SABER APRENDER – Com as abelhas

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Se as temperaturas aumentam por causa das alterações climáticas, multiplicam-se os focos de extinção das abelhas. No meu pequeno-almoço, o mel é um elemento fundamental, mas será que está em risco? Sim, na medida em que são as abelhas que o produzem, mas devido à polinização que realizam, houve quem questionasse o quanto a vida humana dependeria disso. De acordo com o professor Keith Delaplane da Universidade de Georgia, nem depende muito, mas como a qualidade de vida assenta numa economia onde as culturas dependem da polinização das abelhas, essa qualidade pode depender destes pequenos seres e muito. Mas das abelhas, não colhemos somente (e da pior maneira) o que está a acontecer ao clima. Delas aprendemos outras coisas como, por exemplo, a liderança.

Foto de Beeing em Unsplash

Na “Sabedoria das Abelhas” de Michael O’Malley, existem três de várias lições de liderança a aprender com as abelhas. A primeira é a lição da “distribuição da autoridade”, ou seja, a abelha-rainha está sempre a delegar responsabilidade e as abelhas trabalhadoras tomam decisões por si mesmas, diariamente, sem o aval da rainha. A segunda lição tem o acrónimo de KISS — Keep It Simple, Sweety (Mantém-no simples, querida) — porque as abelhas trocam apenas informação relevante entre si. E a terceira lição seria a da protecção do futuro, pois, quando uma veia de néctar lucrativa é descoberta, a colónia inteira não se apressa a miná-la toda de uma só vez.

As abelhas comunicam através da dança. Quando uma colónia de abelhas procura um novo lugar para o seu ninho, as abelhas exploradoras fazem a sua pesquisa, voltam com os resultados, e quando atingem a unanimidade na escolha é que toda a colónia se desloca. Tudo através de uma dança onde partilham as ideias e estão dispostas a perdê-las para o bem maior de todas. Se as abelhas demonstram organizar-se de um modo tão relacional, o que nos impede? E se estes seres não são auto-conscientes, será a consciência de nós mesmos o que nos impede de viver de um modo mais simples e relacional? Aliás, faz algum sentido aprender seja o que for com os insectos? Desde sempre o ser humano reconheceu que sim.

«Vai, ó preguiçoso, ter com a formiga, observa o seu proceder e torna-te sábio.» (Provérbios 6, 6)

Reconheço que fazermos coisas juntos é positivo, e que todos os que contribuem se sentem protagonistas em pôr algumas ideias para a frente. Mas, por vezes, essa é a forma mais lenta e cansativa de chegar à meta. O que seria bom porque sozinhos chegamos mais depressa, mas juntos vamos mais longe, se não acarretasse o risco de haver sempre alguém com algo a dizer à última da hora que torna uma despedida por Zoom, em mais meia-hora de conversa, com um retorno real diminuto. O que as abelhas fazem é reconhecer os fluxos de trabalho não sequenciais, podendo trabalhar em simultâneo (juntas), mas sem se atrapalharem. Aliás, uma pode completar o trabalho da outra na base da confiança, como é o caso da construção dos favos de mel por ser algo que se faz sempre da mesma maneira.

As abelhas possuem algumas constantes na vida quotidiana, que podem ser interpretadas como pontos de referência, e que as ajudam a voltar a casa, ou a construir — como referi — hexágonos sempre do mesmo tamanho. E estes pontos de referência são a razão pela qual se torna possível ser criativo, abrindo espaço à experimentação sem que, com isso, se perca tudo o que ao longo do tempo fez “cultura”. A variabilidade típica da criatividade nunca leva à desordem quando são claros os pontos de referência.

E, por fim, ligando os pontos de referência e a questão de fazermos as coisas juntos, um desses pontos principais é a rainha. E se todas as abelhas a apoiam para criarem as condições que permitem tomar decisões, todas (incluindo a rainha) estão conscientes de que se deve planear com antecedência a eventual substituição da liderança. Pois, sem liderança, as colónias morrem. E no caso da religião organizada, como a Igreja Católica com as suas Dioceses, Paróquias e Movimentos, esse é um assunto delicado e relevante.

A cultura católica sempre se maravilhou com as abelhas. Por exemplo, as abelhas trabalhadoras são um exemplo de doação na castidade. Trabalham sem cessar pelo bem da colmeia, seguras de que essa, como comunidade, cuida também de si.

Em 27 de novembro de 1948, o Papa Pio XII dirigiu-se aos apicultores italianos em agradecimento pela cera e mel que lhe ofereceram, e recordou as palavras que se pronunciavam, na altura, no Sábado Santo,

«Pois é nutrida pela cera a derreter, que a mãe-abelha produz a substância desta preciosa luz.»

Cera que acendia os círios pascais da altura, e que ligavam o trabalho destes pequenos seres à possibilidade que abriam de acolher a luz interior de Deus na contemplação da luz exterior de uma vela. Como diz a historiadora Bee Wilson — «a abelha era um ser sagrado porque fazia cera sagrada; e a cera era santa porque a abelha era santa.»

Por vezes, tendemos a desprezar as lições que seres mais pequenos do que nós, sem consciência própria (embora colectiva), nos podem ensinar e inspirar. Mas isso significa negar o universo como uma liguagem através da qual Deus nos fala, como o Papa Francisco nos recorda na Laudato Si’, encíclica que até 24 de maio deveria ainda dinamizar as nossas vidas e caminhos trilhados para reconhecer a presença de Deus na família da criação. Como dizia S. Francisco de Sales — «a abelha recolhe mel das flores de tal modo que produz o menor dano ou destruição, e deixa-as inteiras, intactas e frescas, tal como as encontrou.»

A presença das abelhas na natureza assemelha-se à presença subtil de Deus no qual se inspiram, na sua condição de abelhas. E o seu exemplo deveria ajudar-nos a rever os nossos desejos, escolhas, e actos. Não é só pelas alterações climáticas que assistimos ao declínio das abelhas. Também no discurso teológico e pastoral, a colmeia deixou de servir como metáfora para compreender as realidades profundas que Deus nos quer revelar.

Uma curiosidade. Quando a unidade (1) se vive pela diversidade protagonizada pela riqueza da diferença de um casal (2), vislumbramos, como nos ensinou S. João Paulo II, o sinal e reflexo do amor trinitário (3). E já repararam que 1 x 2 x 3 = 6? Visões hexagonais que não deixam de nos surpreender.


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