SABER APRENDER – Nem só com vírus se une o mundo

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Os pais querem sempre o melhor para os seus filhos, mas nem sempre o fazem da melhor maneira. Quando eram pequenos, os miúdos estavam a discutir e a agredir-se um ao outro. É normal. Faz parte do crescimento de alguém com os seus irmãos, mas eu estava cansado. Queria chamar-lhes à razão e o único exemplo que me ocorreu era duro. Mostrei-lhes uma foto de uma criança sub-nutrida, fruto de um país em guerra e disse-lhes – «as guerras que geram isto começam com discussões como a que estão a ter.» Subjacente ao que dizia aos meus filhos estava a experiência de que as divisões do mundo começam em casa. Uma década depois deste episódio chega um vírus.

Em 1961, o sociólogo Charles Fritz terminaria um estudo sobre a relação entre os desastres naturais e os relacionamentos comunitários que foi publicado somente 35 anos depois. De uma impressionante actualidade, Fritz faz notar que em épocas onde o mundo parece desmoronar-se à nossa volta (terramotos, tsunamis, furacões, etc.), o ser humano tende a esquecer-se da cor política, crença religiosa, ou raça, e assume com actos concretos o facto de sermos todos parte de uma só família humana. Em vez de se voltar para si próprio e a sua sobrevivência (alguns farão), procura viver a Regra de Ouro fazendo aos outros o que gostaria que fizessem consigo, e relacionando-se com os outros como se relacionaria com um irmão, criando à sua volta um ambiente de fraternidade universal onde se experimenta a unidade no meio da adversidade.

Nesse trabalho, Fritz refere como as pessoas se aproximavam umas das outras para se ajudarem reciprocamente. Porém, a situação que vivemos é diferente, e o modo de nos protegermos da pandemia é o distanciamento social. Mas ao contrário de nos sentirmos afastados, a tecnologia permite estarmos unidos, talvez com mais frequência do que antes. E se há algo que caracteriza a natureza humana é a sua capacidade para a empatia, por isso, sentimos o que o outro sente e exercemos na medida das nossas condições de possibilidade, a capacidade de nos colocarmos na pele do outro. Algo que desperta a criatividade como não imaginaria.

A leitura que a escritora Rebecca Solnit faz dos desastres é a de que, apesar de indesejáveis, abrem uma «janela extraordinária para o desejo social e a possibilidade, e o que se manifesta num local repercute-se noutros locais, seja em tempos normais como em tempos extraordinários.» É uma visão positiva do sofrimento pandémico em que vivemos, e pode servir para repensar o que significa ultrapassar as divisões e chegar a um mundo mais unido.

Antes do surto de coronavírus SARS-CoV-2 acontecer na China, o mundo parecia dividido, seja pela sistemática falta de acordo quanto ao que os países poderiam fazer para mitigar o impacto da acção humana nas alterações climáticas, seja pela ausência de uma economia solidária não apenas do ponto de vista social, como ambiental.

Depois do coronavírus, os países dispuseram-se a ajudar mutuamente, e não vi ninguém ficar indiferente ao sofrimento dos outros. Aliás, apesar do confinamento a casa não ser fácil para ninguém, quantas iniciativas não se multiplicaram por todo o mundo, com artistas a colocar os seus dons ao serviço das comunidades onde residem, mais compreensão por atrasos nos pagamentos (por exemplo, de rendas), e quantas outras iniciativas, diferentes e que expressam a riqueza da criatividade humana para superar a dureza das catástrofes.

O que uma família faz em casa, acaba por se reflectir sobre outras famílias, casas, outras cidades, países, ou seja, por todo o mundo. E por mais tecnologia que tenhamos hoje que nos permita estar ligados a qualquer parte do mundo, importa estar cientes de não ser a tecnologia que une o mundo, mas as pessoas.

Uma iniciativa emergente, e que ainda se conhece pouco, é de Catherine Belzung, neuroscientista francesa da Universidade de Tours que estuda a depressão.

Inspirada pela possibilidade de encontrarmos em tempo recorde uma vacina para inocular o ser humano contra esta estirpe do coronavírus, escreve um manifesto em que pede para que essa vacina seja considerada um bem da humanidade. Se assim fosse, todo o ser humano, não importa a sua condição social, teria acesso a esta vacina. E as empresas capazes de a produzir não teriam de pagar os direitos de patente, razão pela qual certas vacinas tornam-se tão caras e inacessíveis a muitos. Diz Catherine no manifesto que

«todos convergem para a ideia de que, em última instância, o único modo de erradicar, definitivamente, a pandemia é ter uma vacina que possa ser administrada a todos os habitantes do planeta, nas zonas urbanas ou rurais, homens ou mulheres, vivendo em países ricos ou pobres.»

Eu assinei este manifesto como académico, e comigo existem já quase 100 cientistas de Universidades espalhadas por todo o mundo. Uma inspiração simples, mas significativa, e que oferece ao mundo uma oportunidade de ser mais unido através das pessoas.

Ouvimos o nosso presidente Marcelo Rebelo de Sousa afirmar estarmos a viver um tempo de guerra contra um inimigo, praticamente invisível, que – muito sinceramente – está-se bem na tintas sobre o que está a fazer à espécie humana. Faz o que todos os parasitas fazem. Sobrevive. Por isso, parece até ridículo que se tenha iniciado no dia 1 de maio, uma semana dedicada ao Mundo Unido, organizada pelo Movimento dos Focolares, sob o tema que expressa estarmos ainda A Tempo para a Paz. Mas faz todo o sentido.

Cada actividade realizada é uma oportunidade de nos deixarmos ser tocados, inspirados e transformados. E o mundo unido, como queria ajudar os meus filhos a compreender, começa à nossa volta, nos relacionamentos que estabelecemos com os que nos estão mais próximos. Se cada pessoa viver cada momento da sua vida por um mundo mais unido, faz a sua parte na construção de um manto de paz que cubra o mundo e o proteja da divisão. Essa é o verdadeiro inimigo. O coronavírus apenas nos forçou a compreendê-lo. Será que iremos aprender a lição?

Para saber mais sobre

  • a Semana Mundo Unido em Portugal ver AQUI
  • o projecto internacional United World Project ver AQUI
  • Assine a Petição para fazer da vacina da Covid-19 um Bem da Humanidade AQUI.
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Agência ECCLESIA

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