Santuário do Sameiro, passado, presente e futuro

D. Jorge Ortiga

Três grandes realidades podemos sublinhar na história do Santuário do monte Sameiro. As comemorações a realizar no próximo dia 8 de Dezembro podem trazer algumas inter-pelações.

1 – Construção dum monumento à Imaculada Logo após a definição do dogma por Pio IX, o P.e Martinho António Pereira da Silva, à semelhança do que aconteceu noutros lugares, quis erigir um monumento à Imaculada.

Os trabalhos começam em 12 de Outubro de 1864 e a imagem é aí colocada, num pedestal, no dia 6 de Agosto de 1869. O pedestal tinha quatro inscrições em latim que sintetizavam a «história» do dogma. «No dia 8 de Dezembro de 1854 é definido o Dogma da Imaculada Conceição, pelo Papa Pio IX (lado poente).

«No dia 14 de Junho de 1637 (a doutrina da Imaculada Conceição) é afirmada como juramento pela Igreja de Braga. Protegerei esta cidade» (lado sul). «No dia 25 de Março de 1646 é jurado pelos três Estados do Reino. A Nação e o reino que não se empenhar no vosso serviço perecerá» (lado nascente). «No dia 29 de Agosto de 1869, este monumento é consagrado solenemente. Será exultado por meio do seu povo» (lado norte). Este monumento foi destruído na noite de 9 de Janeiro de 1883. Um novo monumento foi inaugurado em 9 de Maio de 1886.

2 – Início da Igreja (Basílica) e chegada da Imagem Terminado o Concílio Vat. I, o P.e Martinho reconheceu que seria necessário construir uma capela para comemorar o acontecimento. «Entre os assinalados feitos que ilustram o gloriosissimo Pontificado do actual Vigário de Cristo, o nosso Santíssimo Padre, o Papa Pio IX, dois sobretudo o tornarão para sempre memorável nos fastos da Igreja: a Definição Dogmática da Imaculada Conceição da Beatíssima Virgem Maria e a celebração do Sacrossanto Concílio Ecuménico Vaticano.

Para comemorar o primeiro e perpetuar a sua recordação nas idades futuras, já por iniciativa da religiosa cidade de Braga se erigiu, em nome de todos os portugueses o monumento que se eleva na eminência do monte Sameiro… Trata-se agora de levantar junto deste padrão da glória da Virgem, outro Monumento que sirva de memória do Sagrado Concílio, o qual convocado providencialmente nesta época tão crítica, já no começo dos seus trabalhos prestou os mais relevantes serviços à Santa Religião e à Sociedade. Consistirá o novo monumento em uma espaçosa Capela, que se edificará na mesma eminência do monte Sameiro… Será dedicada a Capela à Santíssima Virgem Imaculada na sua Conceição debaixo de cujo patrocínio foi convocado o Concílio Ecuménico, tendo sido aberto no dia da sua festividade.

O altar maior será dedicado em honra da Imaculada Conceição e os dois laterais em honra do Patriarca S. José, patrono da Igreja Católica e do Príncipe dos Apóstolos, S. Pedro, primeiro Vigário de Cristo, Cabeça Visível da Igreja, que sempre vive e fala na sua imortal Cadeira pela boca infalível do seu sucessor» (apelo em 19 de Julho de 1974). Em 29 de Agosto de 1880 chega à capela a Imagem de Nossa Senhora do Sameiro, esculpida em Roma e benzida pelo Papa Pio IX, em 22 de Dezembro de 1876.

3 — Coroação da Imagem Ao Papa Pio X, D. Manuel Baptista da Cunha solicita que se dignasse coroar a imagem por meio dum seu Legado.

«Santíssimo Padre, digne-se Vossa Santidade consentir que os Portugueses, entre os quais a Diocese de Braga sempre se avantajou por sua devoção para com a Mãe de Deus, e pela sua dedicação à Cadeira de S. Pedro, digne-se consentir-nos, digo, que em nome e com autorização de Vossa Santidade ornemos, com nova coroa de ouro a Imagem da Imacula-da Virgem do Sameiro».

