O bispo de Viseu afirma que celebrar a Páscoa com as igrejas abertas “é uma graça”, algo que não aconteceu em 2020 por causa do coronavírus. D. António Luciano realçou que a pandemia também vai trazer oportunidades e desafios, para a Igreja Católica e a sociedade, apelando à vacinação de todos
Entrevista conduzida por Henrique Matos
Agência ECCLESIA (AE) – Que Páscoa, que vivência será possível também neste contexto que vivemos de uma pandemia que nos alterou os modos de vida. Como é que vamos celebrar a fé com todas estas condicionantes, é um desafio a superar?
D. António Luciano (AL) – Uma pergunta que é pertinente. Nós estivemos em confinamento, Thomás Hálik [teólogo, filósofo e sociólogo checo] disse que as igrejas estavam vazias, e nós, por privilégio, vamos ter a Páscoa com as igrejas com gente. Não com aquelas multidões de que gostaríamos, mas com gente. As igrejas estavam vazias; agora, têm povo de Deus e essa é uma graça.
É um desafio e também é uma oportunidade, no sentido em que há uma confiança também dada à Igreja, também pelo modo como se tem comportado durante a pandemia, mas continuamos a insistir que temos que ter muitos cuidados: O afastamento social e a higienização das mãos, também tudo o que é importante como o uso da máscara e outros meios que podemos procurar para nos defendermos, para nos protegermos.
Esse é um primeiro ponto, celebrar a Páscoa ainda em confinamento e em tempo muito grave desta pandemia a nível mundial.
Estamos a ser fermento daquilo que queremos ser como Igreja, no meio do mundo e privilegiamos que aqueles que possam vão à Eucaristia, participem nas celebrações, sempre respeitando as orientações; os outros que não possam, façam-no através da televisão, da rádio, através do Facebook. O importante é vivermos o mistério pascal, e vivê-lo na centralidade de Cristo.
Escrevi uma carta aos sacerdotes, aos diáconos e consagrados, e, simultaneamente, escrevi uma também a todas as pessoas de boa vontade, cristãos e não cristãos, porque todos beneficiamos do valor teológico e do valor humano, do valor fraterno, social e eclesial que é a Páscoa. Para mim tudo nasce da Páscoa e tudo caminha para a Páscoa. Só tem sentido estarmos a viver a Quaresma porque houve uma Páscoa.
Pudemos saborear a Quaresma de um modo diferente e, a nível da Diocese de Viseu, tivemos muitas dinâmicas, mesmo em tempo de confinamento. Todos os domingos fui celebrar à Sé, participei em vários encontros online, tivemos o nosso retiro online, formações, a caminhada para a Jornada Mundial da Juventude e encontros com outros movimentos, tem sido uma oportunidade. Um trabalho de estudo da Bíblia, chamados ‘Roteiros Bíblicos’, que temos feito às quintas-feiras, tem sido uma oportunidade belíssima. Também tenho procurado, todas as semanas, escrever no jornal diocesano que fez 100 anos, o ‘Jornal da Beira’, sobre estas temáticas que ao longo da Quaresma se tornaram mais evidentes, centradas no mistério da vida, do sofrimento, da dor, da paixão e da morte de Jesus Cristo mas contemplando a esperança da Ressureição. Num contexto de pandemia é muito difícil, vemos muitas necessidades, o aumento dos doentes, graças a Deus agora diminuíram mas tivemos o mês de janeiro e de fevereiro que foi um tempo de dor, um tempo de sofrimento, um tempo que a gente perguntava “como é que isto vai terminar?”.
Graças a Deus, os portugueses – quero agradecer, também aos diocesanos de Viseu – souberam comportar-se, mas, agora, temos uma responsabilidade acrescida: quanto mais liberdade nos dão, mais responsabilidade nós temos.
Gostaria que a Páscoa que vamos viver fosse uma oportunidade para contemplarmos mais Jesus Cristo. Como diz São Paulo, pregámos o Cristo cruxificado mas não o Cristo que ficou ali morto, mas o Cristo que foi o grão de trigo, que foi lançado à terra, germinou, nasceu e, agora, dá-nos a vida nova que é a Páscoa.
Não temos aquilo que gostaríamos de ter, muitos sacerdotes gostariam de ter, e eu também, o Domingo de Ramos uma oportunidade de todos se encontrarem e conviverem, a Semana Santa, o Tríduo Pascal. Não tivemos o lava-pés, mas o importante é o nosso coração estar disponível para o serviço. Como o Papa Francisco nos diz, para a fraternidade, a proximidade, a solidariedade, para a amabilidade. O lavar os pés significa que em cada dia devemos servir, à maneira de Cristo. Como Jesus disse, o Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir, e dar a vida por todos nós.
