Sinais de Esperança

Gonçalo Barata, economista

Numa entrevista recente à Rádio Renascença o Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa explicava que não tinha memória de um período, como o de hoje, em que a Igreja Portuguesa é chamada a acudir, de forma sistemática, a situações sociais de emergência. E que o fazia, dentro das possibilidades, mas lucidamente consciente de que essa não podia ser a solução. Que solução para o flagelo dos socialmente excluídos e qual o papel que as decisões políticas podem ter neste momento de decisão eleitoral que Portugal atravessa? Sempre houve pobres no mundo e Jesus Cristo lembrou-nos que sempre os haverá. Mas a natureza humana e a evolução da civilização são contrárias a compreender que hoje possamos viver em piores condições do que ontem. O combate à pobreza e o desenvolvimento civilizacional são aspirações legítimas do Homem. Porquê o tema da exclusão social e dos mais necessitados como um dos poucos pontos de preocupação consensual nos programas de todos os partidos políticos que se apresentam às próximas eleições do dia 5 de junho? Por eleitoralismo puro? Não parece provável quando se sabe que os mais pobres dos pobres são uma pequena franja do eleitorado. A maior fatia do eleitorado é a chamada classe média, que é, precisamente, a que parece vir a sofrer mais com o programa de ajustamento imposto pelo financiamento FMI/CE. Quando o ponto de partida dos programas dos partidos é a inevitabilidade de sacrifícios para os próximos anos, o facto de o tema da exclusão social ser central em todos os programas políticos é, pois, o primeiro sinal de esperança.

Na última década houve um crescimento notável nos apoios públicos aos mais pobres. Na verdade, a maior fatia do crescimento dos gastos do Estado deveu-se ao crescimento dos apoios sociais. Mas o reverso da medalha foi esse crescimento dos recursos distribuídos ter sido quase simétrico do crescimento insustentável da dívida pública. Com a riqueza nacional estagnada durante uma década, foram distribuídos recursos provenientes de endividamento contraído no estrangeiro. A redistribuição do rendimento, para combater a exclusão social, deve ser uma prioridade de qualquer programa político. Mas anterior à redistribuição está a produção de riqueza e não o endividamento. A economia assistencial só é possível se tiver por base uma forte economia reprodutiva.

Neste momento de excecional urgência nacional, gerou-se a ideia que o FMI e a CE irão governar Portugal. Disse-se que a contrapartida do financiamento é um verdadeiro programa de governo, com o detalhe e quantificação nunca antes vista em Portugal. Mas a verdade é que desenhar um programa é infinitamente mais fácil do que executá-lo. E a urgência de executar um plano com crescimento de emprego e produção, com equilíbrio de contas públicas e com proteção dos mais fracos só é concebível se as melhores competências de Portugal forem reunidas. Todos somos chamados a dar o nosso contributo. Com o nosso trabalho, com a nossa participação política que começa no voto e com a nossa atenção mais dedicada ao próximo que se encontra em dificuldades.

Em diversos momentos de dificuldades nacionais sérias da nossa história, houve a ideia de que os problemas de Portugal se resolveriam com uma mudança de regime. Aconteceu com o descalabro das invasões francesas e revolução liberal, com a bancarrota de 1892 e o fim da monarquia ou com a guerra colonial e o 25 de Abril. Neste momento, a democracia portuguesa não parece ser posta em causa enquanto regime. Mas os partidos, que são, indiscutivelmente, o centro do regime democrático, são vistos com desconfiança, desilusão e indiferença. A indiferença é mais forte do que a zanga e a desilusão. Seria um sinal de esperança muito importante que a participação nas próximas eleições desse sinais de inversão do desinteresse crescente que os portugueses têm pela participação política. Por mais dificuldade que os eleitores tenham em rever-se nos partidos políticos, não existe sintoma mais negativo para o próprio regime do que a indiferença. Os problemas sérios com que Portugal se depara são resultado de um esforço coletivo insuficiente. E a primeira causa de esforço insuficiente é o alheamento para a causa comum que começa na abstenção eleitoral.

Gonçalo Barata, economista

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