Sínodo dos Bispos: incentivo para os cristãos

Representante português explica organização e procedimentos do encontro do episcopado mundial, a decorrer no Vaticano D. Anacleto Oliveira, bispo auxiliar de Lisboa, está, juntamente com D. António Taipa, bispo auxiliar do Porto, a representar a Conferência Episcopal Portuguesa na XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que decorre em Roma até ao próximo dia 26 de Outubro. O Sínodo congrega representantes de todas as Conferências Episcopais do mundo. É uma Assembleia que mostra a colegialidade do governo da Igreja Católica. O Papa convocou os bispos de todo o mundo para se expressarem sobre um tema escolhido, neste caso «A Palavra de Deus». Foram chamados a Roma os representantes de todas as Conferências Episcopais, “em proporção dos membros de cada conferência são enviados a Roma”, explica ao programa Ecclesia D. Anacleto Oliveira. Portugal enviou dois bispos. Para D. Anacleto esta é uma estreia sinodal. De qualquer forma, antecipa a importância do encontro em si, apontando “o sentido de universalidade que a Igreja tem, uma vez que permite ouvir bispos de outros países” e ainda a “corresponsabilidade com o Papa no que é a base da vida da Igreja e, neste caso concreto, a Palavra de Deus”. O Sínodo não tem uma capacidade decisória, é “acima de tudo consultivo”. D. Anacleto aponta que excepcionalmente pode ser “deliberativo”, mas estas terão de ser “sempre sancionadas pelo Papa. O mesmo se passa nos Concílios, que apenas apresentam a diferença de “reunir todos os bispos da Igreja Católica”. A reunião sinodal permite uma aproximação das Conferências Episcopais de todo o mundo ao centralismo de Roma no governo da Igreja. Nesse sentido “um dos objectivos será a descentralização”, acrescenta o bispo auxiliar de Lisboa. O Sínodo é uma instituição pós conciliar. O Papa Paulo VI homologou os sínodos, na década de 60. O primeiro aconteceu em 1969 e passou a ser marcado de dois em dois anos. Actualmente as sessões ordinárias acontecem de três em três anos. Ao longo dos trabalhos no Sínodo diversas opiniões podem mostrar-se divergentes, no entanto, indica o bispo auxiliar de Lisboa, “o instrumento de trabalho aponta uma certa unanimidade prévia, uma vez que está de acordo com as grandes orientações da Igreja a partir do II Concílio do Vaticano e que o magistério foi promulgando”. Naturalmente “haverá correcções a fazer na forma como a Palavra de Deus tem sido usada e é nesse sentido que estamos com curiosidade de ver experiências que se façam noutros países”. D. Anacleto indica que o Sínodo é “um órgão permanente, nunca acaba”. O secretário permanente, passa de um Sínodo para o outro. O presente secretário é D. Nikola Eterovic. No final da Assembleia sinodal é preparado um documento, por parte do Papa, com os resultados do encontro. “Aqui começa a preparação do seguinte”. É sugerido um tema ao Papa, que “o oficializa, no caso de haver aprovação”, e numa primeira fase, ocorre “uma consulta universal sobre o tema proposto”. Reunindo as respostas “elabora-se o instrumento de trabalho, que será o documento base durante o tempo do Sínodo”. A discussão e as opiniões será conduzida a partir desse documento. Este instrumento base, que está a servir de base para o trabalho sinodal está disponível para consulta na Internet. “É a partir daqui que correm os trabalhos nas sessões plenárias onde cada bispo faz uma intervenção. Há também um tempo para trabalhos de grupo, numa divisão linguística”. Como resultado desse trabalho, é elaborado um documento final que é votado e aprovado, com vista a entregar ao Papa que o promulgará, “nessa versão, o que é pouco habitual, ou numa exortação apostólica pós sinodal”. A Palavra de Deus A XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos é dedicada à «Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja». O bispo auxiliar de Lisboa considera o tema “pertinente” pois acredita que um dos grandes efeitos da renovação da Igreja no tempo pós conciliar foi “a abertura dos cristãos à Palavra de Deus”. D. Anacleto indica que estão a acontecer “coisas belíssimas na Igreja. Naturalmente existem coisas a corrigir também e incentivos a dar”, afirma. No documento de trabalho para o Sínodo, um dos instrumentos incentivados é a lectio divina, “uma experiência secular que tem sido redescoberta nos últimos tempos e está a ser experimentada de diversas formas e diferentes igrejas”. Explica o Bispo que este instrumento corresponde a “uma leitura integral da Bíblia, no sentido em que não é apenas uma leitura humana, mas de quem vê na Bíblia a Palavra de Deus”. “Naturalmente haverá diversos critérios que levam à escolha de determinado tema”, indica D. Anacleto. Uma das razões principais apontadas para a escolha da «Palavra de Deus» como tema está relacionada com a temática do último Sínodo que incidiu sobre a «Eucaristia». Como complemento necessário da Eucaristia “considerou-se necessário, a meu