Santarém: Homilia de D. José Traquina na Missa da Ceia do Senhor

Foto Diocese de Santarém

Quinta Feira Santa

Celebração da Missa vespertina da Ceia do Senhor

Sé de Santarém, 28-03-2024

Irmãos e irmãs

         Com esta celebração da Missa vespertina Ceia do Senhor damos início ao Tríduo Pascal, origem e fonte de toda a Liturgia ao longo do ano, e acompanhamos Jesus no contexto da última ceia, na qual o Senhor instituiu a Eucaristia e o ministério do sacerdócio. E também no Lava-pés, gesto que o evangelista São João situa no quadro da última ceia.

         O que ouvimos na 1ª Leitura do Livro do Êxodo (12,1-8.11-14) acerca da tradição pascal do povo hebreu é a base para entendermos a última ceia e a instituição da eucaristia.

         Nos Evangelhos temos referências de vários episódios em que Jesus se encontra em ambiente de uma refeição: na Bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11), em Betânia na casa de Lázaro, Marta e Maria (cf. Lc 10,38-42), na multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Mc 8, 1-9), na casa de Simão fariseu (cf. Lc 7,36-50). Porém, na Última ceia trata-se de uma refeição solene em que as referência de preparação indicam um necessário cuidado. “Onde queres que façamos os preparativos para a refeição da Páscoa?” (Mt 26,17), perguntaram os discípulos.

         Apesar desta distinção, os evangelistas permitem-nos uma associação entre a refeição da Ceia pascal e as outras refeições, sobretudo a multiplicação dos pães e quando no cap. 6 do Evangelho de São João, Jesus se demora a falar de si como o ‘pão da vida’.

         Esta associação entre a ceia e as outras refeições têm para nós uma sequência quando consideramos que uma refeição em família tem algo de ‘sagrado’. Isto é, por um lado resolvemos a sustentabilidade da vida com os alimentos que tomamos, por outro lado convivemos uns com os outros porque a nossa vocação humana e a nossa realização passa por nos relacionarmos uns com os outros. Aceitar convite para a mesma mesa é sinal de paz e bem estar. A refeição em comum tem uma dimensão festiva, de intervalo entre ocupações de trabalho, ponto de chegada e de partida com melhor disposição.

Estas referências não são para nos distrair do essencial, mas para nos ajudar a valorizar o que é comum e tão habitual como é uma refeição em família ou em grupo. Com Jesus a refeição é uma grande oportunidade. Todavia, os cristãos tiveram desde o início a necessidade de distinguir o que era uma celebração da Eucaristia e uma refeição comum.

         A Eucaristia nasce naquela ceia onde Jesus diz “desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco, antes de padecer” (Lc 22,15). Jesus deixa-nos o mistério da sua Páscoa, a sua passagem deste mundo para o Pai, deixa-nos a celebração da Eucaristia, a nova Aliança em que assegura acompanhar os seus discípulos até ao fim dos tempos.

         A Eucaristia é a celebração do amor extremo de Jesus por todos os que n’Ele creem e o sacramento continuado da sua Ressurreição. O sangue e água que jorraram do peito de Jesus, quando acabara de morrer na cruz, foi interpretado como a origem da Igreja nos dois grande sacramentos do Batismo e da Eucaristia.

         Na sua pobreza, Jesus alimenta-nos na vida relacionada com Deus: “Tomai e comei, isto é o meu corpo. Tomai e bebei isto é o meu sangue”. A pobreza e a beleza de Jesus é um assombro! Como é possível deixar-nos o mistério da sua presença através de uma Palavra e de um pouco de pão e vinho! É possível pelo fogo do Amor que o Senhor acendeu no coração dos seus discípulos. Como aconteceu com os de Emaús: “Jesus entrou e ficou com eles. E quando Se pôs à mesa, tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e entregou-lho. Nesse momento abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-no. Mas Ele desapareceu da sua presença. Disseram então um para o outro: «Não ardia cá dentro o nosso coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?»” (Lc 24,30-32).

         Na celebração da última ceia, Jesus também institui o ministério sacerdotal. “Fazei isto em memória de Mim”. Este mandato supõe uma disponibilidade de alma e coração para que o sacerdote presida em nome de Cristo, identificado com Ele no mesmo Amor consagrado na cruz. Estamos perante um serviço que exige toda a credibilidade, apesar da fragilidade de cada pessoa. Apesar disso, o que se deseja é que o sacerdote se sinta bem como consagrado e seja, na comunidade cristã e no mundo, a presença de Cristo Ressuscitado. Está recomendado e faz sentido, rezar pela santificação dos sacerdotes e pedir que o Senhor mande trabalhadores para a sua messe.

         No quadro da última ceia, S. João Evangelista é o único que descreve o Lava-pés. Com este gesto, Jesus institui também a dimensão do serviço associado à celebração da sua entrega na Cruz. O gesto traduz a vida de Jesus incluindo a sua entrega, a morte na cruz: Ele veio para servir e não para ser servido.

         Lavar os pés à humanidade é um gesto de serviço de escravo. Impressiona que o Deus todo poderoso se apresente como escravo, mas é dimensão de serviço à pessoa humana que Jesus quer presente nos seus discípulos, quer ver nos pais a cuidarem dos filhos, quer ver nos esposos a cuidarem um do outro, quer ver em todos os profissionais de saúde a cuidar dos doentes, quer ver em todos os que trabalham nas residências de pessoas idosas. Isto é, cuidar da pessoa humana tem uma dimensão sagrada que Jesus confere com o gesto do lava-pés. O Amor celebrado na Eucaristia deve expressar-se em gestos de atenção, cuidado, amor e serviço ao próximo.

+ José Traquina

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