Ucranianos alteraram o paradigma da imigração

Sabe quantos imigrantes ucranianos se encontravam legalizados em Portugal antes do ano 2000? Não chegavam às duas centenas. Hoje são perto de 65.000 cidadãos. A maioria encontra-se em fase de progressiva integração social comprovada pelo sucesso na aprendizagem da língua portuguesa, adaptação polivalente ao mercado de trabalho, níveis de sucesso na escolarização dos seus filhos e pelo número de associações surgidas nos últimos anos. A vaga imprevista dos europeus de leste, entre os quais os ucranianos são a maior comunidade, mudou em 2001 o panorama migratório português e a imagem que até àquela década o português tinha do imigrante: pessoa negra, oriunda das colónias, lusófono e com raros casos de formação superior. Diante da diversificação da imigração no país provocada pela chegada massiva dos fluxos de cidadãos, com proveniência no Leste europeu (Ucrânia, Moldávia, Rússia, Roménia e Bulgária, entre outras) e já em trânsito demorado pela Europa central – aliciados, em geral, por agências de viagens e redes transportadoras que promoviam Portugal como destino de trabalho – o perfil do imigrante muda radicalmente. O imigrante passa também a ser também o loiro, branco, com dentes de oiro, que fala uma língua não latina e que, apresenta graus altos de qualificação académica. Portugal descobre-se multicultural e multilinguistico de um ano para o outro, como numa surpresa. Muitos deles vão passar pelas mesmas dificuldades sociais e económicas por que passaram os africanos quando chegaram a Portugal após a descolonização no final dos anos 70, ou então os outros africanos e brasileiros que decidiram emigrar para Portugal, nos anos noventa. Todos reconhecem que o País não estava preparado para “acolher” este fluxo de pessoas, muitas delas em situação de irregularidade devido à desadequação da lei ao fenómeno migratório e pelo facto de com os imigrantes do leste terem também chegado “novas” formas de violência individual ou organizada que encontravam no “tráfico” de pessoas para fins de trabalho ilegal e informal um negócio muito rentável. Hoje, passados 6 anos, tudo mudou e neste momento não se sente a chegada de grande novos contingentes de imigrantes desta parte da Europa. Actualmente o maior fluxo de chegadas corresponde a cidadãos do Brasil e de outros países da América Latina. E porque a pressão migratória parece, ao menos por enquanto, ter abrandado, o governo abriu uma discussão pública para que a sociedade civil se pronuncie sobre o anteprojecto da nova lei da imigração. Na verdade, os ucranianos trouxeram consigo também o seu património cultural e, sobretudo, religioso que está a mudar a geografia das religiões em Portugal. A maioria é de confissão cristã ortodoxa, apesar de serem muito elevados os níveis de descristianização e ignorância religiosa devido á situação politica no passado recente. A Igreja ortodoxa distribuída pelos vários Patriarcados actualmente existentes no designado Oriente encontra-se numa fase intensa de organização e de fundação de comunidades do Ocidente, mais precisamente na península ibérica. Os católicos não ficaram indiferentes a este facto e aceitaram dar sinais concretos de colaboração e de diálogo. A Igreja Católica, mas, de modo especial, as dioceses de Porto, Lisboa, Leiria-Fátima, Algarve e Évora procuraram dar respostas adequadas à presença de comunidades consistentes de ortodoxos e de católicos de rito oriental nos seus territórios de missão. Assim, no ano 2001, a convite da diocese de Lisboa, chega a Portugal o primeiro sacerdote ucraniano católico de rito oriental (Ordem de S. Basílio) para o apoio espiritual aos seus conterrâneos. O trabalho foi crescendo e a sensibilidade pastoral foi-se intensificando ao ponto de, existirem actualmente, já 7 sacerdotes para os católicos orientais ucranianos. Quanto aos ortodoxos não é possível contabilizar pois a liberdade religiosa é um facto assumido pela Igreja e pelo país. Contudo, tem também havido por parte da Igreja católica um certo diálogo com vista à cedência permanente ou temporária de espaços de culto. Há acordos em várias dioceses com a Igreja ortodoxa romena, russa, ucraniana, grega e está em negociação a abertura de um espaço também para os ortodoxos búlgaros. No entanto, temos conhecimento de que existem outros sacerdotes ligados a Patriarcados que circulam pelo país pois há notícias de celebrações realizadas, sobretudo, nos períodos fortes do Natal e Páscoa. A imigração ucraniana veio alterar o modo de pensar e de ser católico pois os padres católicos que vieram até nós para servir os imigrantes não são celibatários, e têm uma outra liturgia e ritos diferentes. Também veio estimular, apesar de ainda ser muito tímido e pouco aprofundado, o diálogo ecuménico dos católicos com a comunhão cristã ortodoxa. Antes da chegada dos imigrantes ucranianos e do leste, em geral, os ortodoxos tinham muito pouca expressão no país. Os ucranianos abriram em Portugal um novo ciclo migratório fazendo desta terra, de onde também continuam a partir milhares de portugueses todos os anos, uma terra de acolhimento para qualquer tipo de imigração sem raízes na cultura e comunidade lusófona. Ontem os ucranianos, hoje os chineses e brasileiros, e amanhã quem Deus quiser. Para Portugal as migrações serão sempre uma dádiva a acolher e a integrar em sintonia com a nossa história e memória de povo atravessado desde a sua origem nacional pela mobilidade humana. Rui M. da Silva Pedro

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