SABER APRENDER – A viver sem Redes Sociais

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

A cultura actual tem muita dificuldade em conceber uma vida sem redes sociais. De tal forma que, pensar em viver sem redes sociais é, para a maioria das pessoas, impensável. Aliás, alguém que não suporta quem faz críticas às redes sociais pode ser incapaz de ler este artigo, e eu explico a razão, mas terá de ler até ao fim.

Foto de Christopher Ott em Unsplash

Sabemos hoje que as redes sociais diminuem a nossa capacidade de concentração. Será que o investimento nessas, mesmo com bom conteúdo, contribui para o défice de atenção que geram? Ou seja, ao estimular o seu uso não estaremos a contribuir para o problema, aumentando a bola de neve consumidora da nossa atenção?

Em setembro de 2020, a Reboot Foundation publicou os resultados de um estudo que pretendia avaliar qual o grau de influência que tem a desinformação na capacidade para o discernimento em jovens e adultos. As maiores conclusões foram: 1) os mais velhos (81%) são mais susceptíveis a clicar em caça-cliques (clickbaits) do que os jovens (72%); 2) quanto mais tempo se gasta nas redes sociais, maior é a susceptibilidade à desinformação; 3) os jovens pensam ser capazes de distinguir as notícias verdadeiras das falsas, mas não são tão bons como pensam; 4) e, de um modo geral para jovens e adultos, determinar a fiabilidade dos websites é um problema.

Existem dois aspectos críticos que este relatório aponta. O primeiro refere-se à literacia mediática. É cada vez mais importante desenvolver um sentido crítico em relação à informação que temos disponível através da internet, sobretudo pelas redes sociais. E, segundo, a crise da literacia mediática não está somente nas fakes news difundidas pelas redes sociais, mas na variedade cada vez maior de fontes de desinformação.

Já em 1996, quando a internet estava em expansão, Luciano Floridi, professor da Wolfson College questionava se a internet seria uma super-auto-estrada da desinformação, identificando três formas: a falta de objectividade, como na propaganda (ex. os caça-cliques); a falta de completude, como na “condenação de memória”, isto é, apagar alguém, ou algo, da memória como se não tivesse existido (ex. a absolutização da wikipedia); a falta de pluralismo, como no caso da censura. Porém, achei curioso como já há 24 anos Luciano referia que «com o consumo passivo dos mass media, o problema principal é o da criação não-premeditada de desinformação» , preconizando o que acontece hoje com as redes sociais. Isto é, quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto. Ou uma pequena gralha pode transformar “prelado” em “pelado,” gerando ondas de desinformação. A partir do momento em que qualquer um de nós pode tornar-se numa fonte de informação através das redes sociais, o risco da desinformação aumenta exponencialmente.

Nas Jornadas Nacionais de Comunicação Social ocorridas entre 24 e 25 de setembro, o jornalista da Ecclesia Octávio Carmo partilhou a iniciativa de um padre católico de chegar aos jovens através do Tik Tok, mas a impressão que me deixou ao ver as imagens foi a do esvaziamento da mensagem. A propósito desse sentimento, também o jornalista da SIC Joaquim Franco recorda-se daquilo que Marshall McLuhan disse há anos de que «o meio passa a ser a mensagem, e a mensagem desaparece.» Seguramente que não é essa a intenção de quem procura chegar aos mais jovens através das redes sociais que usam, mas o risco que se corre é o de sermos utilizados, em vez de sermos utilizadores. Aliás, já Adolf Hitler escrevia na sua Mein Kampf em 1925 que «a larga massa de uma nação (…) será mais facilmente vítima de uma grande mentira do que de uma pequena.»

Um grupo de investigadores italiano liderado por Ana Schmidt estudou a anatomia do consumo de notícias no Facebook para concluir que as pessoas tendem a prestar atenção ao que faz parte do seu grupo de interesses. Por isso, se houver uma notícia falsa divulgada nesse grupo, essa tende a propagar-se. É o que Kelly Garret, professor na Universidade Estatal de Ohio, denomida de “câmaras de eco” ou “filtros-bolha,” isto é, «práticas nas redes sociais que exibem conteúdos envolventes altamente segmentados na forma de “likes,” partilhas, e comentários.»

Quando se pensa em disseminar a mensagem do Evangelho pelas redes sociais — por ser onde estão as pessoas — não estamos a chegar aos que não a conhecem, mas antes aos que já a acolheram nas suas vidas. Por outro lado, também no âmbito religioso circulam notícias falsas, ainda que a intenção “pareça” boa. A última que me lembro é de atribuírem a uma homilia do Papa Francisco desde 2018, um texto de Augusto Cury.

Existem pessoas de sucesso criadoras de empresas que operam, exclusivamente, online. O seu sustento provém da atenção captada através dos anúncios que pagam às empresas gestoras das redes sociais. É por esse motivo que este mercado se denomina por economia da atenção. O único objectivo, como ficou bem expresso no documentário da Netflix The Social Dilema, é captar a nossa atenção para nos manter colados ao ecrã na esperança de que os algoritmos mostrem a nossa publicidade e cliquemos nela.

Compreendo que as pessoas que trabalham no mercado online, e fora do âmbito de trabalho dedicam-se à formação cristã dos jovens, sejam favoráveis ao uso das redes sociais, argumentando que é lá que os jovens estão. Por isso, nós devemos estar também. Mas, em vez de libertarmos a mente do jovem para se manter aberta e sensível ao diferente, não corremos o risco de os aprisionar ainda mais em filtros-bolha, onde poderemos nós, também, estar presos?

Se estivermos presentes nas redes sociais para estimular jovens e adultos a sair das redes sociais parecer ser um contrasenso. Mas esse é o desafio. Importa não confundir crítica à tecnologia que colocam nas nossas mãos, com ser anti-tecnologia. Ser crítico em relação ao valor que a tecnologia da atenção tem, como as redes sociais, significa redescobrir primeiro o que traz valor à nossa vida. Por exemplo, a verdade.

Há um movimento de redescoberta da qualidade da informação, como se demonstra pelo aumento das assinaturas digitais de jornais credenciados. É possível viver sem redes sociais e manter-se informado daquilo que se passa no mundo, aprendendo a ser crítico, sem excluir a opinião diferente da nossa.

Saber aprender a viver sem redes sociais é sair das nossas bolhas, e ir para as periferias existenciais como o Papa Francisco nos convida. Ir para onde a informação se vive na primeira pessoa e nos ensina a ultrapassar o desafio cultural da desinformação, estimulando ir sempre a fundo nas questões, por amor à Verdade.

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