Quando o Papa, nos fala do Sacramento da Reconciliação, gosto muito de uma expressão, quando diz que quando nos vamos confessar e dizer os nossos pecados, Deus já os conhece. Ele já se antecipou ao perdão que vamos receber. É uma coisa muito bonita, a Quaresma é para isso, por isso é tempo de conversão, de jejum, de penitência, tempo de renúncias e tempo de partilha.
Às vezes não precisamos de fazer grandes planos. No tempo em que vivemos, alguém perdeu o trabalho, quando alguém perdeu a saúde. Estou a ver, neste momento, uma família de oito pessoas, todos foram infetados, um ainda está internado no hospital. Que Quaresma foi a desta gente? Foi mesmo identificada com Jesus Cristo, num sofrimento e numa dor muito grande. Este é um exemplo entre muitos que aconteceram em Portugal, e no mundo inteiro, e a Igreja tem de ser de proximidade, de serviço, de cuidado, de atenção, não podemos ignorar.
AE – D. António Luciano tem formação na área da saúde e agora que falava na Quaresma rigorosa que muitos viveram, recordo-me dos profissionais de saúde que terão iniciado uma Quaresma muito antes da Quarta-feira de Cinzas.
AL – É verdade, espero que agora cheguem à Páscoa e fiquem mais liberto. Eles não precisaram de procurar um jejum e uma penitência, foi-lhes dada pelo próprio dever.
É muito interessante que, quando Nossa Senhora se revela aos pastorinhos, em Fátima, diz-lhes que a penitência maior que temos de cumprir é o cumprimento do dever. E, às vezes, nós queremos muitas penitências, andamos à procura delas e esquecemos o cumprimento do dever.
Toda a caminhada para a Páscoa, toda a vivência quaresmal, com tudo aquilo que contém, especialmente com a contemplação de Jesus no caminho da Via Sacra, que é realmente uma oração tão querida do povo de Deus, e tinha tantas manifestações populares e belíssimas e cheias de conteúdo e riqueza, não podem acontecer como aconteciam.
Hoje, o mundo digital tem-nos aproximado e facilitado imenso, nunca estive em tantas reuniões, em tantas Vias-Sacras, em tantos encontros quaresmais de formação como este ano. Mas é proximidade, é preciso depois darmos o salto dessa proximidade que fizemos com o digital para a proximidade física, essa há de acontecer, quando estivermos mais libertos, e podermos dar segurança aos outros e também termos segurança.
Aqui vem a vacina que é muito importante. Há dias um sacerdote, de 80 e tal anos, dizia: “Senhor Bispo já fui vacinado ,mas o meu irmão e a minha irmã não quiseram.” Eu disse: “Que pena, diga que vou rezar por eles para serem vacinados”.
A vacina é muito importante, muito valiosa, muito séria. Algum dia pensamos, nestes 21 séculos de civilização pós-Cristo, deste acontecimento do sofrimento e da morte e da ressurreição de Cristo, que para vivermos com um pouco de tranquilidade e à vontade todos precisássemos de uma vacina?
Este para mim é o maior sinal dos tempos, que, sendo um sinal negativo, se bem aproveitado, pode ser positivo. A pandemia também nos vai trazer oportunidades, desafios. Um sacerdote, quando começou o ano passado a pandemia, dizia: “Ó Senhor Bispo, as pessoas ainda vão ficar é piores.” Eu dizia que não, mas ao longo deste período vou-me dando conta que algumas não melhoraram muito. Espero que deem a volta grande e melhorem mesmo. Depois disto, nada vai ser igual, tudo tem que ser novo na pastoral, na nossa vida, na relação com os outros, no respeito. Temos é que encontrar formas, sem desânimos, e é isso que acontece às vezes nos cristãos.
Nesse modo diferente descobrimos o valor e a profundidade das coisas e da relação que nos merecem com Deus e com os outros, e a Páscoa é isto. A Páscoa é que promoveu esta vivência quaresmal, por isso é a passagem. Estamos a passar por uma pandemia que, no fundo, é um grande êxodo.
AE – A experiência do vulnerável, do frágil, pode ser uma pedagogia da qual possamos tirar alguma lição para o futuro, no sentido de nos aproximarmos mais uns dos outros?
