Um caminho de conversão

O caminho é uma palavra que todos os dias cruza a vida da humanidade. Aparece em todas as culturas a evocar o mais profundo da humanidade. O caminho representa o ser mais verdadeiro do homem e da mulher. O caminho que se apresenta é um caminho de liberdade, de decisão – é assim que a vida se concretiza. Ao longo da história da humanidade, incontáveis foram as pessoas que se puseram a caminho. Crentes e não crentes, pessoas de todas as idades e condições sociais, sentiram necessidade de fazer a experiência do caminho. Para vários locais, seguindo diferentes caminhos, se faz um percurso. Mas peregrinar não é só ir a um lugar especial. É uma viagem de quem quer fazer uma descoberta, um itinerário espiritual. “Quisemos peregrinar com um objectivo e com base em algo”, adianta o Pe. António Machado, pároco de Vale de São Martinho, em Vila Nova de Famalicão a coordenar um grupo de 18 pessoas destinadas a Santiago de Compostela. Uma experiência que surge a partir de outras anteriores. Esta é a quarta vez que o Pe. António Machado se põe a caminho de Compostela em peregrinação. “A pedido de muitos dos que compõem o grupo, e que estão a caminho de Santiago, surgiu um grupo, pequeno. Outros próximos se foram juntando e surgiu assim espontaneamente se chegou a 18 pessoas”, relembra. As proveniências sejam diversas – Esposende, Vila Nova de Famalicão, Braga e Viseu. Às diferentes origens se juntam as diferenças na participação em Igreja – “os peregrinos têm já um caminho de participação em movimentos eclesiais como o escutismo, o Movimento Shalom, a Acção Católica, são catequistas também”, explica. Ir às origens Por isso sem reticências o responsável pelo grupo assume que “a primeira motivação nesta peregrinação é a fé”. A ela se juntam outras por acréscimo, nomeadamente “a comunhão com a natureza, o contacto com a cultura e a arte”, mas a fé surgiu naturalmente, “não foi um requisito imposto ao grupo, mas é assumido por todos”. Daí que os 18 se juntem em momentos de oração de manhã e ao final do dia, tenha planeadas celebrações eucaristias para dois dias do caminho, assim como reflexões que vão orientando os dias, disponíveis no guião. As motivações de fé facilmente se percebem nas pessoas. “Este ano, a motivação de fé é muito clara”. Motivações diversas há sempre, “cada um tens as suas e são íntimas, mas na base está a fé”. O encontro com Cristo une as pessoas, porque como explica o organizador da peregrinação “ir ao túmulo não é pelas ossadas ou pelos eventuais restos mortais que ali estejam, é antes ir à origem da própria Igreja. Ir ao túmulo do apóstolo assume o significado de ir às origens”, apesar da rica simbologia dos túmulos dos cristãos. O Pe. António Machado, a repetir a experiência pela quarta vez, relembra o contacto com alguns que iniciaram o percurso por razões culturais, “outros que não sabem bem porquê, mas deixam-se cativar”. Por mais variadas motivações “válidas humanamente, os peregrinos acabam por ter um encontro com Deus”. Começando como turistas, “acabam por se tornar peregrinos”. Um livro por escrever A nível pessoal “é uma experiência exigente”, afirma o Pe. António Machado, “física e emocional”. As pessoas que acompanha também o solicitam espiritualmente. Uma exigência física e emocional de doação mas “onde também recebo muito. Se eu escrevesse histórias de peregrinos já teria um grande património de gente que tem feito este percurso”. Em 1989 o Pe. Machado, então pároco de Vila Verde, punha-se a caminho com cerca de 20 peregrinos pela primeira vez. Naquela altura “era tudo muito diferente”. Recorda a experiência apesar da inexperiência. “Foi muito voluntário e um pouco de qualquer maneira”, relembra. Na altura com “muito menos sinalização”, iniciaram o trajecto em Vila Verde e fizeram o percurso em 12 dias. Sem albergues seguiam sem conhecer nada e pediam dormida nas paróquias ou em casas de agricultores. “Éramos bem acolhidos”. O caminho foi depois sofrendo mudanças com o aumento dos peregrinos e da procura de acolhimento. Recorda a experiência como “selvagem” e porque enquanto peregrinação havia despojamento. “Em 20 anos muita coisa muda. Hoje as condições são diferentes”. Peregrinar, na altura, era feito a Fátima quase em exclusivo. O Pe. António Machado recorda que foi com as Jornadas Mundiais da Juventude em Santiago de Compostela com o então Papa João Paulo II. Foi a partir da sua participação nas JMJ que “constatei as pessoas que vinham a Santiago”. Menos sinalização, “não tínhamos carro de apoio, levávamos tudo às costas”, são factos que recorda e o ajudam a contextualizar uma experiência “rica e feita com muito entusiasmo”. E recorda que essa experiência em 1989 “marcou os jovens” na altura. Sublinha a grande generosidade por parte das pessoas há 20 anos. Sem saber porquê “não se fez mais”, mas esta caminhada ficou-lhe nas recordações. Um caminho de conversão Histórias são muitas. O pároco de São Martinho do Vale recorda em especial um jovem com quem se cruzou numa das peregrinações. “Num albergue no Porriño ele juntou-se ao grupo”. Recorda que o rapaz a fazer o percurso sozinho afirmava-se agnóstico e “com uma grande crise de fé. Estava desorientado na vida”, recorda. Foi percebendo que o grupo do Pe. António Machado da altura, rezava e celebrava a eucaristia. Foi-se aproximando ao ponto de se juntar e fazer o caminho em conjunto. “Sei que hoje ele reencontrou a fé e sente-se feliz”. O pároco de São Martinho do Vale acredita que o caminho “nesse ano deu-lhe a volta à vida, sendo início de uma mudança”. O caminho de Santiago é sobretudo “um percurso de conversão”. O peregrinar de um cristão é um percurso de transformação interior. Quando se caminha sozinho ou acompanhado “vamos reflectindo, longe da nossa vida do dia a dia, estamos mais despojados, mais abertos e disponíveis”. O cansaço também ajuda a tornar “mais humildes e mais abertos a Deus”. Projecto de evangelização Por tudo isto vale a pena congregar as pessoas em torno do caminho. “Incentivo as pessoas a organizarem-se nas paróquias”. E adianta mesmo que se devia “aproveitar o que já se faz, as caminhadas a São Bento da Porta Aberta, ao Sameiro, a Santiago e valorizar essas iniciativas, dando conteúdo e com melhor organização. “Aliando um tema, reforçando a componente espiritual e pastoral, esta pode ser uma verdadeira catequese e uma boa forma de evangelização”, explica o Pe. António Machado. As peregrinação não são recentes, apesar de alguma moda que possam ter ganho recentemente. “Mas há um peregrinar cristão, que podemos aproveitar melhor e direccionar o que já existe e já se faz”. Uma peregrinação que não escolhe idades, pois jovens e adultos deixam-se seduzir pelos trilhos do caminho.

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