Sociedade: Autoconhecimento, confiança, resiliência, empatia e serviço – os pilares da formação Ubuntu para transformar vidas e relações humanas (c/fotos e vídeo)

Focada em jovens de contextos «diferenciados», proposta chega hoje a cerca de 400 agrupamentos, com impacto no sucesso escolar, nas relações entre alunos, com professores e na construção comunitária

Foto: Agência ECCLESIA/LS

Lisboa, 04 fev 2023 (Ecclesia) – A Academia de Jovens Líderes Ubuntu formou, desde 2010, 22 mil jovens provenientes de contextos diferenciados, que conseguiram “ressignificar a sua história”, promover a construção de pontes e tornar-se líderes junto das suas comunidades e grupos.

“Nós acreditamos que é uma coisa que faz falta. Nasce para responder a uma necessidade que identificamos de uma sociedade fragmentadas e polarizada, com muitas diferenças e poucas semelhanças, onde não se procura o que une, não se procura conhecer o outro, não se para para escutar, ouvir as histórias”, refere Rui Nunes Silva, do Instituto Padre António Vieira (IPAV) à Agência ECCLESIA.

“Quando trabalhamos a história descobrimos que é tudo muito menos complicado do que os estímulos na sociedade nos dizem. É nas semelhanças que encontramos pontes de diálogo. Este projeto de sermos construtores e pontes, conscientes que esse é um dos papéis na sociedade, líderes e servidores, de sermos responsáveis por aquilo que nos é cuidado, de nós, dos outros e do planeta. Queremos o mundo melhor – esta é a via que encontramos e o que nos faz correr é o impacto que tem nas pessoas”, acrescenta o diretor geral do IPAV.

Bhoye Diallo, atualmente com 22 anos, é técnico de Projeto de Escolas Ubuntu, um método desenvolvido pelo Instituto Padre António Vieira; cruzou-se com a formação já em Portugal, depois de aos 16 anos ter deixado a sua família para perseguir o sonho de estudar e ajudar a desenvolver o seu país de origem, a Guiné Conacri.

“Ia a escola, tinha uma família normal, estudava e tinha uma vida tranquila, mas tudo mudou quando perdi o meu pilar fundamental, o meu pai. Nessa altura a minha vida começou a piorar”, recorda à Agência ECCLESIA.

Conflitos, instabilidade social e um contexto de perigo de vida e de direitos humanos leva a família a procurar uma vida melhor na Guiné-Bissau, mas o insucesso fá-la regressar e é quando a sua mãe decide voltar para a Guiné-Conacri que Bhoye, aos 16 anos, decide fugir e procurar um país onde possa continuar a estudar.

Eu, naquele dia, decidi: tenho duas opções ou continuo com a minha mãe ou levanto-me e luto por conseguir sonhos, continuar estudos, e ser presidente do país. Eu venho de um país onde as crianças não têm direito de ir à escola, porque não é uma obrigação. Eu sou de um país com 2 milhões de habitantes, mas 65% da população é analfabeta. Gostava de ser alguém que um dia consiga fazer a transformação no meu país”,.

Bhoye inicia um trajeto desde a Guiné-Bissau, atravessa o Senegal, Mauritânia, viaja durante três dias no deserto do Saara, passa para Marrocos, onde é “discriminado” e passa necessidades, até que decide “arriscar a vida num barco insuflável com 48 pessoas e um bebé”, atravessar o Mediterrâneo e rumar à Europa.

Em Espanha, onde permanece 10 dias, percebe que Portugal é o país que melhor acolhe migrantes e decide continuar viagem até Lisboa, onde é acolhido, “a 17 de agosto de 2018”, no centro de acolhimento e lhe confirmam que pode continuar a estudar.

“Um dia estava a conversar com a educadora disse-lhe que queria fazer algumas coisas diferentes. Ela falou-me da Academia de Líderes Ubuntu. Eu candidatei-me para a 6ª edição, fiz a entrevista e fui aceite”, recorda.