AL – Espero que não seja só uma falácia pronunciarmos esses termos. Hoje há termos que estão muito na noda, temos é que os tornar nossos. A caridade que quero fazer começa por mim, pelo meu coração, começa pela minha família, começa pela minha casa, e, depois, vai pela rua e logo atinge todos.
Esta pandemia foi uma coisa tremenda, o ‘oikos’ entrou em descontrole e a ecologia, como diz o Papa Francisco na ‘Fratelli Tutti’, precisa de ser cuidada, este mundo precisa de ser ajudado. Como não tivemos a coragem de preventivamente cuidar deste mundo, surgiu esta pandemia como surgiram tantas ao longo da história. Hoje, fruto do desenvolvimento, das novas tecnologias, da pós-modernidade, uma pandemia quando é declarada está no mundo global, na aldeia global. E esse foi o grande problema.
Tenho ouvido e falado com muita gente e não estamos preparados para isso. Isto apanhou-nos a todos de surpresa, e os primeiros tempos foi para aprender. Há uma coisa que foi muito importante a nível da ciência, Jean Bernard já dizia que a medicina evoluiu mais nos 50 anos últimos do século XX do que em todos os outros.
Agora, tenho essa frase memorizada e tenho-a aplicado. Num ano quantas vacinas surgiram e estão a surgir. Já davam notícias que uma pode ser por gotas e outra por uma simples cápsula, isso é uma maravilha. Foi realmente um sinal dos tempos negativo mas que pôs tanta gente a trabalhar em comunhão, em unidade, não importava se é desta ou daquela cor. O importante é o bem comum e pôs-se a trabalhar na solidariedade que deu origem a esse elemento científico que temos muito que agradecer à Organização Mundial de Saúde, ao grupo da nossa Comunidade Europeia que também lidera a saúde, o Serviço Nacional de Saúde, a preocupação dos governantes, depois a nível local, falei muitas vezes com responsáveis locais da saúde pública.
Os nossos profissionais de saúde, quer sejam médicos, enfermeiros, auxiliares, a mim preocupa-me. A notícia daquele português que é o único no mundo que esteve um ano internado se não houvesse esse elemento da ciência médica, da técnica, e da enfermagem, e não existissem essas respostas, este homem tinha perecido, tinha sido mais um número. Este é uma amostra de tantos casos anónimos que vão tentando reagir e recuperar a saúde. Há aqui uma palavra de muito apreço aqueles que cuidam de nós a partir da saúde – médicos, enfermeiros, outros profissionais -, aos cientistas.
Cá está o sinal positivo que contrabalança com o sinal negativo: temos de aproveitar e, a partir daqui, ajudar as pessoas, sensibilizá-las, não termos medo de ser vacinados. Há pequeninas complicações mas aquilo que é positivo como valor é maior do que algum risco que possa acontecer.
Houve destruturações de famílias, de grupos, grandes cidades muitas ruas que são sepulcros. Agora começa a abertura do desconfinamento a tentar arranjar as montras, e nós precisamos disso. O nosso país vivia muito do turismo, precisamos dessas valências a funcionar. Para todos na rede termos pão.
Todos precisamos uns dos outros, ninguém pode ser uma ilha, ninguém vive sozinho. A tal comunhão, a comunidade que é preciso construir e esse é um grande desafio, uma grande lição a tirar da pandemia.
E os padres também temos de tirar, até na relação que tivemos com o povo, tanta gente que pereceu, tivemos este problema de entrar o vírus e infetar tanta gente nas instituições ligadas à Igreja e não só, que foi uma dor muito grande, um sofrimento muito grande.
Não tive nenhum sacerdote que pereceu por Covid, apenas uma religiosa com alguma idade que fui fazer o funeral, mas esses são pequeninos aspetos, os outros são muito mais do que esses. Temos de nos aproximar muito do povo de Deus, se os queremos cativados, se os queremos ajudar. Quer sejam mais jovens, menos jovens. Nos jovens temos uma responsabilidade muito grande, nas crianças também, na família, nos idosos e nos doentes. Os tais vulneráveis.
Que aprendamos uma lição grande sobre a pandemia e não tenhamos medo de ler e de investigar para saber mais para podermos evitar que outras aconteçam. Nunca tomei a vacina contra a gripe, se a partir de agora todos temos de levar uma vacina quer queiramos, quer não, façamo-lo, porque é por um bem maior.