ver muito bem, reflectir sobre a «Palavra de Deus»”. O bispo auxiliar de Lisboa afirma que a Igreja não é igual em todo o hemisfério terrestre. Nesse sentido, “haverá problemas que são mais sentidos num lugar do que noutro”. D. Anacleto recorda ter ocorrido um Sínodo sobre a Europa. “Eu alargaria os problemas vividos na Europa à América do Norte e também à América Latina”, indicando haver questões que se “poderiam tratar no futuro”. A passagem de um Cristianismo de “cristandade para uma presença minoritária do Cristianismo produz efeitos na moral cristã e este é um tema que teria toda a importância ser abordado ou até mesmo a presença do cristão na sociedade concreta que vivemos”. Esta reflexão poderia indicar propostas para mudar a presença da Igreja na moral cristã e para “chamar a atenção que a moral é um elemento constitutivo da vida cristã”. O documento de base para o trabalho sinodal adverte para os perigos do fundamentalismo cristão que pode levar a uma leitura literal dos textos bíblicos. D. Anacleto evidencia a diferença entre literal e literalista. “Toda a leitura deve ser literal mas nunca literalista, e, de facto, o problema do fundamentalismo baseia-se numa leitura literalista e, por isso, é uma leitura incompleta, para não dizer, em alguns casos, errada”. Esta postura conduz a uma repetição acrítica do texto, “desconhecendo o contexto histórico, o conjunto do texto, o seu sentido genérico. Tudo isto são aspectos importantes para uma leitura correcta”. O alerta é, na opinião do bispo auxiliar, um “perigo real”, apesar de não ter “ainda efeitos dramáticos dentro da Igreja. Uma leitura superficial que não é fundamentada pode conduzir as pessoas a não lerem o que está escrito, mas a ler o que têm na cabeça”. Uma atitude que pode conduzir a “conflitos entre quem professa a mesma fé”. Apesar de “existirem não são conflitos dramáticos, talvez mais de interpretação”. D. Anacleto reconhece a presença de interpretações ideológicas – Teologia da Libertação, Teologia feminista, “até a leitura psicológica da bíblia, a leitura sociológica, são leituras que, não estão erradas, mas que não devem ser usadas de modo exclusivo. Deve ser tida em conta a sua complementaridade, sempre como referência ao texto, utilizando o método histórico-crítico”. Para se poder chegar à mensagem que o texto quer transmitir, D. Anacleto indica o trabalho dos biblistas que “estudam cientificamente o texto e que têm um papel fundamental”. Há ainda “o sentido da fé, comum a toda a Igreja, e isto é importante pois não lemos a Bíblia de forma neutral, mas enquanto cristãos”. E, por último, “há a intervenção do magistério que, no lugar próprio da Igreja, apoia-se na Palavra e na interpretação feita ao longo da História”. Os cristãos e a Bíblia O II Concílio do Vaticano foi um passo para colocar a Bíblia no dia-a-dia dos cristãos, estando mesmo um documento reservado para a interpretação e importância da Sagrada Escritura. D. Anacleto afirma que o Concílio tem “uma das constituições mais ricas e importantes, mas também mais difíceis de redigir e promulgar, Dei Verbum, e foi um ponto de arranque e decisivo para o estudo da Bíblia”. Neste campo, o bispo auxiliar de Lisboa refere o contributo de escolas especializadas em estudos bíblicos, o contributo de outras Igrejas, que não a católica, também decisivo, e também “a coragem da parte dos padres conciliares para que saísse esse documento que teve um impulso decisivo no estudo da Bíblia dentro da Igreja Católica”. Um inquérito recentemente realizado, na diocese de Lisboa, acerca do uso que os cristãos, que frequentam a Eucaristia, fazem da Bíblia, revelou que cerca de 87% têm acesso à Bíblia mas apenas 9,3% a lêem todos os dias. D. Anacleto indica que antes do Concílio “menos pessoas tinham acesso à Bíblia e que tê-la já é um bom princípio”. O Bispo auxiliar indica que antes do Concílio “devido às polémicas que se geraram depois da reforma, não estava na tradição da Igreja Católica a leitura permanente da Bíblia”, a somar ainda o facto de “estar em latim, havendo um acesso bastante limitado”. Justificando o diminuto uso da Bíblia por parte do católicos de Lisboa, D. Anacleto indica que nas questões religiosas, os hábitos demoram muito tempo a mudar. “São necessárias gerações, uma mentalidade nova. Actualmente a catequese, que é uma nossas preocupações, é totalmente baseada na Palavra de Deus. Há uma sensibilidade, mas que demora alguns anos”. O Bispo auxiliar indica ser positivo que 9% da população em Lisboa, “quando comparado antes do Concílio. E acredito que estamos no bom caminho para chegar aos 90%”. O presente Sínodo pode ser um bom contributo para aumentar a média indicada pelo inquérito. “Uma das preocupações primárias é que os cristãos façam da Palavra de Deus o seu alimento diário”. Esta é a preocupação dominante e, considera D. Anacleto, o documento final deverá apontar nesse sentido.

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