Foto: Agência ECCLESIA/LS

Bhoye Diallo é um dos 22 mil jovens que encontraram “um olhar diferente sobre a sua história”: “Eu culpava-me muito, com essa sensação de responsabilidade por ter deixado a minha família, mas a Academia ajudou-me a olhar a minha história e perceber o meu valor”.

Há quase dois anos que Bhoye é Técnico de Projeto de Escolas Ubuntu, levando os cinco pilares do método Ubuntu – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e liderança servidora – a escolas, para o desenvolver com jovens e adolescentes a partir dos 13 anos.

José Luís Gonçalves, diretor da Escola Superior de Educação Paula Frassinetti que integra o Conselho Científico da Academia de Líderes Ubuntu, com o objetivo de preparar metodologia e aferir resultados sobre o impacto da formação, recorda que desde a primeira hora, quando chamado a conhecer a proposta, percebeu a “riqueza e o tesouro escondido”.

“Apercebi-me da riqueza e do tesouro escondido nesta experiência que pretendia reabilitar, reformar, reestabelecer a dignidade humana em jovens com percursos de algum insucesso. Esta experiência estava destinada a líderes comunitários de comunidades mais vulneráveis, que pretendia reabilitar e torná-los modelos de referência para outros jovens”, recorda à Agência ECCLESIA.

“A empatia afetiva e cognitiva permite gerar relações novas, compreender a diversidade, gerir melhor as emoções, gerar energia interior e canalizá-la para competências sociais que se exprimem no serviço ao outro, à comunidade, no cuidado e na liderança servidora. Identificado o bem comum, a pessoa põe-se ao serviço de algo maior do que ela própria”, acrescenta.

Foto: Academia de Líderes Ubuntu

Hoje a metodologia Ubuntu está a ser implementada em quase 400 agrupamentos de escola e ensaiam-se caminhos para que as competências possam ser trabalhadas em contexto de infância.

“À medida que fomos avaliando, percebemos que quanto mais cedo se começar a semana, de maneiras diferentes e adaptadas, tanto mais cedo começam os efeitos positivos que desta experiência advém”, esclarece José Luís Gonçalves.

Rute Neves é psicóloga no Agrupamento de Escolas da Cidadela, em Cascais, que propôs a uma turma do 9º ano fazer a formação Ubuntu durante uma semana, tendo Bhoye Diallo como formador.

À Agência ECCLESIA a especialista, há três anos a acompanhar os alunos nas suas diferentes dimensões, valoriza o quanto as competências sociais e emocionais são importantes trabalhar em ambiente escolar e não apenas as competências curriculares.

“Do ponto de vista da Psicologia, estamos perante uma idade de desenvolvimento muito importante, que pode ser um despertar, um acordar para que os alunos percebam da importância de não desistirem dos sonhos, independentemente do que está para trás. Há forma de ser melhor e procurar alternativas. É muito importante nestas idades, e a formação pode ser um fator que promova a transformação nos jovens”, reconhece.

Foto: Agência ECCLESIA/LS

José Luís Gonçalves indica que a avaliação da formação Ubuntu tem revelado o impacto também junto dos professores que resignificam a sua profissão e a relação pedagógica com os alunos.

“Há um reencantamento pelo sentido de educar porque (os professores) percebem que a escola não gere só conhecimento mas gere e desenvolve pessoas e a relação pedagógica altera-se, o horizonte onde os professores desenvolvem a sua ação pedagógica é outro, a partir do crescimento das pessoas e não só a partir dos resultados – embora eles lá estejam, porque se consegue medir a motivação para a aprendizagem e as mudanças de percurso de insucesso para sucesso junto das crianças”, explica.

A proposta de formação da Academia de Líderes – Ubuntu: «Eu sou porque tu és» e o sonho de uma sociedade – vai estar em destaque no 70×7, do próximo domingo, com emissão na RTP2, às 17h30.

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LS

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