Secretário-geral admite que há «cadeiras vazias» no processo lançado pelo Papa
Praga, 06 fev 2023 (Ecclesia) – O secretário-geral do Sínodo dos Bispos disse hoje em Praga que o processo sinodal lançado pelo Papa, em 2021, deve agora olhar com mais atenção para “dentro” da Igreja, após um processo global de consulta.
“Sinto a necessidade de sublinhar como, precisamente a partir desta etapa continental, devemos estar mais atentos às vozes ‘dentro’ da Igreja, às que agitam e muitas vezes sacodem o corpo eclesial. Na consulta conseguimos ouvir todas as vozes, menos a voz de quem não falou, porque não pôde ou não quis”, assinalou o cardeal Mario Grech, na abertura da assembleia continental europeia, que decorre até domingo na capital checa.
O colaborador do Papa disse aos representantes das 39 conferências episcopais da Europa, incluindo a portuguesa, que é necessário criar lugares onde “todos possam falar” e se sintam “verdadeiramente ouvidos”.
“Também ouvimos o silêncio! Também ouvimos a cadeira vazia! Se alguém não pôde porque nós deixamos de o ouvir, somos chamados a verificar onde falhamos. Mas se não quis, precisamos de entender os seus motivos”, declarou.
A inédita etapa continental do Sínodo, criada por Francisco, foi apresentada como um “novo momento de escuta, a que a Igreja é chamada, escuta recíproca em que cada um tem algo a aprender”.
O cardeal Grech falou do Sínodo como u “processo”, que nunca aconteceu “sem, ou pior ainda, contra os bispos”.
“Oferecer ao Povo de Deus uma participação ativa na vida da Igreja, em nada prejudica o ministério hierárquico, pelo contrário”, sustentou.
O secretário-geral do Sínodo assumiu a importância de ouvir “mesmo os mais afastados”, apelando à participação de todos, desde quem está “convencido” quanto ao processo sinodal a quem tem “dúvidas” e também quem se lhe opõe.
“Ninguém está excluído, fora ou dentro”, insistiu.
O colaborador do Papa convidou a centrar o debate no tema escolhido por Francisco, “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, esclarecendo que as questões levantadas pelo documento preparatório para a Etapa Continental não são a “agenda” do Sínodo.






Os trabalhos da manhã contaram com uma “apresentação espiritual à Assembleia”, pelo padre Tomás Halík, teólogo, filósofo e ensaísta checo, que sustentou a necessidade de um “maior entendimento do que é essencial” na Igreja.
O conferencista pediu mais espaço para os “buscadores espirituais” e alertou para o perigo de uma militância católica que procura o “triunfalismo”.
“A Missão da Igreja é ser uma fonte de inspiração espiritual e de transformação”, rejeitando qualquer forma de “uso da força” ou “manipulação”, acrescentou.
Para o teólogo checo, a missão não é uma “reconquista”, baseada na “nostalgia do passado”, nem é um processo “unilateral”.
O padre Halík desafiou os cerca de 600 participantes a aprofundar a ideia de Igreja como “hospital de campanha”, apresentada pelo Papa Francisco, com maior atenção aos “pobres, os marginalizados e quem sofre”
“Não tenhais medo, não tenhais medo”, concluiu, citando as palavras de São João Paulo II no início do seu pontificado, em 1978.
| Os trabalhos decorrem com intervenções das delegações nacionais – por ordem alfabética -, encontros em grupo e sessões de trabalho no plenário, com partilha dos debates.
Na sessão da manhã, a representação da Albânia recordou o impacto das perseguições no tempo do regime comunista, durante o século XX, como aconteceu com a delegação da Bulgária. Vários dos intervenientes partilharam preocupações sobre os temas ligados aos ministérios, á participação litúrgica, ao papel das mulheres e questões éticas, com atenção particular aos que estão “excluídos da Igreja”. A síntese francesa, lida por duas delegadas, evocou o processo de “verdadeira transformação”, face à “dolorosa” experiência da crise de abusos sexuais na Igreja. “Todos devem sentir-se ouvidos na Igreja e encontrar o seu lugar”, referiram, num dos vários apelos à inclusão de pessoas homossexuais e divorciados que se voltaram a casar, tema que mereceu reparos sobre a necessidade de diretivas comuns para todas as comunidades, evitando a “confusão” entre os fiéis. |
A assembleia saudou com uma salva de palmas a presença da delegação das comunidades da Ucrânia e da Rússia, tendo D. Gintaras Grusas, arcebispo de Vilnius (Lituânia) e presidente do CCEE, apelado ao fim da “agressão russa”.
O responsável defendeu que os participantes devem procurar definir um documento “sólido”, do ponto de vista da doutrina, e “profético”.
D. Gintaras Grusas rejeitou a ideia de que esteja em causa uma tentativa de “mudar a doutrina”, apontando como prioridade a construção de “uma verdadeira Igreja sinodal”, valorizando as experiências de comunidades “inclusivas”, na realidade europeia.
O encontro começou este domingo, com a Missa presidida por D. Jan Graubner, arcebispo de Praga.
“Os resultados mostram que recolhemos tudo o que oprime ou magoa muitas pessoas, o que elas precisam e querem dentro da comunidade eclesial, o que gostariam de mudar”, assinalou, na sua homilia.
OC
| A Assembleia Continental Europeia divide-se em dois momentos distintos: o primeiro, até 9 de fevereiro, é uma assembleia eclesial com a participação de 200 pessoas presencialmente e 390 online; o segundo momento, de 10 a 12 de fevereiro, é reservado aos bispos que presidem às 39 Conferências Episcopais da Europa.
As assembleias continentais estão a ser desenvolvidas de acordo com a seguinte divisão: Europa (CCEE), América Latina e Caraíbas (CELAM), África e Madagáscar (SECAM), Ásia (FABC), Oceânia (FCBCO), América do Norte (EUA/Canadá) e Médio Oriente (com a contribuição das Igrejas Católicas orientais). A primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos vai decorrer de 4 a 29 de outubro de 2023; Francisco decidiu que a mesma terá uma segunda etapa, em 2024. O Sínodo dos Bispos pode ser definido, em termos gerais, como uma assembleia de representantes dos episcopados católicos de todo o mundo, a que se juntam peritos e outros convidados, com a tarefa ajudar o Papa no governo da Igreja. |
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