SABER APRENDER – A não desperdiçar informação

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Numa aula ao referir a utilidade dos sistemas de armazenamento de energia pensava no quanto servem para reaproveitar alguma dessa que esteja prestes a ser desperdiçada. Na sequência disso dizia-lhes que seria possível que o maior problema da energia no futuro fosse diminuir a quantidade que se desperdiça. Mas se ampliarmos o significado da energia que faz o mundo mover-se para níveis de interpretação mais profundos, deveríamos considerar, também, o conceito de informação. E quando pensamos no desperdício de informação, a coisa complica-se.

Foto de Adi Goldstein em Unsplash

A ligação entre energia e informação não se resume à energia que gastamos para alimentar os servidores onde guardamos a informação das nossas fotos, emails, blogues. Nem tão pouco à energia que gastamos para manter os dispositivos electrónicos ligados à net, e através dos quais criamos, consumimos ou partilhamos informação. Na verdade, o que se entende bem por informação?

Em 1948, Claude Shannon publicou um trabalho seminal sobre a teoria matemática da comunicação. Nessa teoria, Shannon encontrou uma forma de quantificar a informação baseada numa análise a dígitos binários (1’s e 0’s), que em inglês se escreve binary digits, e daí provém a palavra “bit”. Para ele não importava o conteúdo da mensagem comunicada. O que procurava perceber era o mínimo de informação que precisamos para descodificar uma mensagem afectada pelo ruído. O resultado a que chegou possuía uma fórmula matemática que o físico austríaco Ludwig Boltzmann havia desenvolvido para quantificar a entropia de um sistema, sendo essa proporcional ao número de combinações possíveis para o arranjo de “N” moléculas de uma substância qualquer. Enquanto a entropia de Shannon é proporcional a bits de informação, a entropia de Boltzmann é proporcional à energia por unidade de temperatura. O que pode ligar as duas abordagens a uma única realidade? Depende do que entendemos por entropia.

Quando andava na Universidade a tirar o curso tinha um professor que, de vez em quando, dizia — «baixa aí a entropia, vá lá!» — ou seja, a confusão na sala por causa das nossas conversas tinha atingido um nível que ele já não considerava razoável. Quando imaginamos as moléculas de um gás a passear dentro de uma caixa, não imaginamos que tudo está numa grande confusão? Isto é, que não existe um movimento ordenado, mas desordenado? Por isso, a confusão é a palavra que usamos para nos dar uma noção aproximada do significado de entropia, mas é uma visão ainda limitada.

Quando Claude Shannon quantificou pela primeira vez na história a informação com uma fórmula matemática, o significado que tinha em mente de informação era de ser uma medida da mudança gerada no conhecimento do observador. Por exemplo, se todas as faces de um dado tiverem o valor de 1, lançar o dado não produz qualquer alteração no conhecimento do observador porque já sabe que sairá 1. Pelo contrário, se o dado for normal, qualquer lançamento altera o conhecimento do observador porque antes de lançar, qualquer pessoa não faz a mínima ideia do número que vai sair.

Em 1971, Myron Tribus e Edward McIrvine mostraram num artigo para a Scientific American como a energia e a informação (medida pela entropia) estão ligadas a um nível mais profundo do que pensamos. Se convertêssemos a quantidade de energia que recebemos do Sol em informação, o valor é astronómico. E a quantidade de produzimos de informação todos os dias continua a ser ínfima comparativamente ao número de bits por segundo que recebemos do Sol. Por isso, podemos continuar a converter a informação recebida do Sol em conteúdo que expresse a informação associada à actividade humana que a fonte não se esgota. Mas quando medimos a informação com a entropia de Shannon, estamos a medir o quanto esperamos aprender sobre uma determinada questão, quando tudo o que sabemos sobre essa corresponde a um conjunto feito de uma diversidade de respostas. Penso em tudo isto por causa do caminho incerto de reflexão sobre a Igreja Sinodal.

O impulso interior do Papa Francisco é o de voltar à experiência dos primeiros tempos da Igreja onde a vivência comunitária era próxima e profunda. Ao longo do tempo, com a mistura entre espiritualidade e política, a dimensão vertical de uma comunidade espiritual adquiriu contornos onde nem todos podiam participar ao mesmo nível. Não havia paridade no modo de nos organizarmos como Igreja, havendo sinais de submissão típicos da época medieval que teve o seu lugar na história, mas acabou. Porém, o facto dos fluxos de informação terem aumentado exponencialmente nos últimos tempos desenvolveu mais o nosso conhecimento para explicar a realidade à nossa volta. Neste caso, a dimensão vertical que diferenciava o grau de influência das pessoas mediante o título que lhes atribuíamos, esbate-se e nivela-se. E tudo o que resta é a vida verdadeira entre nós feita de melodia e ruído.

No ar respira-se um sentimento incerto que poderíamos medir pela entropia da informação que circula entre nós. Há quem pense que reflectir sobre a sinodalidade da vida na Igreja seja um desperdício de tempo porque não receberá qualquer informação nova que seja transformativa no sentido positivo. Isto é, sente o risco da cacofonia ao querermos escutar todos e eu compreendo. Já vivi diversas experiências em que se procurou escutar todos e chegar a uma ideia diversificada e consensual, fazendo-nos sentir estarmos diante da abertura de um novo capítulo na nossa história. E, depois, o que aconteceu? Nada.

Somos excelentes a dar ideias, bons a dar conselhos, razoáveis a planear as mudanças e muitos lentos ou ineficientes a concretizá-las. Sobretudo, quando a concretização dessas ideias implica mudar as nossas estruturas mentais e organizativas. Teilhard de Chardin referia-se ao aspecto mental da matéria como uma espécie de energia espiritual. A autora Julia Cameron associa essa energia espiritual à criatividade. E penso que estamos todos de acordo que a criatividade produz informação com uma utilidade indefinida, mas inegável no facto de ser uma realização de algo que mudou no nosso interior.

A energia que gastamos a pôr em prática o resultado das nossas reflexões, ao converter-se em informação, é como se fosse uma componente mental da matéria a induzir transformações à nossa volta. Se o nosso conhecimento ou reflexão não levar à acção, é como se toda a experiência de conversão da nossa energia, e tempo, em informação, que pretendia ser transformativa, se desperdiçasse. Por isso, depois de escutarmos todos é necessário fazermos caminho juntos passando da palavra à acção. Só assim saberemos aprender a não desperdiçar o momento certo, o kairos da Vontade de Deus para a Igreja no futuro próximo.


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