AE – Nestes tempos, e basta percorrer as ruas de Viseu, de resto como qualquer outra cidade do nosso país ou vilas, e as coisas estão fechadas, os negócios não andam, as pessoas estão aflitas, há sinais de sepulcro por demais numerosos. Como é que vamos perceber os sinais de ressurreição que vamos celebrar no domingo de Páscoa, onde é que vamos descobrir estes elementos que nos falam de uma vida nova e de um recomeço? A vacina poderá ser um deles mas na perspetiva dos cristãos há outras realidades?
AL – A amizade, as pessoas serem amigas umas das outras, as famílias serem próximas e ajudarem-se, e tem acontecido, esse para mim é um ponto crucial. Depois também a ajuda na relação de trabalho: hoje temos muita gente que ficou no desemprego e que pode vir a ficar no futuro, então temos de fazer tudo para que as pessoas tenham o pão de cada dia. Isso para mim é Páscoa, é sair do sepulcro vazio.
Vejo pessoas que foram muito inovadoras ao longo deste período da pandemia, pessoas com formação superior que foram capazes de arranjar outras formas de responder às suas necessidades, também vejo muita gente que, se calhar, por fruto do trabalho e da educação, e de tão ocupados que estavam, dedicaram-se àquilo. Vamos olhar, por exemplo, para o mundo da cultura, para o mundo das artes, para o próprio mundo da comunicação social, tanta gente que hoje está no desemprego, os audiovisuais, que estão a trabalhar, a produzir, mas quando é isso pode ser trocado como oferta aos outros.
Costumo dizer que o dinheiro não nos faz falta, mas precisamos do dinheiro para comprar o pão e para o trocar por aquilo que é necessário. Quando fazemos esta experiência de algo que vai de uma situação, que pode ser essa de sepulcro, pode ser de morte, de algo que parece que não é nada mas que precisamos de chegar ao outro lado, isso faz-se com muita resiliência. Faz-se também com muita confiança, com muita esperança, com muita fé e aqui estão os valores cristãos. A Páscoa é isto.
AE – E foi vendo esses valores cristãos nas iniciativas solidárias que iam sendo postas em prática? Viu as comunidades cristãs também envolvidas neste abraço de recuperação, de esperança para o outro?
AL – Vi mas gostava de ver mais. Quando ouve uma jovem dizer: “Antes até tinha um restaurante, de um momento para o outro fechou, agora estou disponível, posso fazer um tacho de arroz e partilhá-lo com quem precisa”. A partir daí surge um programa solidário, isso é muito bonito, noutros momentos, em que tudo corria bem, isso não acontecia. Isso é Páscoa.
A Páscoa é a passagem de uma experiência que não era aquela que queríamos viver para outra melhor e é por isso que Cristo ao ressuscitar oferece a vida nova.
Há muitas carências, a Cáritas tem tido muitas necessidades, há dioceses que o sentem, se calhar, mais do que nós, mas nós também. Também aumentou o número de ajuda a pessoas, a casais, para medicamentos, para reformas, tem sido realmente muito complicado.
AE – As famílias, a experiência de Igreja doméstica, foi uma Quaresma muito vivida no suporte digital, mas também tem sido, já desde o ano passado, um estímulo para uma Igreja doméstica que entretanto também cresceu nessa dimensão?
AL – É a base da Igreja. Vamos ao livro dos Atos (dos Apóstolos) as primeiras comunidades nasceram assim, a família. Elas depois agarraram-se a valores da Boa Nova de Jesus, a Palavra do Evangelho que, se calhar, nós hoje temos que redescobrir para a viver – “Tinham um só coração, uma só alma, punham tudo em comum, partilhavam”. Temos realmente exemplos grandes nesta matéria no tempo da pandemia.
Mas temos que ir mais longe, e é o tal salto qualitativo da fé. Às vezes, nesse caminho de proposta de sinal positivo, e particularmente dentro do Cristianismo, com as Igreja vazias, mas agora a retornarem, alguns com medo, outros não voltarão, temos um trabalho muito sério a fazer na própria evangelização.
A missão da Igreja tem que ser primeiro muito à maneira de Jesus Cristo, aprender com ele a amar, servir, ser muito transparente, muito fraterna. Hoje não podemos estar com aparências. E, depois, também toda esta vulnerabilidade, que hoje temos necessidade. Têm as dioceses, têm as famílias, e a Igreja doméstica pode ser um bom sinal para ajudar a regenerar todo este tecido e colocá-lo em rede. É uma experiência estar na família que se partilha, o trabalho, o pão, as necessidades, mas também a fé, a oração.
