Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
A minha filha mais velha estava a fazer um trabalho para filosofia que envolvia uma crítica argumentativa a um documentário de Richard Dawkins contra a religião (como é costume). Poderia ficar indignado por não considerar o que Dawkins faz filosofia, mas o que me fez mais impressão foi a atitude de rejeição que tive a cada minuto do documentário. Não tanto pela crítica ao que argumentava que não seria difícil, mas pela reacção negativa em relação a pensamentos muito diferentes do meu. Será positivo?
O diálogo com os que não professam uma religião é enriquecedor, mas não é fácil no tempo de informação digital em que vivemos. A razão pela qual milhares de milhões de pessoas gastam do seu tempo e atenção a navegar pelas redes sociais deve-se ao modo como estas nos mostram o que gostamos, ou o que outras pessoas com gostos semelhantes gostaram. É o que a autora Eli Pariser refere como filtros-bolha.
Um filtro-bolha é um universo de informação único para cada pessoa que altera, fundamentalmente, o modo como encontramos ideias e informação. A ideia subjacente de empresas como a Google, o Facebook, ou até a Netflix, é a de nos mostrar o que devemos fazer a seguir – lá se vai o livre-arbítrio-, mediante algoritmos que comparam o nosso comportamento com o de pessoas semelhantes a nós. Por isso, se duas pessoas com gostos diferentes fizerem uma busca na internet pela mesma palavra, os resultados serão diferentes.
Poderíamos pensar que esta personalização da informação a que temos acesso é benéfica, mas a tendência será a da uniformização das pessoas que estão dentro da sua bolha, com os conteúdos orientados por algoritmos, em vez da curiosidade inerente ao ser humano.
De cada vez que lemos um artigo, usualmente chegamos ao fim se estivermos de acordo com o que lemos. É raro continuar se não concordamos. Pelo menos, essa era a minha experiência. Ou seja, fomos já alterados pela tecnologia e não nos demos sequer conta disso. Qualquer texto contra aquilo em que acreditamos, vai contra o desejo de confirmação das nossas crenças, causando uma erosão súbita da nossa atenção e capacidade de acolher o pensamento diferente. Era o que sentia enquanto ouvia o documentário do Richard Dawkins.
É por esse motivo que a aprendizagem ao longo da vida dá-nos algum equilíbrio emocional, intelectual e espiritual. Consumir a informação que se conforma ao que acreditamos é fácil e dá gozo, enquanto que se a informação consumida desafia o nosso modo de pensar e questiona as nossas crenças, gera em nós frustração e incómodo. Mas é neste desconforto que está o modo de desenvolver uma das atitudes mentais mais importantes para a mente que está sempre a aprender, e que referi como inerente ao ser humano, a curiosidade.
O psicólogo George Lowenstein dizia que a curiosidade surge quando nos apresentam uma lacuna na informação. Isto é, há qualquer coisa que nos parece incompleta e experimentamos a curiosidade de completar. É a sensação de estarmos privados de algum conhecimento que desperta em nós o desejo de querer saber.
Como afirma Siva Vaidhyanathan, professor na Universidade da Virginia no EUA, a «aprendizagem é, por definição, um encontro com o que não sabemos, com o que não pensámos, com o que não conseguimos conceber, e com o que nunca pensámos ser possível compreender.» Por isso, torna-se, hoje, cada vez mais importante estarmos atentos aos filtros-bolha em que nos colocamos que nos afastam da diversidade de ideias ou tipos de pessoas.
Cada cultura, pessoa, religião ou crença, ainda que diferente da nossa, possui uma riqueza inerente que nos pode orientar no caminho do saber aprender coisas novas. Por vezes, será o que pensa de um modo completamente diferente de nós que nos ajuda a aprofundar aquilo em que acreditamos e faz parte da nossa experiência de vida. No caso do documentário de Dawkins que acabei por não ter tempo para ver até ao fim, aprendi que todos procuramos a verdade, e quando confronto isso com a minha experiência de fé, percebo que só uma mente aberta pode alguma vez acolher e escutar o pensamento subtil pronunciado pela voz interior através da qual Deus nos fala.