Ucrânia: «Está em causa um valor que é de toda a humanidade» – Pedro Vaz Patto

Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz explica vários tipos de crime do Direito Penal Internacional, perante imagens que chegaram da cidade de Bucha

Foto: Lusa/EPA

Lisboa, 05 abr 2022 (Ecclesia) – O juiz desembargador Pedro Vaz Patto, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), considera que “há indícios, pelo menos”, de que estão a ser de crimes de guerra e crimes contra a humanidade na Ucrânia.

“É importante que se declare que o que está em causa não diz respeito apenas à Ucrânia. Se está em causa um crime contra a humanidade, o nome é significativo: está em causa um valor que é de toda a humanidade”, disse hoje à Agência ECCLESIA.

“Nem que seja para que a situação não seja esquecida e que seja definida, em termos claros, como um crime contra a humanidade, mesmo que depois nem se consiga identificar as pessoas. Do ponto de vista pedagógico é importante que situações não fiquem esquecidas, e esteja nos livros de História como algo que afetou a humanidade no seu todo”, acrescenta.

No âmbito das imagens que chegaram da cidade de Bucha, na região de Kiev, onde muitos corpos foram descobertos após a partida das forças russas, o juiz desembargador contextualiza que o Direito Penal Internacional configura vários tipos de crime “que podem estar ali verificados”, nomeadamente o crime de guerra, isto é, “o homicídio intencional de uma população não combatente durante uma guerra”.

Mais grave ainda é um crime contra a humanidade, quando este ataque à população civil é um ataque generalizado sistemático. Há quem fale num genocídio, é ainda mais grave, é a tentativa de destruição sistemática de um grupo ou uma parte significativa de um grupo étnico ou nacional. Parece-me que em rigor será difícil verificar-se isso”.

O entrevistado lembra que, em termos práticos, a Rússia e a Ucrânia “não são Estados que tenham subscrito os acordos de Roma”, que instituiu o Tribunal Penal Internacional, mas enquanto a Ucrânia “aceita a jurisdição”, a Rússia não.

“Serão responsáveis quem executa os crimes, mas também quem dá ordens no sentido de serem praticados. E as estas ordens podem vir dos mais elevados, se se verificar que esta prática corresponde a uma estratégia num plano hierárquico mais superior, que pode ser do responsável máximo do Governo, Vladimir Putin”, desenvolve.

Pedro Vaz Patto acredita que quem apoia o governo na Rússia não está “verdadeiramente consciente” do que está a acontecer na Ucrânia, desde começou a guerra com a invasão militar do país a 24 de fevereiro, e “destas violações dos Direitos Humanos que se estão a praticar”.

O juiz desembargador explica que os julgamentos no Tribunal Penal Internacional “não podem ser feitos à revelia, na ausência da pessoa acusada”, e nesse aspeto a hipótese de o processo chegar ao fim “é pouco provável”.

“Se alguma dessas pessoas estiver em Portugal pode ser julgada, porque há uma jurisdição internacional em relação a este tipo de crimes”, acrescenta.

Segundo a procuradora-geral da Ucrânia, pelo menos, 400 civis foram mortos e uma vala comum foi encontrada ainda aberta em Bucha, com edifícios destruídos, veículos queimados e corpos pelas estradas.

O embaixador russo nas Nações Unidas afirmou que “nem um único residente de Bucha sofreu qualquer violência às mãos dos russos” e falou em “encenação”, dados desmentidos por órgãos de comunicação social internacionais que analisaram vídeos e fotografias das centenas de corpos estendidos nas ruas da cidade com as imagens de satélite do local.

CB/OC

O presidente da CNJP, organismo da Conferência Episcopal Portuguesa, adianta que tem estado em contacto com as congéneres europeias e representantes deste organismo na Ucrânia, que vivem em regiões “menos afetadas” pela guerra.

Segundo o entrevistado, o presidente da congénere ucraniana tem “salientado muito a situação da legítima defesa”, e até pede às outras comissões que, junto dos governos, influenciem em favor de apoio militar.

“A Igreja não nega a possibilidade do uso de armas, como último recurso, e ele tem salientado muito este aspeto. Somos sensíveis a isso e compreendemos porque esta pessoa e os seus compatriotas estão a sofrer as consequências do governo russo, e as notícias de massacres de pessoas inocentes em Bucha e outras localidades colocam em evidência a necessidade de defesa”, desenvolve Pedro Vaz Patto.

O responsável católico, presidente da CNJP, realça ainda formas de “resistência não-violenta a uma agressão, a uma ocupação ilegítima”, como não-colaboração com a potência ocupante, que “pode ser tão heroica como a resistência armada”, para além de “não desistir das negociações”.

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Agência ECCLESIA

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