Incentivei muito que se vivesse este tempo de oração em família, e para este Domingo de Ramos pedi: colocai uma cruz à porta de vossa casa, ou à janela, símbolo da fé que temos – e no Domingo de Páscoa, essa cruz enfeitada.
Aderimos a um projeto, que nos vem da Consolata, a dinamização e proposta de colocar em cada fachada de uma casa um póster de Cristo Ressuscitado. Temos milhares de respostas a partir das paróquias para darmos esse sinal. Claro que, através desse sinal, vêm outo, não podemos é ficar de braços cruzados. Este tempo foi de criatividade, de inovação, de oração, de dedicação, contemplação.
Não saí como gostaria, o bispo é para estar junto do povo, e é para ir ao encontro dos mais necessitados mas tive muito trabalho e dou graças a Deus por isso.
Há um problema que hoje me preocupa muito nos jovens e muitos adultos, que é o problema do stress, do cansaço, das patologias a nível psicológico. Eu graças a Deus não senti porque tive a vida muito ocupada, senti-me muito ocupado, com orientações, ou outras respostas, ou tentar telefonar aos senhores padres, às comunidades de Vida Consagrada, a outras pessoas leigas e amigas que estavam doentes, viviam sozinhas, e foi um trabalho maravilhoso que podemos e devemos fazer.
Não podemos fugir do rebanho, estamos é de outro modo junto do rebanho, talvez mais vigilantes do que nunca. É como quando o soldado está na guarita parece que não o vê de fora mas ele está de dentro e vigia a ver se o inimigo vem. E os inimigos acontecem em todas as fases da história da vida e da Igreja.
E, neste momento, também precisamos de olhar muito para a Igreja com muito amor, muita confiança, muita experiência e não derrotismo. Também vemos isso muito nos populismos, em determinadas vozes que se levantam, temos que saber estar com Jesus Cristo e hoje Jesus Cristo está no meio de nós através de Pedro, o Papa Francisco. Isto é muito importante, e depois através dele e daqueles que em colégio lhes foram confiadas Igrejas particulares, o caso dos bispos e depois os presbitérios.
Há uma coisa que me preocupa muito, trabalhei sempre muito na pastoral das vocações e tive a alegria de ver muitos que avançaram e foram ordenados, hoje bons sacerdotes. Vim para a diocese e ainda não ordenei ninguém da diocese, ordenei um Vicentino diácono, e um bispo, o Senhor D. Armando, mas não ordenei nenhum padre e não sei quando vou ordenar. Espero que seja breve, daqui por dois anos, três anos, esta é para mim a maior preocupação.
Temos que preparar muito as famílias de hoje, diferentes, até a partir deste ano ‘Amoris Laetitia’ temos que olhar muito para isso. Não ir condenar, não pegar nisto ou naquilo, mas reajustar, questionar, integrar, ajudar, promover e, às vezes, isso faz-se por uma palavra, um gesto. Isso também vem na liturgia, quando temos liberdade de a fazer.
A Quaresma para mim é um tempo de procura contante da luz. A luz já nos ilumina, está connosco e é nossa, mas ainda não, mas há de ser e a Páscoa é a grande certeza que, se formos fiéis, essa luz não nos será tirada. Quem caminha na luz, caminha no Senhor e caminha no ressuscitado. O grande cântico da Páscoa é o aleluia que brota da luz, do lume novo que se benzeu e se acendeu.
AE – A luz é a grande simbologia do tempo pascal e anuncia um tempo novo que surge também com o domingo de Pascoa. Também nos anunciam um tempo novo pós-pandemia e que muita coisa será diferente. Há que criar e trabalhar, e passar é por ai a sua preocupação, de incutir nos sacerdotes da diocese uma disponibilidade para uma pastoral também inovadora e diferente?
AL – Digo-lhes isso muitas vezes, a pastoral tem que ser diferente e penso que esta é uma dificuldade da Igreja, criar a unidade na comunhão e na coesão. Somos todos muito diferentes, é verdade. Tenho cinco dedos mas unidos formam uma flor que se pode abrir e ir ao encontro de muita gente.
Às vezes, esquecemo-nos disto, o individualismo é uma coisa do passado, hoje não posso existir sem o Henrique que me está a entrevistar. Mas é nesse existir que também aprendo a ver e a saber quais são as diferenças, a minha autoridade, e poderíamos dar o salto para o mundo da ética.
