que se vive em África e o mesmo aconteceria em relação ao continente latino-americano se fosse eleito um Papa da América Latina. Mas o Conclave elegeu Bento XVI e é com ele a Pastor que a Igreja vai cumprir a sua Missão até quando Deus quiser. Remadores contra a corrente Como Missionário, o meu coração tem andado muito pelas periferias da História, lá onde parece que as pessoas contam pouco (são quase estatística!), sendo atiradas para as margens, fazendo parte daqueles a quem o Prof. Adriano Moreira coloca no lote dos ‘dispensáveis’, porque parece que o mundo passa bem sem eles! Tive já a oportunidade de acompanhar compromissos de missionários em Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe, Congo-Brazzaville, República Democrática do Congo, Zimbabwe… bem como nas montanhas indígenas do México (Huasteca Potosina e Chiapas) e nas regiões mais problemáticas do Brasil (Nordeste, periferias do Rio de Janeiro e de S. Paulo). Nestes momentos de encontro com pessoas e comunidades muito concretas, pude experimentar o palpitar da Fé de autênticos remadores contra a corrente que, em muitos casos, esperam contra toda a esperança. Um olhar para a África e América Latina A África e a América Latina, até agora tratadas como periferias do mundo ocidental e até da Igreja, têm muito a dar á Igreja universal. Têm comunidades muito jovens, estão em franco crescimento numérico, a maturidade das comunidades vai aumentando, há muitos vocações à vida sacerdotal, religiosa e missionária, têm culturas marcadas pela alegria de viver e celebrar. Em suma, em África e na América Latina, viver é uma festa e Deus nunca está ausente do quotidiano das pessoas. Em contrapartida, a situação política e social é muito instável em boa parte dos países, há guerra e violência em muitas áreas destes continentes, os relatórios da Amnistia Internacional e outras organizações mostram muitas violações dos direitos humanos, muitas pessoas vivem em extrema pobreza, a invasão de novos movimentos religiosos está a crescer, o relacionamento entre as comunidades católicas e outras comunidades cristãs e religiões nem sempre é dialogante. São luzes e sombras que devem merecer uma preocupação especial por parte de Bento XVI. Assim, o Papa devia continuar os esforços para a pacificação dos países marcados pela guerra e pela violência. Tem sido notável a intervenção da Igreja Católica nestes contextos e, em muitas situações, a Igreja é a única instituição que fica quando todos fazem as malas e fogem a correr em debandada. Muitos dos mártires conhecidos da Igreja nascem dos compromissos de fronteira em África e na América Latina. Na minha opinião, o Papa devia continuar a investir, apoiando as Igrejas locais, na luta contra a corrupção instalada em muitos países. As populações são espoliadas das suas riquezas e são condenadas a viver em condições infra-humanas, enquanto alguns governantes e empresários se tornam senhores absolutos e incontestáveis do património do povo. Parece-me igualmente importante, que seja apoiada a formação dos futuros padres, religiosos(as) e agentes de pastoral. Regra geral, em países pobres, os Seminários e Casas de Formação não têm meios humanos e técnicos suficientes para uma formação humana integral. E a Igreja ressente-se. Há que insistir muito no diálogo ecuménico e inter-religioso. Para tal, é necessária uma formação sólida e convicções profundas, aliadas a uma grande capacidade de diálogo. A pacificação das populações e a credibilidade da Igreja jogam-se muito aqui. Também no âmbito da solidariedade e da defesa dos direitos humanos, o ecumenismo e o diálogo inter-religioso têm uma palavra a dizer. A Igreja tem de estar do lado do mais pobres e ajudá-los a ter acesso à educação, à saúde, a um mínimo de condições de vida digna. Enquanto o mundo se dividir em duas partes (os que têm mais barriga que jantar e os que têm mais jantar do que barriga – como escreveu Amartya Sen, Nobel da Economia), há que investir na justiça social, profundamente evangélica. A herança de João Paulo II Gostaria que Bento XVI desse continuidade a algumas apostas de João Paulo II, a quem presto homenagem: – Apostou no empenho pela justiça, paz e direitos humanos. Disse que ‘não há paz sem justiça e não há justiça sem perdão’. Para evitar o início da guerra no Iraque, lembrou que ‘a guerra é sempre uma derrota da humanidade’. Em Angola, gritou no Huambo: ‘Nunca mais a guerra, paz a Angola para sempre!’. – Tentou unir as Religiões pela Paz. O Encontro de Assis é, para o mundo inteiro, um símbolo de comunhão entre as grandes famílias religiosas, unidas em oração pela causa da Paz. A onda cresceu e multiplicaram-se as iniciativas que valorizaram o diálogo ecuménico e inter-Religioso. – João Paulo II quis olhar os jovens como presente e futuro da Igreja. Disse que ‘a Igreja só será jovem quando os jovens forem Igreja’ e foram milhões os que participaram nas Jornadas Mundiais da Juventude que se realizaram já nos cinco continentes. – Ninguém como João Paulo II soube lidar com os media ao serviço do Evangelho. O modo como cobriram as suas viagem apostólicas e, no fim, a sua agonia e exéquias, foi uma prova evidente de que a sua figura se tornou incontornável para a agenda das televisões, rádios e imprensa. – No longínquo ano de 1978, o Cardeal Karol Wojtyla, confiou-se a Maria. Esta devoção fê-lo percorrer todos os grandes santuários marianos do mundo, alguns deles em terras de África e da América Latina. Bento XVI tem uma pesada herança para gerir. Queira o Espírito Santo que ele seja digno dela. Tony Neves Missionário Espiritano

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