João Manuel Duque, teólogo
O projeto que agora foi apresentado pela Pontifícia Academia para a Vida, intitulado “Salvar a Fraternidade”, é um projeto no âmbito da Teologia Fundamental e da Antropologia, a complementar outros projetos da mesma instituição, mais concentrados na Bioética. A base humana deste projeto é constituída por um grupo de teólogos que se vem reunindo regularmente, ao longo dos últimos três anos, para elaborar uma reflexão crítica sobre a situação contemporânea do mundo, da Igreja e também da teologia. Esse grupo é convocado pela Academia, na pessoa de Mons. Vincenzo Paglia, e tem sido liderado pelo conhecido teólogo de Milão, Pierangelo Sequeri, que já esteve várias vezes em Portugal, no contexto da Faculdade de Teologia e dos Congressos de Fátima.
Tive a sorte e a honra de ter sido convidado, desde a primeira hora, para fazer parte desse grupo de teólogos, devido à relação próxima que possuo com alguns deles e também devido à afinidade da minha reflexão teológica em relação à dos elementos do grupo. Contudo e apesar de possuir muitas confluências de pensamento, este grupo é significativamente pluralista, incluindo presbíteros e leigos, homens e mulheres, filósofos e teólogos, com posições nem sempre concordantes.
Tem sindo encontros extraordinários, de intensa e exigente reflexão, com grande profundidade científica, mas pouco preocupada com academismos, na partilha amigável de uma missão comum, ao serviço da Igreja e de todos os humanos, especificamente no campo da teologia. Como é evidente, nenhum de nós tem pretensões de ensinar nada a ninguém, nem sequer o próprio grupo, no seu conjunto. Também não pretendemos ter razão, mas simplesmente colocar em debate aquilo que pensamos. O tom é de profunda seriedade profissional, mas também de grande humildade no serviço a prestar, pois o trabalho teológico elaborado em todo o mundo, na grande variedade dos seus protagonistas, é imenso e muito diversificado. Mas assumimos que, sobretudo no contexto das suas instituições mais tradicionais, a teologia atravessa um momento de crise, que por isso mesmo é um momento desafiante. O que pretendemos é, precisamente, enfrentar esse desafio e, se conseguirmos, animar outros a fazer o mesmo.
Tendo em conta certa confluência de perspetivas, que já se tinha manifesto na carta do Papa à Academia, intitulada Humana communitas, a oportunidade para iniciar a intervenção pública do resultado do nosso trabalho surgiu, precisamente, com a publicação da Encíclica Fratelli tutti. É nessa sequência que surge o lançamento do atual projeto, que passa a aglutinar o trabalho deste grupo, a partir deste momento, e cuja intenção é inserir no debate um leque muito maior de teólogos e de intelectuais, crentes e não crentes.
Pessoalmente, para além da felicidade e gratidão por poder participar do enriquecimento que a reflexão dos outros me oferece, identifico-me profundamente com a perspetiva fundamental do projeto. Teologicamente sempre considerei que o nosso discurso – não apenas o discurso teológico académico, mas também o discurso crente – deve superar a tentação do encerramento numa linguagem para consumo interno, como se a vida da Igreja constituísse um mundo ao lodo do resto do mundo. Temos que mergulhar no mundo em que vivemos e afinar a nossa sensibilidade para o quotidiano dos nossos contemporâneos, no qual se desenvolve a gramática do discurso humano, que é também a gramática do discurso crente. E a especificidade eventualmente crítica deste discurso, também na teologia, não pode nunca abandonar o terreno comum de que brota e para o qual se orienta. É esta proximidade à cultura que compartilhamos com todos os humanos que deve ser cultivada, mesmo se aprofundada numa linguagem científica e técnica específica. Sempre defendi isso e, por isso mesmo, sinto-me grato por poder partilhar essa perspetiva com este grupo de colegas e, através deste projeto, por poder contribuir para um serviço teológico que, humildemente, queremos prestar aos humanos, incluindo a todos os cristãos que habitam o espaço eclesial, no coração do mundo.