Hoje, com tantas complexidades, não que o valor ético não exista, mas, às vezes, queremos outros pseudovalores e não queremos aquele que nos dá a grande capacidade de podermos, com a nossa razão, com a nossa inteligência, com o nosso coração e a nossa vontade, discernir aquilo que são as melhores práticas para podermos realizar a transformação do mundo.
A sociedade depois desta pandemia tem que fazer isso e a Igreja também e é preciso apelar aos padres, se calhar um novo estilo de vida, mais comunitário, mais comunhão na pastoral, participarem mais nas nossas coisas.
Quando vim para a diocese encontrei com um grupo de sacerdotes, nas reuniões habituais num arciprestado, e a determinado momento dizia: “Fico muito contente por estar no meio de vós, mas olho para vós com alguma preocupação. Vejo-vos muito ricos. Não quero meter-vos a mão no bolso, não quero saber o dinheiro que tendes, também é preciso. Mas tendes tão boas paróquias, tão boas casas paroquiais, bons centros sociais, boas IPSS, quantas vocações tendes nas vossas paróquias? Um dia quando deixardes a paróquia a quem ides deixar esses vens?”
A Igreja de futuro também será uma Igreja laical e temos de formar muitos leigos, mas também precisam dos pastores para os orientarem, para os ajudarem. É essa preocupação que tenho há muitos anos. Em determinado momento pensava que nós Igreja, aqueles que éramos mais responsáveis, pastores, que seríamos capazes de dar a volta à Igreja para se apresentar no mundo como deve ser, sal, luz e fermento. Foi o contrário. E agora temos que fazer esse caminho.
Tanto na Igreja, como na família, como na vossa profissão, temos que perspetivar a vida, e lá está o tal sonho, também é pastoral, sacerdócio, a família, a sociedade, os políticos. A gente vive do sonho mas a determinado momento tem que se tornar realidade. Se vivo só do sonho é utopia, se vivo do sonho que também é alimentado por essa utopia mas um dia é tornado realidade sinto a alegria do ser e do ter. O ser é porque me tenho de identificar com ele, faz parte de mim não o posso negar, o ter é a graça que o Senhor me dá, também da partilha dos bens, fruto do meu trabalho, mas depois posso com alegria e generosidade partilhar.
É esta experiência nova que vejo que tem que acontecer no mundo de hoje e no mundo da Igreja. Preocupa-me ainda a classe média quase desapareceu, a maior parte são pobres, se dizem que ganham menos do ordenado mínimo são pobres, a maior parte são pobres. Os outros que têm muito, às vezes, esquecem-se de partilhar, não é que não queiram e até não saibam, esquecem-se. Por isso é que também na Quaresma há dois peditórios que acho muito importantes, o da Cáritas e a renúncia quaresmal.
A nossa renúncia quaresmal, este ano, uma parte é para a Diocese de Pemba (Moçambique), que foi fundada pelo senhor D. José Garcia, aprendi muito com ele. Onde houver violência, onde houver guerra, destruição da pessoa humana, e que não haja uma resposta para ter pão, para sentir bem na sua terra, no seu ambiente, temos uma situação muito fraturante da relação de diálogo que gostaríamos que existisse no nosso mundo e também na Igreja. Aí está a resposta da caridade.
Na nossa renúncia quaresmal, uma parte será também para as necessidades emergentes da nossa diocese, podem ser a Cáritas, que temos ajudado, mas todos os outros setores da pastoral. Preocupo-me com a pastoral do conjunto, somos um todo e quando há uma parte do nosso corpo que está um pouco mais frágil, mesmo que a gente não queira, as outras partes do corpo ressentem-se.
Hoje também se torna difícil em pedir aos sacerdotes que temos que nos unir para que a pastoral seja de conjunto e de resposta aos problemas da pessoa humana no século XXI, no momento em que estamos, rumo à Jornada Mundial da Juventude, mas também à renovação da Igreja em Portugal e da sociedade em Portugal.
Para mim o importante é a pessoa humana. Se ela acredita, eu posso ir mais à frente no diálogo, mas se não acredita também. Hoje temos de fazer um trabalho muito grande a nível do catecumenado, precisamente com muita gente que cresce e já não é batizada, tem de fazer uma caminhada de formação para depois dizer “eu sou cristão”.
Viseu: Aleluia do Domingo de Páscoa anunciado pelo ar no território da diocese (c/vídeo)