LUSOFONIAS Beira-Inhazónia-Beira

Tony Neves, na Beira e em Inhazónia

Aterrei em Maputo terça, com viagem marcada para o Chimoio no dia seguinte. As confusões que paralisam Moçambique, desde que a Comissão Nacional de Eleições atribuiu 70% dos votos à Frelimo e seu candidato presidencial, obrigaram-me a chegar ao aeroporto às 3h da manhã, antes de se bloquearem as ruas. Bem cedo percebi que o voo estava cancelado e, com o P. Alberto Tchindemba, Superior dos Espiritanos, decidimos mudar a viagem para a Beira, onde chegamos já de noite.

Alterado que foi o guião da visita, cumprimos agenda nesta bela cidade do litoral, onde os distúrbios não aconteceram até agora, pela simples razão da cidade ser governada pelo MDM, partido da oposição à Frelimo. Fui acolhido no Seminário Espiritano da Beira onde vivem o P. Nicholas da Zâmbia e o P. Petrus do Malawi. Asseguram a animação pastoral da Paróquia da Natividade, em Vaz, nas periferias da cidade. Pude, igualmente, visitar e conversar longamente com o Arcebispo D. Cláudio, Dehoniano italiano, e com o seu Auxiliar, D.Constantino, Comboniano moçambicano. A riqueza da diversidade de proveniências dos missionários é imagem de marca da Igreja neste país Índico.

Inhazónia era o próximo objetivo. Os Espiritanos chegaram lá em 1996. A estrada é boa, com quatro portagens. Seguimos a famosa Nacional 6, o chamado corredor da Beira, que liga o Índico ao Zimbabué. Centenas de camiões obrigam a marchas lentas ou ao risco de ultrapassagens acidentais. Após 190 kms, chegamos a Chimoio, terra de cereais e de frutos. Continuamos até ao Cruzamento. Ali desviamos para a estrada de Tete até Inhazónia, a 160 kms do Chimoio.

Os Padres John (irlandês), Joseph (nigeriano) e Rogatius (tanzaniano) constituem a plural comunidade espiritana da Missão de Inhazónia, que guarda o nome do rio que ali passa. Fundada por Padres Brancos, a Missão esteve abandonada muitos anos, após a independência e nacionalização dos edifícios. A guerra civil fez ali muitos estragos e o abandono das populações provocou o desaparecimento ou enfraquecimento de comunidades cristãs, já de si votadas também ao abandono pelas autoridades públicas, sendo uma das regiões mais pobres do país.

A geografia desta Missão mostra números impressionantes. São assistidas várias dezenas de comunidades, algumas delas situadas em montanhas de difícil acesso. A mais distante, uma das mais numerosas e dinâmicas, está a 210 kms da sede da Missão e, com chuva, podem ser precisas mais de dez horas para lá chegar!

No sábado, as pessoas desesperavam por falta de chuva e metia dó ver o milho a perder-se por causa da seca. Mas dava alegria ver as várias centenas de mangueiras, plantadas pela Missão há muito anos, carregadas de mangas, muitas delas já maduras e a ser colhidas pela população. A Irmã Felicidade, do Coração de Maria, com mais de 50 anos de vida missionária, olhava para as mangueiras, sorria e dizia que era o ‘mata fome’ de muita gente. Mas, ao fim da tarde, passou um ciclone na Missão e, em apenas cinco minutos de puro pânico, pude ver milhares de mangas no chão, mangueiras esgalhadas, fios de electricidade rebentados e até voaram os três depósitos de água da Casa das Irmãs. Este é outro drama do povo moçambicano que – como dizia o P. John – ou sofre os efeitos da seca ou apanha com ciclones que levam tudo pelo ar e deitam quase tudo ao chão!

Mas falemos de coisas boas: a Missão tem muito terreno cultivado e está a inovar em irrigação e outras técnicas de cultivo, para tentar controlar uma natureza muito agressiva. Foi bom percorrer esses campos com milho e tomate. Também pude visitar a Comunidade das Irmãs do Coração de Maria que dirigem uma creche.

Os dias acordam cedo nestas terras e neste tempo de canícula insuportável, que nos derrete. Domingo, acompanhei os missionários a Catandica, uma importante povoação a uma dúzia de kms da Missão, junto à estrada de Tete. Ali presidi à Missa com uma Comunidade muito numerosa e muito viva. Seguiu-se um simpático encontro com o Grupo dos Leigos Espiritanos. Após reconfortante pequeno-almoço (digamos, almoço!) nas Irmãs Reparadoras, fizemo-nos à estrada, com muita gente a tentar vender as mangas, abacaxis, lichias, carvão e tudo o mais que produzem.

Moçambique, como os media mostram, vive momentos críticos, mas a minha visita avançará até que me obriguem a parar. Daqui quero partir rumo a Nampula, via Maputo, pois não há alternativa praticável. Prometo continuar a partilhar a riqueza desta viagem missionária, já com o Natal à vista.

Tony Neves, na Beira e em Inhazónia

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