O Papa anuiu e na Peregrinação de 12 de Junho de 1904 acontece a coroação descrita em Telegrama dirigido ao Santo Padre com a assinatura dos três metropolitas. «Santíssimo Padre, todos os Bispos de Portugal reunidos em Braga, depois de ter sido solenissimamente coroada com uma coroa de ouro pelo Reverendíssimo Núncio a Imagem da Virgem Imaculada no monte Sameiro, na presença de cerca de duzentos mil peregrinos, protestam o seu amor filial e a sua inteira obediência, a Vossa Santidade, e imploram para todo o reino de Portugal a Bênção Apostólica». A resposta acontece em 14 de Junho através do Cardeal Secretário de Estado: «O Sumo Pontífice, regozijando-se pela brilhante homenagem dos Bispos de Portugal, concede a Bênção Apostólica a cada um dos Prelados e a todos os peregrinos que acompanharam o seu legado no acto da coroação da Virgem do Monte Sameiro».

O Futuro das celebrações jubilares Não devo estabelecer intenções ou finalidades para esta celebração nacional dos 150 anos da definição dogmática da Imaculada Conceição. Abro três perspectivas que poderão significar uma declaração de intenções, nunca esquecidas mas que importa sublinhar, para a Igreja neste dealbar dum novo milénio.

1 – A Imaculada Conceição testemunha a vontade de Deus em querer necessitar da pessoa e do contributo duma mulher. Escolhendo-a para ser a Mãe do Salvador e com Ele peregrinar no anúncio e realização do novo projecto de humanismo, Deus elevou a mulher a uma dignidade desconhecida naqueles tempos.

A história da Igreja, nas pegadas de Maria, pode ser considerada como uma história onde a mulher desempenhou um papel insubstituível. Nos momentos de perplexidade emergia sempre alguma com a sabedoria esperada para essas épocas.

Hoje teremos de redescobrir o seu lugar na Igreja e na Sociedade. Importa reconhecer este papel e dar a conhecer o que efectivamente a Igreja faz com e pelas mulheres. Muitos pretendem reduzir a sua dignidade a determinados aspectos. Testemunhamos igualdade e – se ainda não o fazemos convenientemente – não deveremos ter medo de a suscitar e confiar na importância da revelação do «rosto feminino» de Deus.

2 – Maria acolhendo o projecto inesperado e inovador de Deus, assume uma vocação concreta de realização pessoal para benefício da humanidade. Parece que a sociedade moderna vagueia em incertezas e poucos se encontraram com um sentido para a vida.

Triunfa o oportunismo, o individualismo, o prazer fácil, a concorrência desleal e perversa. A Igreja é comunidade de vocaciona-dos para, com a colaboração imprescindível de cada um, gerar «novos céus e novas terras». Habitualmente e forçados pelas circunstâncias, fixamo-nos na crise de vocações de especial consagração. Maria teve o seu convento no mundo e as grades do seu compromisso pessoal não a separaram do quotidiano dum povo.

O pluralismo cultural é uma realidade e a Igreja necessita de incidir nos novos mundos da política, da economia, da caridade, da educação… A Igreja em Portugal terá de ser capaz de gerar, nos diversos centros de decisão da História, pessoas com referências. Também elas se deveriam sentir escolhidas para lidar com o projecto de Deus na barafunda do apelidado mundo profano.

3 – Maria é Imaculada para acolher no seu seio o Filho de Deus. Tornou-se sacrário de Deus entre nós. Estamos comprometidos num Ano Eucarístico e temos de reconhecer que a Eucaristia, nos espaços maiores ou menores de renovação e vivência, continua a ser privilegiada como momentos de celebração ou adoração. São aspectos primordiais a exigir um passo em frente.

Eucaristizados precisamos de tornar as celebrações fonte donde emana uma vida plenificada pelo divino para colocar a sua mesa no meio da humanidade através dum testemunho de amor universal mas com uma clara e inequívoca opção preferencial pelos mais pobres. O pão reparte-se em toda a vida e a todas as pessoas com gestos e compromissos que respondam à fome de Deus e de pão.

O Sameiro é um monumento à Imaculada. Hoje precisamos doutros monumentos vivos que, no discernimento da atenção a tudo o que nos rodeia, deveríamos ser capazes de edificar Maria mulher vocacionada e eucarística. Será que estas três palavras podem dizer algo mais à Igreja em Portugal? Creio que cada uma encerra um itinerário a redescobrir.

D. Jorge Ortiga, A. P. Arcebispo Primaz de Braga

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