SABER APRENDER – A redimensionar a perfeição

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

A perfeição não está relacionada com o que é bom, mas com uma nova visão sobre quem nos faz mal. A guerra na Ucrânia faz inimigos daqueles que estão contra a liberdade do outro. E a natureza humana é perita em combater os inimigos. Mas Deus desafia essa visão e parece-me que ainda temos muito para aprender sobre a ideia de Jesus sobre esse assunto quando nos disse —

«Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. Porque, se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.» (Mt 5, 43-48)

Foto de Milão Fakurian em Unsplash

Amar os inimigos é tornar-se filho de Deus. É reconhecer que o Sol e a chuva cai do mesmo modo para todos e que amar quem nos ama, isto é, viver nos filtro-bolha daqueles que têm a mesma opinião do que nós, de nada nos serve. Não crescemos na união com Deus. Ao terminar com o convite a ser perfeito como o Pai, e ao começar com o amor aos inimigos, a mensagem de Jesus parece-me clara: a perfeição de que fala é a perfeição no amor. Mas quando olho para mim (dentro e fora), e se o leitor olhar para dentro si, sente-se perfeito no amor? Eu vejo muitas imperfeições e é-me difícil compreender como podemos saber se estamos a aprender a ser perfeitos no amor do modo certo. Podemos caminhar para a perfeição através da imperfeição?

Se o convite a esta perfeição vem de Deus, só Deus pode ensinar-nos, e em Deus, o ensinamento tem sempre na base a vida concreta. Quando penso na imperfeição em Deus apenas me ocorre a experiência de Jesus Abandonado. O Seu rosto e corpo desfigurados fazem-se imperfeitos por amor. E no meio de tanta imperfeição causada pelos Seus inimigos, Ele escolhe amá-los pedindo ao Pai que os perdoe por não saberem o que estão a fazer. Foi perfeito no amor através da imperfeição que experimentou neste mundo de relacionamentos danificados. O perdão foi a via que escolheu para ser perfeito no amor. Por isso, é perdoando os inimigos que podemos amá-los e sermos mais perfeitos no amor. Mas não chega.

Sabemos que não sabemos tudo. Ou, pelo menos, quanto mais cedo estivermos cientes disso, melhor. Somos imperfeitos na informação que dispomos. O que consideramos como verdade será sempre uma aproximação e exige uma verificação constante. E quanto mais comunitária for essa verificação, e mais diverso for o universo de experiências da verdade com que nos rodeamos, mais nos aproximamos da verdade sobre a realidade. Um dos grandes desafios que vivemos com esta guerra na Ucrânia é o vírus da desinformação que adoece a nossa vida digital e, consequentemente, a vida real. Imaginem que um amigo vosso teria manifestado nas redes sociais uma comparação entre Zelenski e Putin dando a entender que são o mesmo tipo de pessoa. Talvez vosso amigo mereça umas reacções negativas e estupefactas pelo que publicou. É claro que uma forma de evitar a desinformação que se espalha pelas redes sociais é apagar as nossas contas nessas plataformas e procurarmos o jornalismo profissional e de investigação, ou comentadores credenciados em relações internacionais. Mas não tendo a coragem para isso porque estamos demasiado apegados às redes sociais, ou ser necessário estar nessas por causa do nosso trabalho, ao menos resta-nos a verdade.

Imagino que ser perfeito no amor signifique, também, procurar sempre estar e conhecer a verdade em profundidade. Não nos ficarmos pela primeira impressão que uma notícia suscita em nós. Aliás, numa recente entrevista feita a uma jornalista Russa que durante 5 segundos manifestou na televisão pública a verdade de que a informação dada ao povo russo é mentira, dizia que não aguentava mais ser obrigada a desinformar. Ser perfeito no amor leva-nos a um amor à verdade e ficamos inquietos enquanto não a conhecemos e testemunhamos. E o que é a verdade na Era da (Des)informação?

Por vezes esquecemos como a nossa capacidade de pensar está intrinsecamente ligada à tecnologia que usamos e com a qual a mente é levada a pensar e relacionar as várias narrativas que chegam até nós. A verdade libertar-vos-á, diz o Evangelho, e o Espírito Santo — diz ainda Jesus — ensinar-nos-á todas as coisas. Saber aprender a ser verdadeiro é um modo de deixarmos Deus trabalhar em nós e, assim, ganharmos sensibilidade para a verdade.

O facto de vivermos no mundo ocidentalizado poderíamos pensar que nos é dado a conhecer apenas a versão ucraniana da história. Mas não tendo a Rússia nada, mas nada a ganhar com esta invasão pelas sanções que está a receber, e com essas o sofrimento do seu povo, como dos povos da Europa, é estranho pensar como Putin parece seduzir a mente dos russos com acusações de nazismo a Zelenski. E até imagino conseguir influenciar as mentes portuguesas como a do vosso amigo.

Amai os vossos inimigos para serdes perfeitos no amor como o Pai. A perfeição do amor no testemunho de Jesus Abandonado mostra-nos como saber aprender a redimensionar o que é perfeição: dar a vida.

Recordo-me da frase em Latim no filme (e jogo) “Uncharted” — Sic Parvis Magna — “A grandeza a partir dos pequenos começos”. Dar a vida para chegar à grandeza da perfeição no amor começa pelas pequenas coisas. Uma pequena atenção, sorriso, gesto, paciência, oferta, mão, palavra, perdão, procura, verdade, ou qualquer outro fruto da imaginação humana. Não há modo perfeito de dar a vida. Vamos dando e aprendendo a dar.


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